The May of 68 in Europe--State and Revolution/O Maio de 68 na Europa--Estado e Revolucao.

AutorVarela, Raquel

Introducao

"Quando a Assembleia Nacional se torna um teatro, todos os teatros burgueses devem tornar-se assembleias nacionais" (1)

Teatro Odeon, Paris, Maio de 1968

"O nosso destino sera feito pelas nossas maos." (2) Relato do 1 de Maio em liberdade em Portugal, 1974.

0 Maio de 68, a revolucao, de novo >

Em Maio e Junho de 1968 teve lugar em Franca a maior greve da historia do pais. Ela paralisou a Franca, levando ao desabastecimento, "as necessidades humanas, normalmente tidas por garantidas, agora apareciam visivelmente como um produto do trabalho humano" (3). Mas o seu alcance extravasou em muito Paris--e da Cidade Luz ao Mexico a Buenos Aires, de Pequim a Berlim, de Parga a Turim, todo o mundo viveu o "Maio de 68". As classes altas e dirigentes ficaram aflitas. Os estudantes, as classes trabalhadoras e os intelectuais, na sua maioria, com um entusiasmo revigorante: "Nos lutaremos, nos vencermos, em Paris, Roma, Londres e Berlim" (4).

Se as duas maiores revolucoes da Europa do pos guerra--Portugal em 1974 e a Polonia em 1980-81--foram realizadas em paises com ditaduras, sem tradicao quer de democracia quer de partidos reformistas, o Maio de 68 veio, pelo contrario, mostrar que era possivel contestar a acumulacao capitalista e a propriedade privada, ocupando as fabricas, exercendo controlo operario sobre a producao, num pais capitalista, avancado, com um regime de democracia burguesa. Para a esquerda revolucionaria mundial foi, recorda Birchal, a prova de que era realista pensar em revolucoes no ocidente. (5) Para as classes dirigentes da Europa foi assustador.

Charles De Gaulle chegou a ficar sem reaccao durante varios dias. Pouca ajuda podia ter entao dos seus paises irmaos--nas fabricas de Turim, nas ruas de Berlim, nas cidades dos EUA, a imaginacao de milhoes de operarios silenciosos desde a guerra tinha chegado ao poder. Nos primeiros dias pela voz dos seus filhos, os estudantes universitarios do baby boom do pos guerra; nos dias seguintes pela forca da maior greve operaria da historia da Franca.

O detonador foi o protesto estudantil cujo apice e a noite das barricadas, quando os estudante se barricam nas ruas do Quarter Latin, na zona da Universidade Sorbonne, atirando pedras a policia, que reprime brutalmente a manifestacao, espoletando a reaccao do movimento operario em solidariedade. Calcula-se que 9 milhoes de trabalhadores se envolveram na greve, que teve o epicentro na industria automovel mas atingiu todos os sectores, dos cientistas do Observatorio Meudon ao cabare mitico Folies Bergeres.

O baby boom do pos guerra e o impulso cientifico e tecnologico, a pari passu com as conquistas sociais do Estado Social, tinham aberto as universidades as classes trabalhadoras, o numero de estudantes no ensino superior tinha passado de 175 mil para mais de meio milhao em dez anos (entre 1958 e 1968).

As greves de 1968 nao podem ser compreendidas fora do contexto da crise ciclica de 1967 e do periodo de iniciativa mundial dos trabalhadores, com o centro nevralgico nas fabricas norte-americanas de automoveis e no Maio de 1968 em Franca, de resistencia a intensificacao do trabalho (6), segundo o sociologo Peter Birke. Esta tese e confirmada nos estudos de Pietro Basso sobre a evolucao do trabalho no seculo XX e XXI (7).

No verao de 1967 o Governo tinha imposto o corte nos reembolsos das despesas medicas e reduzido a participacao dos trabalhadores nas decisoes do sistema de Seguranca Social. A medida gerou irritacao nos trabalhadores. Em Junho de 1967 a Peugeot tinha chamado a policia antimotim para um conflito na fabrica e esta acabou por matar dois operarios, fato que provocou indignacao publica.

No dia 3 de Maio o governo encerra a Sorbonne. Os protestos tinham subido de tom, exigindo, entre outras reivindicacao, a livre circulacao no campus entre o sector feminino e masculino do campus. Comecam confrontos entre a policia e os estudantes que no dia 10 de Maio erguem, estima-se, cerca de 60 barricadas, onde participam varios milhares de estudantes. Paris tinha uma longa tradicao de barricadas que o Barao Haussman, entre 1852 e 1870, tentou por fim arrasando com bairros inteiros, construindo avenidas largas, por onde pudessem circular as forcas anti-motim, naturalmente tambem respondendo a crescente industrializacao do pais e da cidade. O Quartier Latin era porem de pequenas e esconsas ruas.

A reacao de repulsa geral a brutalidade da policia sobre as barricadas estudantis obrigou os sindicatos a chamarem a greve geral para dia 13 de Maio de 1968. No dia da greve uma manifestacao ve desfilar electricistas, trabalhadores do sector quimico, funcionarios publicos, metalurgicos, pintores, ferroviarios, professores, empregadas de mesa, trabalhadores dos bancos e seguros, decoradores, a "carne e o sangue da sociedade capitalista moderna". (8) No dia seguinte, na fabrica Sud Aviation, em Nantes, os trabalhadores decidiram entrar em greve por tempo indeterminado.

