Por uma ética ambiental, em especial o caso das alterações climáticas
| Autor | Rute Saraiva |
| Ocupação do Autor | Professora auxiliar na Faculdade de Direito de Lisboa |
| Páginas | 43-72 |
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Por UMA ÉTicA AMBieNTAL, eM eSPeciAL
o cASo DAS ALTerAÇÕeS cLiMáTicAS
Rute Saraiva(*)
Introdução
A questão ambiental nascida “ocialmente” na década de 60 com a
obra de Rachel Carson é eminentemente transdisciplinar, obrigando a olha-
res diferenciados mas integrados sobre as relações entre o Homem e o mun-
do que o rodeia, a natureza em particular. As alterações climáticas, pela sua
dimensão global e intergeracional, oferecem-se como o paradigma da ree-
xão ambiental e como caso de estudo da ética aplicada, já com alguns prece-
dentes internacionais, sobretudo na discussão em torno da denição de uma
taxa de desconto que determine o “quando” e a intensidade da intervenção
ambiental e da interação entre uma justiça intra e intergeracional. Anal,
o sobreaquecimento terrestre afeta populações independentemente da sua
localização geográca ou riqueza e repercute-se, incluindo em matéria de
custos com o seu combate, tanto no Homem de hoje como o de amanhã.
2.1. A dimensão ética das alterações climáticas
Durante muito tempo considerado um problema do foro da ciência, as al-
terações climáticas viram minimizadas as suas implicações éticas. A midiatização
(*) Professora auxiliar na Faculdade de Direito de Lisboa. Este texto corresponde a palestra
nas Jornadas Luso-Brasileiras da Bioética, organizadas pelo Instituto de Direito Brasilei-
ro, a 18 de Janeiro de 2013, em Lisboa e a capítulo da tese de doutorado.
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RICARDO PINHA ALONSO / LUIZ FERNANDO KAZMIERCZAK (
Orgs.)
crescente em torno do fenômeno trouxe à mesa das negociações preocupa-
ções relativas à equidade, à justiça distributiva ou à responsabilidade, entre
outras. Esta sensibilização levou a que na COP10 se lançasse o Programa
sobre as Dimensões Éticas das Alterações Climáticas, com a participação e o apoio
de instituições não governamentais1. Como fruto principal deste esforço
sobressai a Declaração de Buenos Aires, em Dezembro de 2004.2
O documento começa por reconhecer a surpreendente e alarmante
insuciência da reexão ética quanto ao desenho da política contra o efeito
de estufa potenciado, considerando-a urgente por quatro razões:
• sem considerações morais, a comunidade internacional corre o risco
de escolher soluções injustas ou incomportáveis;
• muitas questões éticas encontram-se latentes nos argumentos econô-
mico-cientícos presentes nas várias propostas de políticas alternativas;
• uma abordagem equitativa pode desbloquear as negociações inter-
nacionais; e
• um consenso ético global pode prevenir o agravamento das desigual-
dades e reduzir a tensão internacional causada pela escassez de recur-
sos e pela responsabilidade diferenciada na base do sobreaquecimento.
Nesta linha, atendendo ao princípio da responsabilidade comum mas
diferenciada, à manutenção de práticas incorretas a nível nacional, à insu-
ciência do enquadramento normativo internacional e ao desrespeito ainda
vericado quanto aos direitos humanos e à efetivação da responsabilidade,
a Declaração conclui sobre a imperiosidade de uma reexão ética mais pro-
funda de caráter participativo e democrático e identica algumas das ques-
tões mais prementes:
• De quem é a responsabilidade pelas consequências das alterações
climáticas?;
1 As reuniões foram iniciadas pelo Pennsylvania Consortium for Interdisciplinary Environmental
Policy e o Rock Ethics Institute da Penn State University em cooperação com o grupo de tra-
balho da IUCN Environmental Law Commission-Ethics, o Center for Applied Ethics da Cardiff
University, o Centre for Global Ethics da Birmingham University, o Tyndall Center for Climate
Change Research, o Oxford University Climate Change Group e a EcoEquity.
2 Texto integral da Declaração em CASTILLO, Charlotte Kendra G. Consequentialism and
Climate Change Policy: An Exploratory Paper. Eubios Journal of Asian and International
Bioethics, n. 16, 2006, p. 184-185.
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