Tributação e ordem econômica: os tributos podem ser utilizados como instrumentos de indução econômica?
Autor | Doutor Paulo Caliendo |
Cargo | Doutor em Direito Tributário pela PUC/SP. Mestre em Direito dos Negócios pela Faculdade de Direito da UFRGS. Graduado em Direito pela UFRGS. Professor Titular na PUC/RS, onde compõe o corpo permanente do Mestrado e Doutorado, lecionando na Disciplina de Direito Tributário, e de diversos cursos de Pós-Graduação no país |
Páginas | 193-234 |
Rev. direitos fundam. democ., v. 20, n. 20, p. 193-234, jul./dez. 2016.
ISSN 1982-0496
Licenciado sob uma Licença Creative Commons
TRIBUTAÇÃO E ORDEM ECONÔMICA: OS TRIBUTOS PODEM SER
UTILIZADOS COMO INSTRUMENTOS DE INDUÇÃO ECONÔMICA?
TAXATION AND ECONOMIC ORDER: ARE TAXES INCENTIVES AN EFFECTIVE
ECONOMIC TOOL?
Doutor Paulo Caliendo
Doutor em Direito Tributário pela PUC/SP. Mestre em Direito dos Negócios pela Faculdade de
Direito da UFRGS. Graduado em Direito pela UFRGS. Professor Titular na PUC/RS, onde
compõe o corpo permanente do Mestrado e Doutorado, lecionando na Disciplina de Direito
Tributário, e de diversos cursos de Pós-Graduação no país. Autor do livro finalista do Prêmio
Conselheiro do CARF, vice-presidente da Academia Tributária das Américas, Árbitro da lista
brasileira do Mercosul. Advogado.
Resumo
O problema do presente texto é tratar dos limites constitucionais ao
poder de tributar com finalidades extrafiscais econômicas. O art. 174
da CF/88 autoriza o uso da extrafiscalidade econômica? Quais são os
limites ao poder de tributar com finalidade extrafiscal no âmbito
econômico? Quais são os princípios que o orientam? Em suma,
como o Estado ordena, intervém e induz comportamentos na ordem
econômica, por meio do uso de instrumentos tributários.
Palavras-chave: Extrafiscalidade econômica. Instrumentos
Tributários. Tributação.
Abstract
The problem of this paper is dealing with constitutional limits on the
power to tax with economic extrafiscal purposes. Art. 174 of CF / 88
authorizes the use of economic extrafiscality? What are the limits to
the power to tax with extrafiscal purpose in economy? What are the
principles involved? At least, the problem is how the government
intervenes and induces behavior in the economic order, through the
use of tax instruments.
Key-words: Economy extrafiscality. Tax. Tax instruments.
PAULO CALIENDO
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CONSIDERAÇÕES INICIAIS
O problema do presente texto é tratar dos limites constitucionais ao poder de
da extrafiscalidade econômica? Quais são os limites ao poder de tributar com
finalidade extrafiscal no âmbito econômico? Quais são os princípios que o orientam?
Em suma, como o Estado ordena, intervém e induz comportamentos na ordem
econômica, por meio do uso de instrumentos tributários.
A tributação historicamente tem sido pensada sob a ótica da fiscalidade, ou
seja, como forma de financiamento do Estado e custeio de suas atividades principais.
Em período recente o Estado adquiriu novas funções, tais como promover direitos
fundamentais prestacionais (educação, saúde, habitação, meio ambiente equilibrado,
etc.) e corrigir falhas de mercado. Para além de suas funções clássicas, novas e
mais complexas atividades têm se somado, exigindo uma resposta sobre como
compatibilizar estas novas funções com o texto constitucional.
As funções clássicas exigiam o financiamento do Estado por meio de tributos
e uma proteção passiva dos direitos fundamentais à liberdade e propriedade. As
novas funções exigirão uma atitude positiva onde a tributação será concebido como
uma forma de indução de comportamentos virtuosos ou desestimulador de
comportamentos indevidos. A tributação extrafiscal tem sido compreendida como um
instrumento de reforma social ou de desenvolvimento econômico; redistribuindo
renda ou intervindo na economia. Ao lado desta aparente virtuosidade da ação do
Estado corrigindo falhas sociais ou de mercado, diversas vozes levantaram dúvidas
deveras pertinentes: será que o Estado não poderia sofrer a captura de grupos de
pressão e ao invés de produzir uma ação virtuosa transfira recursos públicos para
grupos privados (fenômeno rent-seeking)? Será que o Estado não poderia ser
capturado por comportamentos oportunísticos de redução de compromisso social, de
entregas com base na fruição de bens públicos (dilema do carona ou free-rider)?
Será que simplesmente o Estado não sabe como escolher bem, não por motivos de
má-fé, mas simplesmente porque não detém todas informações do sistema
econômico (limitação informacional), acarretando mais danos do que benefícios em
sua atuação?
Estabelecer os limites constitucionais à utilização extrafiscal da tributação é
um dos problemas centrais do constitucionalismo moderno. Afinal este instrumento
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de promoção econômica e social não pode ferir a essência dos direitos que deseja
preservar. Não se pode aceitar que para atingir finalidades louváveis do ponto de
vista constitucional sejam pisoteados os direitos fundamentais do contribuinte.
1 EXTRAFISCALIDADE: CONCEITO E CLASSIFICAÇÃO NO SISTEMA
CONSTITUCIONAL.
O problema da extrafiscalidade não é novo e nem passou desapercebido
pelos fundadores da teoria jurídica-tributária, tais como Emmanueli Morselli, Edward
Selligman, Aliomar Baleeiro, entre tantos outros. Cabe lembrar que uma das
primeiras obras sobre o tema foi escrita por Mario Pugliese As
finanças públicas e sua função extrafiscal nos Estados ModernosLa finanza e i suoi
compiti extra-fiscali negli stati moderni
1. Modernamente duas obras se destacam.
De uma lado a célebre obra de Norberto BobbioDa estrutura à função.
Novos estudos sobre a Teoria Geral do DireitoDalla struttura alla funzione. nuovi
studi di teoria generale del diritto. De outro lado encontramos a obra de Luís
Eduardo Schoueri Normas tributárias indutoras e intervenção econômica.
O termo, contudo, ganhou força e expressão assumindo ares de onipresença,
ou seja, tornou-se um conceito ampliado, inchado, citado como presente em
praticamente cada canto onde houvesse uma política pública social ou econômica
sendo aplicada, especialmente no setor ambiental. Esta superexposição do conceito
ao invés de fortalecê-lo o enfraqueceu, tornou-o ainda mais ambíguo, vago e incerto.
De tal modo que esta ampliação semântica exagerada o tornou vazio, no
entendimento correto de importantes doutrinadores2. Ao tentar abarcar tudo, não
significava nada, não se distinguia de outros conceitos, princípios, institutos,
desaparecendo, paradoxalmente, na sua onipresença. De tão relevante, foi chamado
para trazer duplos benefícios para cada setor, mas implicou em sua irrelevância, visto
1-
2 - - .
Sustentabilidade financeira em prol da sustentabilidade ambiental. In
et
-
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