A recepção constitucional dos tratados internacionais de diretos humanos

AutorÁureo Simões Neto
CargoBacharel em Direito.
Páginas2-44

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Introdução

Com a constituinte de 1988, da qual resultou nossa atual Constituição Federal, o Brasil alçou os direitos humanos a preceito constitucional fundamental com dispositivo do inciso III de seu artigo 1º, ao mesmo tempo, declarou em seu artigo 4º que se rege pelos direitos humanos e pela cooperação entre os povos no âmbito das relações internacionais.

Tais compromissos surgem em meio ao processo de universalização dos direitos humanos, do qual o Brasil, ao celebrar inúmeros Tratados internacionais, passou a participar; demonstrando a comunidade internacional seu interesse em garantir e respeitar aos direitos humanos que vinham sendo internacionalmente reconhecidos. Quanto ao aspecto interno de implementação de tais direitos, nossa tradição, apesar dos inegáveis avanços na proteção dos direitos humanos, ainda sustenta muitas violações quanto aos termos destes tratados. A doutrina pátria veio ao longo dos anos, defendendo teorias que versam sobre a constitucionalidade das normas constantes de tais instrumentos, reconhecendo no § 2º do artigo 5º cláusula aberta, entretanto, parte da doutrina restritiva, bem como o STF, vieram ao longo dos anos barrando esta interpretação. O advento da Emenda Constitucional número 45 de 2004, gerou na doutrina progressista esperança de que esta viesse a por fim nos debates acerca da constitucionalidade das normas dos tratados internacionais de direitos humanos, o que infelizmente não ocorreu. A referida emenda, devido a sua redação, acabou por acirrar ainda mais os debates acerca do tema, justificando o presente trabalho.

Primeiramente, se fará de forma sintética, um apanhado sobre a evolução internacional dos direitos humanos e de seus mecanismos de proteção, bem como, da evolução da normatividade internacional dos tratados. Após isto, passa-se ao estudo do aspecto externo da celebração dos tratados internacionais, para que então, se passe a discorrer sobre os aspectos internos da recepção de tais instrumentos. Posteriormente, passa-se ao estudo das peculiaridades na incorporação dos tratados internacionais de direitos humanos, aonde então se chega ao cerne da discussão deste trabalho. Procedeuse a análise quanto a cláusula aberta do § 2º do artigo 5º da CF/88, e a aplicabilidade imediata das normas dos instrumentos internacionais de direitos humanos conferida pelo § 1º do mesmo artigo. Fez-se referência aos modelos de incorporação monista e dualista, de como era sua discussão no modelo anterior a EC 45/2004 e do que resta desta mesma discussão após a referida Emenda Constitucional. Vistos os argumentos que já eram prolatados antes da reforma do judiciário, passa-se a análise do § 3º do artigo 5º que veio a ser instituída pela Emenda Constitucional número 45 de 2004, que define o procedimento para que finalmente seja concedida formalidade constitucional as normas dos tratados internacionais de diretos humanos. Quanto aos procedimentos da referida norma, discute-se a discricionariedade do Congresso Nacional bem como a qualidade de equivalência a emenda constitucional proferida no § 3º do artigo 5º da

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Constituição da Republica. Realiza-se a análise, tanto do possível conflito entre os §§ 2º e 3º do artigo 5º da CF/88, quanto da leitura sistemática e conjugada de ambos os parágrafos e o entendimento que daí pode-se extrair quanto a materialidade e formalidade constitucionais dos tratados de direitos humanos, bem como do poder de reforma e da proteção concedidos aos princípios constantes destes instrumentos.

Ao final, trata-se a discussão da aplicação do dispositivo do § 3º aos tratados que tenham sido incorporados antes de sua criação, dando principal ênfase as argumentações quanto a discricionariedade do Congresso Nacional para definir tal capacitação e quanto a teoria que defende a interpretação via principio tempus regit actum. Sobre esta discussão quanto à hierarquia das normas dos tratados recepcionados antes da vigência da EC 45/04, mostra-se o posicionamento do Supremo Tribunal Federal, que possui a competência para declarar a inconstitucionalidade de tais instrumentos, e a nova interpretação apresentada por este no RE 466.343-SP, que se encontra atualmente em discussão no plenário.

