Uma análise sobre os fatores de risco no ambiente de trabalho e seus efeitos deletérios na saúde bucal do trabalhador

AutorDanielle Maria Badaró Barsante
CargoGraduada em Odontologia (Faculdade Federal de Odontologia de Diamantina/MG) Especialista em Endodontia (Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais) Graduanda (10º Período) em Direito (Instituto Metodista Izabela Hendrix em Belo Horizonte/MG)
Páginas29-35

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1. Introdução

O direito do trabalho tem por finalidade precípua promover a proteção à vida e à saúde dos trabalhadores e o faz por meio de seus princípios basilares, entre os quais destaca-se o princípio protetor ou o da tutela do trabalhador.

Contudo, tal proteção não pode negligenciar a saúde bucal do indivíduo. A cavidade bucal é a porta de entrada para o organismo, desempenhando importantes funções na mastigação, fonação e respiração, além de encontrar-se associada ao bem-estar e à autoestima do indivíduo.

Apesar de os problemas de origem bucal não constituírem um obstáculo intransponível ao desempenho da maioria das atividades laborais, seus efeitos influenciam significativamente na capacidade do trabalho e no nível de vida do trabalhador. Além do desconforto causado, as patologias bucais podem acometer a saúde sistêmica do obreiro, bem como diminuir-lhe o poder de concentração, o que pode estar intimamente ligado a uma possível queda de produtividade e ao chamado absenteísmo.

A saúde deve ser analisada de forma integral. Várias doenças sistêmicas e incapacitantes têm sua manifestação inicial na boca, o que torna a prevenção um indispensável instrumento para a garantia da saúde da pessoa.

Um trabalhador acompanhado por uma equipe multidisciplinar, em prol de seu bem-estar, mostrase muito mais disposto a desempenhar suas funções de forma produtiva.

Sendo assim, torna-se necessária uma legislação que imponha às grandes empresas a adoção do serviço odontológico ocupacional, tal qual ocorre com a medicina e com a segurança do trabalho.

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2. Desenvolvimento
2.1. Trabalho e doença – Breve histórico

Desde os primórdios, o homem se relaciona com o trabalho como forma de sobrevivência. Da necessidade de prover a vida diária, surgiram as artes, tanto as mecânicas como as liberais, todas dotadas de perigo, comum em toda atividade humana (Ramazzini, 1999).

Há muito se tem o registro do trinômio trabalho, saúde e doença, seja por meio dos papiros egípcios ou dos relatos judaicos ou ainda dos relatos greco-romanos (Mendes, 2003).

A preocupação sobre a saúde dos trabalhadores teve seu maior destaque no fim do século XVII, reconhecido como o marco no estudo sobre as patologias relacionadas ao trabalho, com Bernardino Ramazzini (Mendes, 2003).

Conhecido como o “Pai da Medicina do Trabalho”, Ramazzini demonstrou a existência de associações entre determinadas exposições ocupacionais e as alterações do sistema estomatognático (Mendes, 2003).

Além de doenças bucodentais decorrentes de atividades ocupacionais, alguns trabalhadores podem sofrer acidentes de trabalho envolvendo estruturas bucais ou manifestações de doenças ocupacionais bucais de natureza sistê-mica (Garrafa, 1986 apud Ayres, 2011).

A medicina do trabalho surgiu na Inglaterra, na primeira meta-de do século XIX, com a Revolução industrial, como exigência de uma intervenção sob o risco de comprometimento do próprio processo (Mendes; Dias, 1991 apud Oliveira, 2011).

Ao longo da história, desenvolveu-se a premissa de que não se pode separar a força do trabalho da pessoa do trabalhador, em busca da preservação mais ampla da integridade do trabalhador (Oliveira, 2011).

2.2. O meio ambiente de trabalho e a saúde do trabalhador

O direito do trabalho regula a proteção da vida e da saúde dos trabalhadores com a atenção volta-da para o ambiente de trabalho.

Ao se analisar o conceito de meio ambiente de trabalho, cita-se Mancuso (1999, p. 59):

“Meio ambiente de trabalho nada mais é do que o habitat laboral, isto é, tudo que envolve e condiciona direta e indiretamente o local onde o homem obtém os meios para prover o quanto necessário para sua sobrevivência e desenvolvimento, em equilíbrio com o ecossistema.”

