Os tratados internacionais e os conflitos que se estabelecem com a lei interna

AutorAndré Luís Cateli Rosa
Páginas49-82
Capítulo
4
os tratados internaCionais
e os Conflitos que se estaBeleCeM
CoM a lei interna
Assunto muito polêmico na atual conjuntura jurídica bra-
sileira é a possibilidade de haver conflitos entre tratados
internacionais e ordem interna jurídica. Em nossa legislação
interna, a respeito do tratamento recebido pelas normas in-
ternacionais de forma geral, não temos posição que torne cla-
ro o assunto.
Sobre o Direito Internacional Público, que trata de rela-
ções entre países e entre países e organizações internacionais,
nosso sistema normativo foi omisso ao tratar das normas que
regulam esse relacionamento entre Estados. No caso do Direito
Internacional Privado, que trata das relações entre os particula-
res, nossa legislação trouxe várias orientações por meio da Lei
de Introdução ao Código Civil.
A Lei de Introdução ao Código Civil (LICC) é o Decreto-
Lei nº 4.657/42, que regula as normas do Direito Brasileiro
quanto à sua vigência, à sua aplicação, à sua interpretação
e revogação. É uma lei sobre leis, mostrando-se um instru-
mento capaz de orientar sua própria aplicação, definindo e
compondo diferentes situações.
A LICC contém normas sobre normas, estabelecendo a ma-
neira de aplicação e de entendimento, indicando as fontes do
50 André Luis Cateli Rosa
direito positivo e principalmente as dimensões espaços-tem-
porais.1
Ela foi editada em 1942, vigorando até hoje, orientando
a aplicação do Código Civil, preenchendo lacunas e dirimindo
questões surgidas entre a edição do Código Civil de 1916 e sua
vigência.
A partir de seu art. 9º, a LICC passa a estabelecer regras
sobre as relações internacionais privadas, como no que diz res-
peito a qual ordenamento jurídico a ser aplicado para reger
as obrigações contraídas pelos particulares, conforme demons-
trado pela transcrição do artigo a seguir: “Art. 9º Para qualifi-
car e reger as obrigações, aplicar-se-á a lei do país em que se
constituírem.”2
Assim, a LICC torna claras várias interpretações a serem
aplicadas entre os particulares no âmbito do Direito Internacio-
nal Privado, tais como cumprimento de obrigações, sucessão,
domicílio, provas e execução de sentença estrangeira.
Temos então que, na relação entre particulares, nossa le-
gislação, por meio da LICC, normatiza de forma sustentável as
situações que podem vir a ocorrer no que diz respeito ao Direi-
to Internacional Privado, o que não acontece quando se trata
do Direito Internacional Público, em que nossa legislação, na
maioria das vezes, mostra-se omissa quanto à sua aplicação,
conforme será demonstrado no decorrer do trabalho.
4.2. O direito interno e o direito internacional são ordens
jurídicas distintas?
O presente capítulo propõe o estudo das ordens jurídicas in-
terna e externa, assim como demonstrar se fazem parte de uma
mesma ordem ou se são ordens jurídicas distintas, esclarecendo
2 KELSEN, Hans. Teoria geral das normas. 2003, p. 328.
Tratados Internacionais - A ordem jurídica brasileira 51
também as possíveis relações existentes entre elas, levando-se
em consideração diferentes pensamentos e posicionamentos a
respeito do assunto.
Assim como qualquer estudo científico, para que haja
melhor compreensão, faz-se necessário neste estudo jurí-
dico a aplicação de um corte metodológico. Este corte a
que nos referimos é ato linguístico delineador da linguagem
objeto de estudo. A questão nos é colocada no sentido de
delimitação do objeto que será julgado, o que pode ser um
tema, uma tese, um assunto, uma discussão ou até mesmo
um estudo, como é o caso, pois todo conhecimento científi-
co pressupõe um corte metodológico para que seja possível
o estudo de determinado objeto, caso contrário teríamos
que direcionar o estudo a tudo que tivesse algum tipo de
relação com o objeto ora estudado, partindo da infinidade
de nosso universo. Seria, por exemplo, como na medicina,
que estuda apenas a doença no corpo humano posto, e não
como surgiu aquele corpo, o que já se enquadraria no cam-
po da antropologia.
Desta forma, para darmos sequência ao estudo, ao aplicar-
mos o corte metodológico, colocaremos os direitos interno e
internacional como dois sistemas distintos de normas.
Em se tratando de sistemas jurídicos, para que sejam con-
siderados como tal, mister se faz duas características básicas:
normas jurídicas que se voltam a uma norma fundamental e
possuir características de coação. Então veremos se tais ca-
racterísticas se aplicam aos sistemas jurídicos ora postos em
questão.
No que tange ao direito interno, fica fácil identificarmos a
existência dessas duas características.
Sobre a norma fundamental, Hans KELSEN afirma o seguinte:
“A norma fundamental de uma ordem jurídica ou moral positivas não é
positiva, mas meramente pensada, e isto significa uma norma fictícia,

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