Da Tutela Antecipada em Sede Recursal - I Parte

AutorAdriana Estigara
CargoAdvogada em Curitiba/PR
Páginas16-21

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Evidente que de nada valeria todo o esforço legislativo, doutrinário e jurisprudencial engendrado para se arquitetar um instituto apto a antecipar a tutela almejada com a prestação jurisdicional, se seus efeitos não pudessem ser concretizados e sentidos também na fase recursal. Bastaria a interposição de um recurso dotado de efeito suspensivo, orientada pelo intuito protelatório do réu, para frustrar o gozo dos efeitos da tutela. Por tal razão, especialíssima, acertadamente frisou William Santos Ferreira que "a tutela antecipada não pode ser um instituto represado na primeira instância, mas que terá sua função marcante, até com maiores justificativas, no âmbito recursal"1.

A partir da constatação de que a recorribilidade é uma extensão da ordinariedade, surgiu a necessidade de se afastar os efeitos danosos que a protelação enseja, daí surgindo os aspectos positivos da antecipação de tutela também e especialmente na seara recursal.

O intuito do presente artigo é vislumbrar a antecipação da tutela em sede recursal, buscando-se constatar como ela se integra à seara recursal e como funciona em relação a cada espécie recursal.

Para cumprir esse desiderato, este escrito comporse-á de três partes, sendo a segunda e terceira publicadas nas próximas edições da Revista. Nesta primeira parte, demonstrar-se-á as finalidades da aplicação do instituto da antecipação da tutela no âmbito recursal, as razões doutrinárias e jurisprudenciais que ressaltam a necessidade em se utilizá-la, as fórmulas e interpretações que a autorizam. Este primeiro escrito introduzirá o estudo da antecipação de tutela face às espécies recursais, tratando do recurso de agravo de instrumento.

A segunda parte se ocupará exclusivamente de questões correlatas à antecipação de tutela ao na sentença ou imediatamente após a mesma. Dentro desse contexto, serão abordadas questões objeto de controvérsia na doutrina e na jurisprudência, tais como: a antecipação de tutela na sentença e sua impugnação; o efeito suspensivo do recurso de apelação e a execução provisória do julgado; a tutela antecipada face à sentença de improcedência e de extinção do processo, sem julgamento do mérito.

Na terceira e última parte, analisar-se-á a operacionalização da tutela antecipada face aos recursos de embargos de declaração, de embargos infringentes, especial e extraordinário. Ao fim, serão lançadas considerações críticas acerca do tema.

1. Da necessidade de se integrar o instituto da antecipação de tutela ao âmbito recursal

Como já dito, William Santos Ferreira defendeu a integração do instituto da tutela antecipada no âmbito recursal, amparado no argumento de que a recorribilidade é uma extensão da ordinariedade. Por isso, procurou uma forma de, pelo menos, afastar os efeitos danosos relativos à protelação do feito que a recorribilidade enseja. In litteris, o doutrinador destacou:

"Se a ordinariedade, enquanto tempo necessário para julgamento das causas que são submetidas à apreciação do Poder Judiciário, foi elemento motivador da criação da tutela antecipada de forma genérica em nosso sistema processual, não se pode esquecer que a recorribilidade é uma extensão da ordinariedade e que, se é imprescindível a sua existência, por outro lado é cristalino que, ao lado do grande número de argumentos que lhe são favoráveis, encontra-se também um agravamento do fato tempo..."2.

Igualmente, aplica-se ao presente contexto a famosa afirmação de Luiz Guilherme Marinoni, segundo a qual o tempo do processo não pode ser um ônus do autor. Evidentemente que hoje o tempo do processo é ampliado pela recorribilidade das decisões, recorribilidade esta, em grande parte dos casos, desencadeada pelo propósito protelatório do réu.

Roberto Armelin, a respeito, enfatiza: "Inicialmente, até mesmo por sua posição geográfica, pode-se - equivocadamente - interpretar o instituto da antecipação de tutela como concebido para projetar sua eficácia no âmbito do processamento, em primeiro grau de jurisdição, do processo de conhecimento, em que a tutela de urgência, antecipatória de efeitos da pretensão, era desconhecida.

A questão, todavia, não se cinge à positivação e localização do instituto no Código de Processo Civil, senão que, encerrando princípio geral de Direito (devido processo legal, inafastabilidade do controle jurisdicional), demanda identificação de seu fundamento de eficácia e validade, para, posteriormente, perquerir-se eventual limitação à propagação de seus efeitos"3.

Ademais, é preciso considerar que o art. 273 do CPC não estabeleceu momento ou momentos para o pedido de antecipação de tutela, sendo lícito afirmar que pode ser deduzido a qualquer momento e grau de jurisdição. A propósito, este é o posicionamento externado por Fernando César Zeni. Inicialmente devemos ressaltar que o autor, via de regra, pleiteia a antecipação de tutela como liminar na própria petição inicial, o que não o impede, no entanto, de requerer a medida a qualquer tempo no processo, pois não há uma oportunidade certa e única imposta com força preclusiva pela lei4.

