O trabalho análogo ao de escravo no Brasil: sistema de proteção e a manutenção de arbitrariedades

AutorMiriam Olivia Knopik Ferraz, Fernando Henrique Pires Mocelin Moraes, Marco Antônio Cesar Villatore
CargoDoutoranda em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná - Brasil (bolsista PROSUP)/MBA Executivo em Direito Empresarial pela FGV/Pós-Doutor pela Universitá degli Studi di Roma II
Páginas93-130
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Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
O TRABALHO ANÁLOGO AO DE ESCRAVO NO
BRASIL: SISTEMA DE PROTEÇÃO E A MANUTENÇÃO
DE ARBITRARIEDADES
ANALOGUE TO SLAVE LABOR IN BRAZIL: PROTECTION SYSTEM
AND MAINTENANCE OF ARBITRARITIES
Miriam Olivia Knopik FerrazI
Fernando Henrique Pires Mocelin MoraesII
Marco Antônio César VillatoreIII
Resumo: O trabalho escravo subsiste com outras
congurações na sociedade atual. Entender o sistema
jurídico de proteção legal contra o trabalho análogo
ao de escravo no Brasil é essencial para entender a
sua complexidade e permitir apontar falhas e propor
mudanças. O objetivo desse trabalho é estudar o sistema
jurídico de proteção brasileiro contra o trabalho escravo.
Utilizam-se as pesquisas bibliográca e jurisprudencial
para mapear o ordenamento jurídico atinente a questão.
Em um primeiro momento analisam-se as legislações
internacionais vigentes, a constituição, a consolidação
das leis do trabalho e o código penal. Após adentra-se
na estruturação dos órgãos de controle, scalização e
combate ao trabalho escravo no Brasil, com o enfoque
no Ministério do Trabalho e no Ministério Público
do Trabalho e seus órgãos responsáveis e principais
competências de atuação. Por m, traçam-se alguns
patamares consolidados e questões ainda discutidas na
jurisprudência. Dessa forma entende-se toda a estrutura
complexa que abrange o combate ao trabalho escravo nos
mais diversos âmbitos da vivência brasileira e possibilita
que novos estudos sejam realizados com o intuito de
propor mudanças e reformulações.
Palavras-chave: Trabalho análogo ao de escravo.
Sistemas de proteção. Trabalho Decente. Fiscalização.
Dignidade Humana.
Abstract: Slave labor subsists with other congurations
in today’s society. Understanding the legal system of legal
protection against slave-like work in Brazil is essential
DOI: 10.20912/rdc.
v15i36.22
Recebido em: 15.01.2019
Aceito em: 11.04.2020
I Pontifícia Universidade
Católica do Paraná (PUCPR),
Curitiba, PR, Brasil.
Doutoranda em Direito.
E-mail: m.okf@hotmail.com
II Pontifícia Universidade
Católica do Paraná (PUCPR),
Curitiba, PR, Brasil.
Graduado em Direito. E-mail:
fernando.mocelin@outlook.
com
II Universidade Federal de
Santa Catarina (UFSC),
Programa de Pós-Graduação
em Direito da UFSC,
Florianópolis, SC, Brasil.
Doutor em Direito. E-mail:
prof.villatore@gmail.com
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Revista Direitos Culturais | Santo Ângelo | v. 15 | n. 36 | p. 93-130 | maio/agos. 2020
DOI: http://dx.doi.org/10.20912/rdc.v15i36.22
to understand its complexity and allow it to point out
failures and propose changes. The objective of this work
is to study the legal system of Brazilian protection against
slave labor. Bibliographical and jurisprudential research
is used to map the legal order regarding the issue. Firstly,
the current international legislation, the constitution,
the consolidation of labor laws and the penal code are
analyzed. After entering the structuring of the control,
supervision and combat organs to slave labor in Brazil,
focusing on the Ministry of Labor and the Labor Ministry
and its responsible bodies and main competencies.
Finally, we draw some already consolidated levels and
issues still discussed in the jurisprudence. In this way,
it is understood the whole complex structure that covers
the ght against slave labor in the most diverse spheres
of the Brazilian experience and allows new studies to be
carried out with the purpose of proposing changes and
reformulations.
Keywords: Work analogous to slave labor. Protection
systems. Decent Work. Oversight. Human dignity.
1 Introdução
A escravidão e suas formas análogas permanecem como
institutos indissociáveis à existência humana, mas tal fato não deve
perdurar, não deve ser aceito como algo impossível de ser suprimido.
O sistema de proteção e de combate ao trabalho análogo ao de
escravo é composto por diversos atores, com variadas competências e
momentos de atuação. A este estudo, busca-se o mapeamento do sistema
jurídico brasileiro de proteção contra a redução de pessoas à condição
análoga à de escravidão. Somente após o entendimento da real situação
em toda a sua hipercomplexidade que será possível, em outras pesquisas
e aprofundamentos, propor mudanças. Assim as falhas somente podem
ser observadas se entende-se como o sistema globalmente funciona.
Dessa forma, o estudo é desenvolvido pela metodologia
hipotético-dedutiva e se subdivide em três tópicos principais:
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O Trabalho Análogo ao de Escravo no Brasil...
Miriam O. K. Ferraz | Fernando H. P. M. Moraes | Marco A. C. Villatore
primeiramente, por meio da metodologia descritiva bibliográca,
estuda-se o sistema legal de proteção jurídica contra o trabalho análogo
ao de escravo aplicável no Brasil, mapeando-se as convenções e
protocolos aplicáveis, as disposições constitucionais e o previsto na
consolidação das leis do trabalho e no código penal. Em um segundo
momento, por meio da metodologia descritiva bibliográca, demonstra-
se como é gerido o funcionamento dos órgãos de controle, scalização e
combate ao trabalho análogo ao de escravo, o Ministério do Trabalho e
o Ministério Público do Trabalho, suas atribuições e responsabilidades.
Por m, adentra-se nos estudos de decisões dos tribunais, por meio do
levantamento qualitativo, com enfoque em pontuações paradigmáticas e
que possibilitam o entendimento dos desaos que devem ser superados
ainda na matéria.
Destarte, o desenvolvimento de um país onde a liberdade
individual seja alçada como valor mais caro a ser garantido passa pelo
enfrentamento constante das barreiras que o obstam, dentre as quais,
a questão complexa da escravidão contemporânea constitui mazela
abominável para a garantia de liberdade e, por consequência, uma
sociedade justa e igualitária.
2 Sistema de proteção jurídica contra o trabalho análogo ao de
escravo aplicável no Brasil
A conceituação histórica de escravidão possui alicerce na sujeição
de vontade, na transformação do homem em coisa e no cerceamento
absoluto de manifestação de liberdade, assim na escravidão tem-se na
o ser humano se torna propriedade de outro, a ponto de ser anulado.1
Dados da OIT de junho de 2012 apontam para o chocante número
de 20,9 milhões de pessoas submetidas, atualmente, a trabalho análogo à
escravidão, das quais, estima-se, 1,8 milhões na América Latina.2 Vários
1 PINSKY, Jaime. A Escravidão no Brasil. 12. ed. São Paulo: Contexto, 1993, p. 13.
2 ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. Relatório trabalho
escravo. Disponível em: http://www.oitbrasil.org.br/sites/default/les/topic/

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