O primeiro e fundamental direito do ser humano, consagrado em todas as declarações internacionais, é o direito à vida, suporte à existência e gozo dos demais direitos. Segundo Oliveira (2011), não basta declarar tal direito sem garantir seus sustentáculos: o trabalho e a saúde. “Seria o mesmo que proclamar solenemente o direito à vida, mas não garantir o direito de viver” (Oliveira, 2011, p. 106).

A evolução da saúde do trabalhador acompanha o desenvolvimento e a compreensão do conceito genérico de saúde e de saúde pública. Mendes e Dias (1991 apud Oliveira 2011, p. 59) apresentam a relação saúde-trabalho compreendida por quatro etapas evolutivas:

“A Etapa da Medicina do Trabalho, com início por volta do ano de 1830 foi expandida para uma versão mais atualizada, denominada Etapa da Saúde Ocupacional, iniciada em 1950. Já em 1970, foi enriquecida com nova versão intitulada Saúde dos Trabalhadores. E, mais recentemente, vislumbra-se o esboço de uma etapa mais avançada, a chamada Qualidade de Vida do Trabalhador, com início por volta de 1985.”

O início da medicina do trabalho remonta à época da Revolução Industrial, momento de nítida fragilidade do trabalhador na competição desleal com as máquinas. As reações da opinião pública culminaram com a aprovação pelo parlamento britânico, em 1802, da primeira lei de proteção aos trabalhadores – a Lei de Saúde e Moral dos Aprendizes (Oliveira, 2011).

Em 1830, Robert Dernham decide colocar um médico no interior de sua fábrica para verificar o efeito do trabalho sobre as pessoas. Este viria a ser, historicamente, o marco da criação do serviço de medicina do trabalho no mundo (Mendes; Dias, 1991 apud Oliveira, 2011).

No final do século XIX, com a encíclica do papa Leão XIII De Rerum Novarum, surgem as primeiras leis de acidentes do trabalho, na Alemanha, em 1884, expandindo-se para vários países europeus nos anos seguintes, até chegar ao Brasil com o Decreto Legislativo 3.724, de 1919 (Oliveira, 2011).

Durante a primeira guerra mun-dial, as reivindicações de trabalhadores levaram a Conferência da Paz de 1919, da Sociedade das Nações, a criar, pelo Tratado de Versalhes, a Organização Internacional do Trabalho (OIT), com o intuito de uniformizar as questões trabalhistas, fundadas na justiça social (Oliveira, 2011).

Na etapa da medicina do trabalho, o médico não investigava a relação trabalho-saúde, pois não detinha autonomia para interferir no processo produtivo e eliminar as agressões. A consolidação da medicina do trabalho pode ser aferida pelas recomendações da Organização Internacional do trabalho n. 97 e 112, de 1953 e 1959, respectivamente (Oliveira, 2011). No Brasil, os serviços médicos

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nas grandes empresas tornaram-se obrigatórios a partir de 1976, pela Portaria 3.237/72 do Ministério do Trabalho. Atualmente, a previsão do serviço médico encontra-se no art.162 da CLT, disciplinado pela Norma Regulamentadora (NR-4) da Portaria 3.214, de 8 de junho de 1978 (Oliveira, 2011).

Já as raízes da saúde ocupacional se identificam em 1945, com a assinatura da Carta das Nações Unidas, criando a Organização das Nações Unidas (ONU). Em 1946, foi criada a Organização Mundial de Saúde (OMS), cujos princípios básicos estabelecem a saúde como um completo bem-estar físico, mental e social, e não apenas a ausência de enfermidades (Gouveia, 1987 apud Oliveira, 2011).

Em 1948, na França, é aprovada a Declaração Universal dos Direitos do Homem, exaltando o direito à vida, à liberdade e à dignidade humana (Sussekind, 1994 apud Oliveira, 2011).

Em 1949, profissionais ingleses das mais diversas áreas lançam um novo ramo de pesquisa, a ergonomia, com a proposta de viabilizar a aplicação prática do pensamento contemporâneo de adaptação do trabalho ao homem (Oliveira, 2011).

A concepção da saúde ocupacional chegou ao Brasil com a publicação da Portaria 3.214/78, que regulamentou a obrigatorie-dade da participação nos serviços especializados em engenharia de segurança e em medicina do trabalho (SESMT), dos médicos, engenheiros, enfermeiros, técnicos de segurança no trabalho e auxiliares de enfermagem no trabalho (Oliveira, 2011).

A Constituição da República de 1988 foi o marco principal da saúde do trabalhador no ordenamento jurídico nacional, ao considerá-la como...

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