Transição' e 'história' na justiça transicional

AutorGabriel Rezende de Souza Pinto
CargoInstituto Brasiliense de Direito Público (IDP), Brasília, DF, Brasil. Doutor em Filosofia
Páginas141-158
Esta obra está licenciada com uma Licença Creative Commons
Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
“TRANSIÇÃO” E “HISTÓRIA” NA JUSTIÇA TRANSICIONAL
“TRANSITION” AND “HISTORY” WITHIN TRANSITIONAL JUSTICE
Gabriel Rezende de Souza PintoI
Resumo: Este artigo aborda a relação entre o campo da Justiça
Transicional e a historicidade. Mais especicamente, argumenta-se
que os próprios conceitos com os quais a Justiça Transicional opera
são herdados de um paradigma transitológico, que se caracteriza por
seu arcabouço teórico anistórico e a-contextual. A história é limitada a
um papel meramente funcional, e serve ao só propósito de consolidar
uma nova democracia. Apontarei os problemas dessa concepção,
especialmente no que diz respeito à violação de direitos fundamentais.
No lugar de uma concepção instrumental da história, demonstrarei
a necessidade de incorporar elementos hermenêuticos à justiça de
transição.
Palavras-chave: Justiça de Transição. Transitologia. História.
Democracia. Constitucionalismo.
Abstract: is paper addresses the connection between the eld
of Transitional Justice and historicity. More specically, it argues
that Transitional Justice operates with concepts inherited from the
transitions paradigm an ahistorical and non-contextual theoretical
framework. History is limited to a mere functional role, and it serves
the only purpose of consolidating a new democracy. I shall point out
the problems with this conception, especially in terms of its disregard
to fundamental rights. Instead of an instrumental conception of
history, I will demonstrate the necessity of incorporating some
hermeneutical elements to transitional justice.
Keywords: Transitional Justice. Transitology. History. Democracy.
Constitutionalism
DOI: http://dx.doi.
org/10.31512/rdj.v20i37.48
Recebido em: 27.07.2019
Aceito em: 05.04.2020
I Instituto Brasiliense de Direito
Público (IDP), Brasília, DF,
Brasil. Doutor em Filosoa.
E-mail: grezendesou@gmail.
com
142 Revista Direito e Justiça: Reexões Sociojurídicas
Santo Ângelo | v. 20 | n. 37 | p. 141-158 | maio/agos. 2020 | DOI: http://dx.doi.org/10.31512/rdj.v20i37.48
RDJ
1 Introdução
O que dizemos ao enunciar o sintagma “justiça de transição”? Esta pergunta soará
enfadonha aos ouvidos de muitos: parecerá a uns uma excessiva compulsão losóca,
espécie de obsessão pelo “o que é?”; a outros atestará agrante incompreensão, claro
atraso diante de um determinado aglomerado de reexões que há muito superou o
problema dos contornos e das denições auto-referenciais. O que estaria agora em jogo,
diriam estes, é o momento de atualização de virtualidades, de uso e implementação dos
instrumentais teóricos disponíveis.
Entretanto, aquela pergunta inicial permanece sendo curiosa. Assumamos,
inicialmente, que o termo “justiça de transição” se rera às relações havidas entre o
direito e as transições políticas para regimes mais democráticos. “Justiça de transição
designa, pois, tanto um objeto-problema quanto um campo de estudos, uma região do
saber humano. Esta denição preliminar nos permite imaginar que a justiça transicional
possui, necessariamente, um elemento retrospectivo. O retorno ao passado é exigido não
apenas para atribuir devidamente responsabilidades de ordem civil e penal aos ilícitos
ligados ao regime anterior, mas também para devidamente projetar a diferença entre
democracia e autoritarismo.
Neste artigo, discute-se a relação entre justiça de transição e história. Em um
primeiro momento, reconstrói-se os passos formativos da justiça transicional e as
querelas já ali existentes com o saber histórico em sentido estrito. Em seguida, debate-se
a forma muito particular com que cientistas políticos ligados à chamada “transitologia
deniram um paradigma anistórico de compreensão das transições políticas. Na seção
nal, investiga-se a herança da transitologia sobre a justiça de transição, apontando-se os
diversos problemas que podem daí decorrer.
2 Transição e história
Em trabalho seminal sobre o tema, Paige Arthur oferece o que se pode
considerar como a melhor abordagem histórica sobre o uso do sintagma “transitional
justice”. Dialogando com os antecedentes teóricos, as necessidades factuais e as opções
normativas que se condensaram na cunhagem do campo, Arthur enxerga na publicação de
Transitional Justice: how emerging democracies reckon with former regimes, obra organizada
por Neil Kritz, o evento mais signicativo da propagação da justiça transicional (2009,
p. 330). Pela primeira vez, os resultados de uma série de congressos e seminários, textos
esparsos, artigos, pesquisas acadêmicas e depoimentos relacionados à militância política
e aos direitos humanos eram reunidos sob uma única rubrica. A justiça de transição,
entretanto, fora mais do que um mero agregador linguístico: ela era ali e continua a ser
um horizonte, uma ideia reguladora. Kritz, neste sentido, é mais do que um simples

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