Considerações fático-constitucionais sobre o novo aviso-prévio proporcional ao tempo de serviço

AutorRafael José Nadim de Lazari
CargoAdvogado Doutorando em Direito (PUC/SP) Mestre em Direito (Centro Universitário 'Eurípides Soares da Rocha', de Marília/SP ? UNIVEM
Páginas19-25

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1. Linhas prolegominais

Não é de hoje que as coisas "não andam bem" pelos lados dos três poderes. Se um dia o Execu-tivo impôs as regras do jogo no Primeiro Estado Francês, caben-do ao Judiciário apenas a função apendicular de "boca da lei" tão obliquada por Montesquieu1, e se depois da revolução marselhesa -até o fim da segunda guerra mundial, diga-se de passagem - foi a vez da hipertrofia do Legislativo e seu prisma eminentemente político de enxergar as coisas2, o fato é que no Estado Democrático de Direito assiste-se ao emergir do Judiciário como garantidor da força normativa da constituição3 ainda que, para isso, precise abandonar a cegueira imparcial de Têmis, a deusa grega da Justiça4, numa licença poética que nada mais representa que ajá disseminada ideia de "judicializa-ção da política"5.

O termo "inércia" sempre foi utilizado no ambiente jurídico como sinônimo de algo parado, letárgico, torporoso. Diz-se que o Judiciário é "inerte" porque não pode deixar sua conduta passiva, limitando-se a esperar que o pro-curem com um problema "debaixo dos braços". Há até princípio com esse nome (princípio da inércia), embora resguardadas, para o caso deste axioma, peculiaridades objetadas à sua utilização no campo procedimental.

Contudo, o fato é que, na física, "inércia" significa outra coisa, a saber, a resistência dos corpos a alteração em seu estado de mo-vimento. Trocando em miúdos, "inércia" denota que o que está parado tende a continuar parado, e o que está em movimento tende a continuar em movimento. As cátedras jurídicas, todavia, parcialmente falhas, utilizam o termo "inércia" apenas em seu primeiro significado.

Sem mais divagações, já há algum tempo dizer que o Judiciário é "inerte" significa pensar não num poder estacionário, a bem da verdade, mas num poder em fun-cionamento ativo, constante e uniforme ("inércia" em seu segundo significado). Tem sido assim desde a derrocada do positivismo puro. Tem sido assim com o neokantia-nismo. Tem sido assim desde que a constituição deixou de ser "uma mera folha de papel"6. É dizer: o que hoje se denomina "ativismo judicial", e que é tratado como tema da vanguarda doutrinária, já existe há tempos, só que sem esse designativo. Basta analisar, a título ilustrativo, o BVerfGE 23, 98 (106), de 1968, quando o Tribunal Constitucional Federal alemão desconsiderou o § 2o do 11° decreto da Lei de Cidadania do Rei-ch, de 25 de novembro de 1941, de cunho nacional-socialista, que privava da nacionalidade alemã os judeus emigrados, ao entender

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que os dispositivos ditos "jurídicos" do nazismo podiam, sim, ser perfeitamente destituídos de vali-dade por contrariarem os princípios fundamentais de justiça7.

Em suma, pois, em que pese a visão tradicional de um Judiciário parado, adepto do "passivismo judicial" ("inércia" em primeiro sentido), a realidade mostra que a constância participativa deste poder na vida dos cidadãos adquire status de normalidade ("inércia" em segundo sentido), sobretudo em considerando a força motriz constitucionalista contemporânea que o move, qual seja, a Constituição Federal e a normatividade de seus princípios e regras8.

Os argumentos utilizados alhures ganham ainda mais força se observada a crescente atuação do Supremo Tribunal Federal, na última década, em questões tanto procedimentais, como as súmulas vinculantes e a exigência de repercussão geral para o recurso extraordinário, quanto materiais - como o reconhe-cimento da união homoafetiva entre pessoas do mesmo sexo, a demarcação de terras indígenas e o estabelecimento de regras na Reserva Raposa Serra do Sol, a realização de audiências públicas para delimitar critérios em prol da atuação do Poder Judiciário como determinador de políticas públicas para o fornecimento de medicamentos pelo Estado etc. -, fatos estes que levam à criação do termo "supremo-ativismo", típico de uma jurisdição constitucional que se vem implantando "a pas-sos largos" no Brasil9.

Direcionando as discussões para o tema proposto neste tra-balho, debater-se-á, em primeiro lugar, a validade da conduta do STF ao avisar, no primeiro semestre de 2011 (mês de junho), que regulamentaria no semestre subsequente daquele ano a ques-tão atinente ao aviso-prévio proporcional por tempo de serviço (de, no mínimo, um mês) em face da até então ausência de lei exigida pela Constituição Federal neste sentido (norma constitucional de eficacia e aplicabilidade limitada10), a despeito de já ter sido o Congresso Nacional cientificado da mora outras vezes em casos de mandados de injunção parecidos com os que ensejaram a paradigmática decisão do guardião da lei fundamental pátria.