Voltando-se para a efetividade da prestação jurisdicional, o Código de Processo Civil, sistema orgânico que é, foi sendo dotado, ao longo de sua saga, e especialmente com as reformas mais recentes, de inúmeros dispositivos, cuja intenção é justamente viabilizar o gozo, o quanto antes, da tutela jurisdicional deferida por cognição sumária ou exauriente. Exemplos dessa revolução, são: a restrição das Page 17 hipóteses de concessão de efeito suspensivo ao recurso de apelação, possibilitando-se a execução provisória da tutela deferida pela sentença5 e a possibilidade de o relator conferir efeito suspensivo à decisão agravada ou conceder a tutela jurisdicional negada pela decisão agravada, o denominado "efeito ativo" do agravo de instrumento.

Não há de se estranhar a alusão à cognição exauriente, uma vez que a integração do instituto da antecipação de tutela no âmbito recursal, por vezes, terá o condão de proporcionar meios para se usufruir a tutela prestada por uma sentença ou por um acórdão, quando a decisão neles inserta restou fulcrada na mais ampla produção e exame de provas, mas cujos efeitos ainda não se fizeram sentir. No âmbito recursal, pois, antecipação de tutela nem sempre será sinônimo de cognição sumária, como se ressai das palavras de William Santos Ferreira, como segue:

"...a tutela antecipada tem cabimento:

  1. quando não existe o provimento definitivo (sentença ou acórdão) ou;

  2. quando, embora já exista o provimento definitivo, este ainda não gera efeitos.

Estas circunstâncias ocorrem no âmbito recursal.

Interessante a lição de Cândido Rangel Dinamarco: 'Inexiste tutela jurisdicional enquanto o comando enunciado na sentença permanecer nó na sentença e não se fizer sentir de modo eficaz na realidade prática da vida dos litigantes'. Neste sentido também assevera Ovídio A. Baptista da Silva: 'Satisfazer o direito, para nós, é realizá-lo no plano das relações humanas. É fazer com que o núcleo de seu conceito passe a ter existência efetiva no plano da realidade social. Este resultado nada tem a ver com o prévio reconhecimento judicial de sua existência eventualmente proclamada por uma sentença'"6.

Uma das atitudes do legislador processualista para tentar promover a efetividade processual foi, sem dúvida, a restrição ao manejo das ações autônomas de impugnação (mandado de segurança, medida cautelar), apelidadas pela doutrina e pela jurisprudência de "sucedâneos recursais", dada a habilidade com que satisfazem as finalidades buscadas pelos recursos. Obstando a adoção dos sucedâneos recursais, o sistema privilegiou a busca pela solução das questões dentro do mesmo processo no qual elas se originaram, evitando, assim, o tumulto processual.

E esse mérito, afirma Tereza Arruda Alvim Wambier, deve-se à inserção do art. 273 do CPC no sistema processual civil brasileiro:

"Ainda que a nosso ver esta hipótese não venha a ser comum, não vemos óbice a que se possa conceder a tutela antecipada no tribunal, tendo em vista seus pressupostos e sua finalidade. O advento do art. 273 muito provavelmente acabará com o uso das cautelares com função satisfativa, que não lhe é própria. A reforma visou, entre outras coisas, revitalizar o principal e matar o sucedâneo: é o que deve ocorrer com o uso inadequado do mandado de segurança, para dar efeito suspensivo ao recurso, em face dos dizeres do atual art. 558, caput, do CPC. As cautelares satisfativas consistiam na solução criativa e inortodoxa dos advogados e dos tribunais, para tapar um buraco, que o sistema não tem mais"7.

Hoje, pode-se afirmar que o sistema processual brasileiro está arquitetado de forma a proporcionar ao jurisdicionado o gozo da tutela deferida, afastando, principalmente, a nociva atitude protelatória do réu. Mais do que isso, a doutrina e a jurisprudência também evoluíram, ao extraírem dos dispositivos insertos no Código de Processo Civil essa mais valia, oportunizando a concretização do tripé: ordem jurídica justa, efetividade e instrumentalidade.

Tendo em vista que o sistema recursal está dotado de meios para oportunizar o gozo da tutela jurisdicional de forma rápida e efetiva, não tornando a oportunidade de recorrer um impasse e em outros casos tornando o recurso um meio de obter a tutela de modo antecipado, vislumbrarse-á quais são estes meios e como atuam, cotejando a questão da antecipação de tutela em face de cada espécie recursal.

2. Da antecipação de tutela através do recurso de agravo de instrumento

Dúvida não há de que os operadores jurídicos sempre buscaram obter meios de antecipar os efeitos da tutela jurisdicional almejada.

Noticia a doutrina que, num passado não muito distante, a recorribilidade das decisões liminares era restrita. No Código de Processo Civil de 1939, as liminares...

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