1 Síntese histórica e desenvolvimento dos direitos humanos

Dentre as teorias que pretendem uma classificação dos direitos humanos, a teoria das gerações de direito possui particular destaque. Esta teoria almeja uma classificação dos direitos humanos atribuindo-lhes momentos históricos, onde estes teriam sido reivindicados e, apesar das intensas críticas acerca desta, ela é de grande utilidade para se entender o fenômeno histórico dos direitos humanos.

Segundo a teoria das “gerações de direitos”, ter-se-ia então três gerações de direitos humanos, atualmente discute-se a existência de uma quarta geração. Atribuir-seia a conquista dos direitos de primeira geração às exigências da burguesia durante a revolução francesa, que reivindicava menor ingerência do estado na vida civil. Neste sentido BONAVIDES escreveu: “Os direitos da primeira geração ou direitos da liberdade tem por titular o indivíduo, são oponíveis ao estado, traduzem-se como faculdades ou atributos da pessoa e ostentam uma subjetividade que é o seu traço mais característico; enfim, são direitos de resistência ou de oposição perante o Estado”2. Falando de direitos de primeira geração argumentou RAMOS que, “A primeira geração engloba os chamados direitos de liberdade, que são direitos às chamadas prestações negativas, nas quais o Estado deve proteger a esfera de autonomia do indivíduo”3.

Os direitos de segunda geração consistiriam dos direitos de igualdade, dos direitos econômicos, dos direitos sociais e dos direitos culturais, voltados para o atendimento das necessidades da sociedade, típicos do modelo de Estado Social de Direito do início do século XX, neste sentido BONAVIDES, “São os direitos sociais, culturais e econômicos bem como os diretos coletivos ou de coletividades, introduzidos noPage 4constitucionalismo das distintas formas de Estado social, depois que germinaram por obra da ideologia e da reflexão antiliberal do século XX. Nasceram abraçados ao princípio da igualdade, do qual não se podem separar, pois fazê-lo equivaleria a desmembrá-los da razão de ser que os ampara e estimula”4.

Os direitos de terceira geração são os direitos de solidariedade, grande marco evolutivo dos direitos humanos, tendo sido desenvolvidos no pós-guerra, em consequência das atrocidades cometidas durante a segunda-guerra mundial, são os direitos de oposição dos indivíduos, enquanto comunidade universal e interdependente e compreendem o direito ao desenvolvimento, à autodeterminação dos povos e ao meio ambiente equilibrado 5. Os direitos de terceira geração são, portanto, os direitos do indivíduo, enquanto ser humano, independente de sua nacionalidade e de exigir que para com ele sejam cumpridos certos direitos considerados inerentes a sua dignidade.

Os direitos de quarta geração são direitos ainda em discussão, mas segundo BONAVIDES, “São direitos da quarta geração o direito a democracia, o direito a informação e o direito ao pluralismo. Deles depende a concretização da sociedade aberta do futuro em sua dimensão de máxima universalidade, para a qual parece o mundo inclinar-se no plano de todas as relações de convivência.”6.

Os direitos de terceira geração foram amplamente desenvolvidos pelos instrumentos de direito internacional, sobretudo após o fim da segunda-guerra. Em 1945 a Carta de São Francisco que criou a Organização das Nações Unidas (ONU), já em seu preâmbulo, deixava expresso o reconhecimento e o comprometimento para com os direitos humanos. No intuito de explicitar quais seriam os ditos “direitos humanos”, em 1948 a ONU lançou resolução de sua assembleia geral, intitulada “Declaração Universal de Direitos Humanos”. Esta, enquanto resolução é fonte secundária do direito internacional e mesmo não possuindo força vinculante, já anunciava o compromisso das Nações Unidas. Em 1966 gerou-se dois instrumentos no âmbito daquela Organização Internacional, quais sejam: o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos e o Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. Esses são os primeiros mecanismos gerais de proteção dos direitos humanos confeccionados no âmbito das Nações Unidas. Sobre estes instrumentos, PIOVESAN afirma:

Ao Conjugar o valor da liberdade com o valor da igualdade, a Declaração demarca a concepção contemporânea de direitos humanos, pela qual os...

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