Com efeito, tal atitude guarda toda relação com o advento da Lei 12.506, de 11 de outubro de 2011, elaborada às pressas após conchavos políticos, nada obstante o projeto que a ensejou, o de n. 3.941, ter sido elaborado no hoje distante ano de 1989, há mais de 22 anos, portanto.

Em segundo lugar, passar-se-á às discussões fático-constitucio-nais sobre a supramencionada lei que, enfim, regulamentou (ou deveria ter regulamentado, ao menos) o há muito inconstitucio-nalmente omisso art. 7o, XXI, da Constituição, que previa um mínimo de trinta dias para o aviso-prévio proporcional ao tempo de serviço embora não definisse seu máximo, ficando tal questão para o "conforme definido em lei" de sua parte final. O trabalho, inclusive, discute a recente decisão do STF, que determinou por unani-midade a aplicação retroativa da Lei 12.506/11 para os MIs (mandados de injunção) propostos antes de sua edição.

Estabelecido o âmbito de dis-cussões do trabalho em lume, bem como o modo através do qual se lhe desenvolverá, pode-se passar às questões nevrálgicas do novo aviso-prévio proporcional ao tempo de serviço, que, infelizmente, dada a "economia legisla-tiva" em explicá-lo, serão melhor definidas ao longo dos tempos, por acordos e convenções cole-tivas de trabalho, regulamentos, decisões dos órgãos judiciais tra-balhistas e pela doutrina.

2. O direito fundamental social ao aviso-prévio proporcional ao tempo de serviço

O direito fundamental social ao trabalho é previsto no rol exemplificativo do art. 6o da Constituição - ao lado da mora-dia, da alimentação, do lazer, da assistência aos desamparados, da educação, da saúde etc. -, e grande quantidade de direitos dos tra-balhadores está no subsequente art. T. Destes, o inciso XXI as-segura o aviso-prévio proporcional ao tempo de serviço, sendo no mínimo de trinta dias, nos termos da lei.

Ato contínuo, os arts. 487 e se-guintes da CLT regulamentam em parte a questão, sem prejuízo de outras súmulas do Tribunal Superior do Trabalho, como as de nos 14, 44, 73, 163, 230, 253, 354 e 380,p. ex.

Tem o instituto abrangência multidimensional, dada sua fun-ção de declarar à parte adversa que se pretende extinguir o vínculo trabalhista sem justa causa, fixando, ainda, prazo para extin-ção e pagamento do período de aviso11. Vale dizer, contudo, que ele terá natureza salarial apenas se efetivamente trabalhado; do contrário, lhe será atribuído cará-ter indenizatório.

Também, no plano internacional, há a Convenção 158 da OIT, que, dentre outras coisas, disciplina a questão em seu art. 1112. Tal convenção, apesar de ratificada pelo Brasil em 1995, e do Decreto 1.855 de 1996 ter promulgado sua ratificacáo, pouco tempo de-

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pois foi denunciada pelo Decreto 2.100, também de 1996.

Questão que interessa ao tra-balho em epígrafe é o prazo/valor a ser gozado/usufruído - seja por natureza salarial, seja por nature-za indenizatória - do prévio aviso. A Constituição Federal, como visto alhures, fala num mínimo de trinta dias a ser definido em lei, o que denota a necessidade de que, afora a barreira mínima intrans-ponível13, outros prazos precisem ser fixados a depender do tempo laboral, tal como o fazem os or-denamentos alemão, espanhol, dinamarquês e italiano, p. ex., que fixam limites mínimos e máximos de acordo com o tempo trabalha-do e a idade do trabalhador.

Entretanto, após o transcurso de vinte e três anos da atual lei maior, ainda carecia o art. T, XXI, CF da prevista regula-mentação infraconstitucional, de forma que, tal como em outros temas sobre os quais se falará no tópico seguinte, no que atine ao instituto trabalhista em debate sobejam os julgados no Supremo Tribunal Federal nos quais, em casos semelhantes, uma vez provocado por mandado de injunção, optava o guardião da Constituição apenas por declarar/ cientificar a mora do Congresso Nacional14. O único efeito - e ineficaz, data vênia - por muito tempo atribuído ao writ do art. 5o, LXXI, da CF.

Todavia, talvez cansado de esperar a boa vontade parlamentar em regulamentar o supramencio-nado dispositivo da Constituição, a despeito de plurais projetos de lei neste sentido, optou o STF por avisar - diretamente aos congres-sistas e indiretamente aos reais envolvidos nos mandados de injunção que se verá a seguir - que regulamentaria por conta própria "e risco" a questão.

2.1. A atuação do Supremo Tribunal Federal nos mandados de injunção 943,1 010,1.074 e 1.090

Nos mandados de injunção 943, 1.010, 1.074 e 1.090, se-guindo tendência de suprir "por atalhos" a crise de legislação ineficiente e letárgica da função homônima - a exemplo do que o Executivo tem feito com as medidas provisórias -, imbuindo-se do chamado "ativismo judicial", bem como através da atribuição de no-vos efeitos ao writ constitucional, o STF - tal como já havia feito nos mandados de injunção 72115 e 70816 -, ao...

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