Uma reflexão sobre as estruturas jurídicas no direito internacional económico

AutorVasco Branco Guimarães
Páginas30-38

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1. Introdução

O presente trabalho pretende ser uma reflexão sobre as estruturas jurídicas que se manifestam na cena internacional tendo como referência a sua vertente económica, ou seja, a relação económica - comercial, financeira ou de investimento - que se desenvolve entre Estados e/ou empresas nacionais de países diferentes.

Definindo o nosso campo de reflexão, desde logo resulta como evidente que o direito internacional económico, não se reconduz necessariamente ao âmbito do direito internacional público, que trata exclusivamente das relações entre os Estados ou por causa dos Estados na perspectiva internacional.

É igualmente de salientar que a estruturação da economia internacional se faz sobre uma realidade em constante mutação, definida por interesses egoísticos e, muitas vezes, contraditórios.

A constatação subsequente é a de que o mundo em que vivemos é um mundo desigual: oitenta por cento da produção mundial é consumida por vinte por cento da população e vice-versa.

Sendo o conceito de economia um conceito de racionalidade, que consiste na afectação de bens escassos a fins alternativos, como encarar esta realidade desigual? Poderá ser diferente, ou os actores privilegiados na cena internacional continuarão a ser os quase exclusivos beneficiários do bem estar associado ao consumo de bens?

E como passar os resultados estatísticos e a justeza das doutrinas económicas para o bem das populações? Como transformar o crescimento económico em bem estar económico líquido?

Estes alguns dos elementos que constituem o "pano de fundo" em que se estrutura o direito internacional económico.

O caminho para a estruturação económica internacional, passa por percursos particulares e próprios de cada país e região. Na Europa, a união aduaneira com a designação de Zollverein, foi o elemento determinante na unificação alemã. A guerra entre Alemanha e seus aliados e o resto

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do mundo, conhecida por Segunda Guerra Mundial, foi a base de criação de soluções económicas horizontais e verticais que deram origem à União Europeia. Mas se os Estados iniciaram esses processos e os consolidaram, é porque eles foram, antes de mais, considerados como benéficos para os intervenientes. No processos de integração económica aquilo que se ganha deve ser superior ao que se perde. Esta a primeira regra não escrita da integração económica que tem inevitáveis repercussões no direito internacional económico.

A noção de ganho ou de perda, tem subjacente constatações teóricas que se emanam de duas teorias base: a teoria das vantagens absolutas, formulada no essencial por Adam Smith, e a teoria das vantagens relativas, teoria formulada por David Ricardo, discípulo e comentador de Adam Smith e Malthus e que, no essencial, reformula a teoria de Smith introduzindo factores de correção que passam pelo interesse egoístico dos empresários e os resultados da afectação do capital na produção. Na primeira teoria, os Estados deveriam produzir aquilo que, em termos absolutos, fizessem melhor e com menor custo. A especialização de cada Estado, levaria a um aumento da produção mundial desse bem que, comercializado por via da liberação mundial do comércio, implicaria um aumento da possibilidade de acesso do consumo do bem. As populações sairiam beneficiadas, porque teriam maior número de bens à sua disposição por menor preço.

A tese de David Ricardo introduziu na análise um elemento corrector que é o lucro do empresário. Os países deveriam especializar-se na produção de bens que representassem uma maior eficácia do capital empregue e do lucro, mesmo que o custo de produção fosse relativamente superior ao de outro país. O critério seria o da eficácia de afectação de capital dentro do país, e não em termos absolutos.

As teses enunciadas continuam ainda hoje em confronto na cena mundial.

As opções jurídicas que estão subjacentes às teses monistas e dualistas no direito internacional reflectem, necessariamente, as contradições e conflitos inerentes à noção de Estado e soberania no seu relacionamento com os outros entes da cena internacional.

A noção de soberania, enquanto reconhecimento forçado do outro na cena internacional e desconhecimento de poder igual na cena interna, tem vindo a sofrer evoluções determinadas pela realidade económica que merecem uma ponderação de fundo quanto ao conceito.

É assim que na ordem interna, a jurisprudência, a doutrina e a lei, têm vindo a reconhecer e consagrar a responsabilidade civil do Estado soberano por danos emergentes de actos legislativos ou violação de boa-fé.1

Na cena internacional, a noção de soberania vai-se adaptando a valores de solidariedade e supranacionalidade que determinam em grande parte uma evolução do conceito. Actos como os de cunhar e emitir moeda, que são vulgarmente considerados como correspondentes à soberania são, hoje em dia, considerados na Europa como fase de um processo de integração em que aquilo que está em causa não é a soberania, mas a mais-valia económica de estabilidade e progresso que a opção moeda única implica. Nenhum país soberano da Europa que aderiu a moeda única, se sente menos soberano pelo facto de ter feito essa opção.

Enquadrada minimamente a questão sobre a qual vamos falar, aflorados alguns dos pressupostos e condicionalismos, vejamos quais são os princípios base que presidem ao direito internacional económico,

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matéria que regulamenta as relações económicas internacionais.

2. Princípios base do direito internacional económico

O objectivo da presente exposição não é o de elaborar um manual sobre a matéria do direito internacional económico, mas relembrar e integrar um conjunto de princípios base que nos permitam depois perceber e enquadrar as estruturas económicas internacionais.

O princípio base nas relações económicas internacionais é o princípio da igualdade. O princípio da igualdade é um princípio geral de direito que tem diferentes e variadas aplicações no direito constitucional e interno.

Na sua formulação base distingue-se entre um conceito de igualdade material e conceito de igualdade formal.

A igualdade formal é sempre mais fácil de definir: a igualdade perante a lei, a não discriminação e a repartição equitativa de encargos públicos e as taxas proporcionais são manifestações de igualdade formal no direito interno.

A igualdade material implica, as mais das vezes, uma aplicação desigual da norma, procurando criar situações de igualdade de facto, aquém e além das expressões formais que o Direito, na busca da cristalização e da liberdade, determina.

Em direito internacional económico a...

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