Estava dado o mote. Seguiram-se duas semanas de greves em todo o pais que envolveram 9 a 10 milhoes de trabalhadores com ocupacao generalizada de fabricas. Segundo Michel Seidaman a unidade entre estudantes e trabalhadores foi "transitoria", de poucos dias e em alguns setores (9), mas o movimento de fato prossegue nas fabricas com uma forca inaudita.

O movimento sindical tinha pouca forca nas fabricas e empresas. A Franca tinha entao uma baixa taxa de sindicalizacao, sobretudo depois do desanimo que tinha resultado das negociacoes dos sindicatos em concertacao social, depois das greves de 1947. Havia em 1968, 3 milhoes de trabalhadores sindicalizados, e em 1947 eram mais de 7 milhoes. Mas, durante a greve geral de Maio os trabalhadores, espontaneamente--com influencia de pequenos grupos trotskistas, maoistas e anarquistas--, criaram comites de acao, a partir de comites de greve. A 19 de Maio em Paris numa Assembleia conjunta estavam representados 149 comites. No fim do mes eram ja 450.

Em muitos destes comites cria-se uma forma de controle real da producao, foi decidido por exemplo, face ao desabastecimento, que servicos minimos essenciais seriam prestados a sociedade, ficando notorio o papel dos trabalhadores na producao e reproducao da sociedade--em muitos lugares os trabalhadores tomam decisoes sobre toda a cadeia produtiva de um sector em greve. Mas so uma cidade entrara totalmente em situacao de dualidades de poderes, Nantes.

Jena Paul Sartre e Margarite Duras solidarizaram-se com estudante da Sorbonne, e a orquestra do festival de cinema de Cannes entrou em greve. Andre Malraux, Ministro da Cultura e ex combatente da guerra civil espanhola, escrito do livro A Esperanca (10), sobre a revolucao em Barcelona, fica, para surpresa de muitos, do outro lado da barricada, apoiando o Governo. O Teatro Odeon, um dos 6 teatros nacionais na Franca, simbolo da burguesia vitoriosa e da criacao de uma alma nacional laica republicana, foi ocupado sob o slogan "Quando a Assembleia Nacional se torna um teatro, todos os teatros burgueses devem tornarse assembleias nacionais". (11)

Nao so em Paris se viveu este tempo de "e proibido proibir". Em Londres em 1967 e 1968 os protestos abrem caminho com uma forca inedita a esquerda do Partido Comunista. O grupo destes que perdurou mais no tempo girou em torno da New Left Review; em Berkeley na California os estudantes fazem-se ouvir pela paz, contra a guerra do Vietnam e em apoio ao movimento dos direitos civis, contra o sul escravocrata (12). Tambem contra a proletarizacao e a padronizacao--contra as "fabricas do conhecimento" (13). A guerra contra os povos da Argelia tinha radicalizado a associacao nacional de estudantes franceses, fortemente influenciados tambem pela China maoista e o pelo guevarismo--Che Guevara tinha sido assassinado no Outono de 1967 numa perseguicao grotesca apoiada pelos EUA.

Em Portugal organizam-se reunioes estudantis em apoio ao Maio de 68 mas era uma altura de fraqueza do movimento estudantil, ainda mal recomposto dos golpes da repressao do regime de 1965 e 1967 sobre os sectores afectos ao PCP e as FAP (Frente de Accao Popular, maoistas), os grupos mais influentes na altura. Vai haver um Maio de 68 em Portugal, mais tarde, e a crise academica de 1969.

Desde 1968 havia protestos na Irlanda contra as restricoes as liberdades politicas impostas pelos ingleses. Os manifestantes tinham a cabeca a Associacao dos Direitos Civis da Irlanda do Norte, influenciada pelos movimentos dos direitos civis norte- americanos. Irlanda do Norte a beira da guerra Civil. Tropas britanicas encontravam-se hoje de prevencao para guardar instalacoes importantes na Irlanda do Norte, apos 36 horas de desordens em que mais de 250 pessoas ficaram feridas. Nove dos postos de correio de Belfast, atacados com cocktails Molotov, encontravam-se ainda a arder as primeiras horas da manha de hoje, e aumentavam os receios nesta cidade de que se registassem mais desordens durante o dia. (14)

Sobre o impacto do movimento anticolonial no mundo inteiro, tambem os negros norte-americanos reclamam a igualdade. O marco inicial, que fez explodir anos de opressao e frustracoes acumuladas, foi dado por uma velha senhora, Rosa Parks que, em 1955, depois de um dia cansativo no trabalho--era costureira--se sentou num dos bancos da frente do onibus, reservados para brancos e se recusou a levantar. Foi presa e julgada. A sua condenacao levantou uma onda de protestos nos EUA e um boicote aos transportes publicos que os deixou a beira da falencia. Durou 382 dias e so terminou quando se aboliu a legislacao que separava brancos e negros nos onibus.

Foi o momento de saida mas a chegada ainda estava longe. Em 1957 o Congresso norte-americano fez aprovar a primeira lei de direitos civis que promovia a igualdade racial. Mas no sul do pais, caracterizado por grandes propriedades de brancos para onde trabalhavam os negros, durante anos escravos, o racismo nao se abolia so com leis. O movimento radicalizase.

Aquilo que comeca por ser um movimento de...

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