Para uma sociologia da ressignificação

AutorJoão Paulo Bachur
CargoGraduado em direito e doutor em ciência política pela USP
Rev. Direito Práx., Rio de Janeiro, Vol. 12, N.01, 2021 p. 263-295.
João Paulo Bachur
DOI: 10.1590/2179-8966/2019/37794| ISSN: 2179-8966
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Para uma sociologia da ressignificação
Towards a sociology of ressignification
João Paulo Bachur1
1 Instituto Brasiliense de Direito P úblico, Brasília, D istrito Federal, Brasil. E -mail:
joao.bachur@idp.edu.br. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-3657-3965.
Artigo recebido em 11/10/2018 e aceito em 12/06/2019.
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Rev. Direito Práx., Rio de Janeiro, Vol. 12, N.01, 2021 p. 263-295.
João Paulo Bachur
DOI: 10.1590/2179-8966/2019/37794| ISSN: 2179-8966
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Resumo
O conceito de ressignificação desenvolvido po r Butler designa a inversão política de um
termo depreciativo por aqueles que dele fazem uso e que passam a lhe at ribuir um
sentido positivo, afirmativo. Essa concepção, porém, permanece refém da teoria dos
atos de fala de matriz fonocêntrica. O artigo faz uma crítica da categoria da
ressignificação e sugere ampliá-la sociologicamente incorporando a mobilização coletiva
(Bourdieu) e a produção documental (Latour) como dimensões in dispensáveis para
conferir materialidade aos processos históricos de ressignificação.
Palavras-chave: Teoria do discurso; Atos de fala; Ressignificação; Materialidade.
Abstract
Butler’s theory of ressignification addresses the political reversion of a depreciative
word by those who deploy it, using the originally prejudicial word in an affirmative way.
However, this conception remains attached to traditional speech act theories in its
phonocentric aspect. The paper submits Butler’s concept of ressignification to critic and
suggests a sociological expansion of ressignification b y combining it with collective
political action (Bourdieu) and inscription processes (Latour). These two approaches
provide materiality to historical processes of ressignification.
Keywords: Discourse theory; Speech acts; Resignification; Materiality.
Rev. Direito Práx., Rio de Janeiro, Vol. 12, N.01, 2021 p. 263-295.
João Paulo Bachur
DOI: 10.1590/2179-8966/2019/37794| ISSN: 2179-8966
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Introdução
Judith Butler é uma das principais filósofas da atualidade e muitos de seus insights
reverberam para além das fronteiras dos estudos de gênero. É o caso do conceito de
ressignificação: desenvolvido no quadro de uma teoria performativa da política que
parte da discussão jurídica dos discursos de ódio nos E stados Unidos (Butler 1997a),
trata-se de categoria promissora para o a profundamento da teoria sociológica, cujo
potencial analítico ainda está longe de se esg otar. A pa rtir da teoria dos atos de fala de
Austin e da crítica de Derrida a ela, tem-se um processo de ressignificação quando um
termo tradicionalmente us ado em sentido pej orativo ou depreciativo ( e.g., “gay”,
“negro”, “lésbica” etc.) é politicamente invertido por aq ueles que dele fazem uso e que
passam a lhe atribuir um sentido positivo, tornando-o afirmativo. O discurso se torna,
definitivamente, um campo de batalha e m que signos e significados e com eles
também a história são disputados politicamente. Esse é um ganho incontest ável da
teoria do discurso de Butler.
O problema, porém, é que essa c oncepção de ressignificação parece ainda
refém da teoria dos atos de fala de matriz fonocêntrica, o que limita seu alcance teórico.
Com efeito, quando é possível dizer, do ponto de vista da sociedade, que um termo foi
efetivamente ressignificado? A rigor, na esteira de Derrida, a linguagem (mas também a
consciência, a percepção etc.) só é possível como iterabilidade uma repetição sem
origem no bojo da qual algo de novo é produzido, ainda que esse algo novo seja um
efeito de continuidade de fo rma que todo uso linguístico é, em alguma medida, uma
espécie de ressignificação de usos linguísticos pretéritos (Derrida 1972). Isso nos coloca
outra questão: ressignificação ocorre a todo e qualquer momento? Ou é uma
condensação histórica de sentido? Como aferir, sociologicamente, a mudança de
sentido de um termo para além da intenção dos participantes no discurso? Do ponto de
vista da c onstrução dessa categoria teórica, tem de ser possível apreendê-la
sociologicamente, isto é, observá-la e descrevê-la como um fenômeno social (i.e., da
sociedade, e não de seus indivíduos). Além disso, ressignificação pode ocorrer de forma
conservadora e reacionária ou não? Como categoria linguística, nada há que, de saída,
lhe imponha um sentido político pré-determinado e necessariamente progressista ou
emancipatório, por assim dizer.

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