A universidade e a construção do biodireito
Autor | Judith Martins-Costa |
Páginas | 61-81 |
A
UNIVERSIDADE
E A
CONSTRUÇÃO
DO
BlODIREITO(*>
UNIVERSITY
AND THE
CONSTRUCTION
OF
BIOETHICS
LAW
Judith
Martins-Costa(*v
"Combien
durera
ce
manque
de
rhomme
mourant
au
cen-
tre de la
creation
parce
que la
creation
Va
congedié?"
(Rene
Char,
A La
Santé
du
Serpent,
VIII,
Commune
Pre-
sence)
RESUMO
Este artigo trata dos fundamentos do Biodireito, nova disciplina que
visa a determinar os limites de licitude do progresso científico (em especial
da biomedicina) segundo as exigências de urna ética "mínima" para o esta-
belecimento de normas para a convivência social. O Direito é perspectivado
como "modelo de construção de respostas normativas" para esta convivên-
cia social, por isso fundando-se em principios, especialmente o da dignida-
de da pessoa humana, que estrutura esta nova disciplina e possibilita o seu
desenvolvimento no Brasil.
Para
isso é necessário, contudo, uma renovada
concepção do conceito jurídico de "pessoa humana".
Palavra
chave
Bioética; Biodireito;
Pessoa
Humana; Princípios Jurídicos; Dignidade
da Pessoa.
(*) Este texto traz, com adições, reflexões já expressas no painel apresentado em
02.07.2000
ao III
Congresso Brasileiro de Bioética e I Congresso de Bioética do Conesul,
PUCRS,
Porto Alegre,
intitulado
"Inter-relações entre a Bioética e o Direito" e no texto" Bioética e a Dignidade da Pessoa
Humana: Rumo à Construção do Biodireito", integrando estudos que vêm sendo desenvolvidos em
Grupo de Estudos coordenado pela autora no âmbito da Faculdade de Direito (Graduação e Pós-
Graduação) da
UFRGS
como líder do Grupo de Pesquisa "A construção do biodireito: a normativi-
dade jurídica da bioética", do CNPq.
(**) Doutora em Direito (Universidade de São Paulo), Professora Adjunta na Faculdade de Direito
da Universidade Federal do RGS e Membro do Comitê de Bioética do Hospital de Clínicas de Porto
Alegre.
ABSTRACT
This article presents
the
basis
of
Bioethics
Law, a new
discipline that
aims
at
determining
the
legal
limits
of the
scientific progress (especially
Bio-
medicine) according
to the
requirements
of
"minimum" ethics,
so as to
rule
social
relationships.
Law is
conceived
as a
construction model
of
normative
answers
for
such social relationships. Therefore
it is
mainly based
in the
principle
of
human being dignity
. The
corner stone
of
this
is a new
concepti-
on
of the
legal idea
of
human being.
Key words
Bioethics;
Bioethics
Law;
Human
Being; Principles;
Human
Dignity.
A reflexão bioética esteve,
até há
pouco, centrada
em
poucas salas,
de poucos centros universitários,
em
poucas
áreas
— a
Medicina,
a
Filoso-
fia,
a
Biologia
e a
Genética,
por
certo, pouco mais, talvez. Contudo,
o
anún-
cio
pela comunidade científica internacional,
do
"mais importante
mapa
feito
pela humanidade", como disse
o
Presidente
Clinton ao
aludir
ao
seqüencia-
mento
do
código genético,
faz
sair
a
reflexão bioética destas poucas
e
fecha-
das salas para situá-la como
um
tema
de
interesse
do
homem comum,
do
leitor
dos
grandes jornais
—
este mesmo leitor que,
em 1997,
ficou perplexo,
quando noticiados
os
resultados
das
experiências realizadas pelo Doutor
lan
Willmult que
resultaram
na
criação
da
célebre ovelha Dolly.
A estupefação
do
leitor
de
jornais reflete,
em
larga medida,
a
perplexi-
dade
do
jurista,
marcando
o
ingresso
da
discussão bioética
— ou a
urgente
necessidade
do seu
ingresso
—
também
nas
Faculdades
de
Direito.
Mas a
perplexidade
do
jurista
não é
devida como
a do
leigo;
apenas
aos
inacreditá-
veis fatos científicos
é
acrescida
por uma
dúvida crucial: como compatibili-
zar
a
reflexão ética propiciada pelos novos paradigmas científicos
com a
racionalidade
"utilitarista",
comumente atribuída
ao
regramento jurídico?
A
razão
prática está
na
preocupação
do
jurista
na
medida
em que o
Direito
não
apenas
"é" a
produção
de
normas:
ele
também "serve"
à
produção
de
nor-
mas destinadas
a
resolver casos mediante decisões, para alcançar escolhas
e ações
de
relevância social(1),
no seu
fulcro residindo, portanto,
uma
aporia
fundamental
—
saber
o que é
justo,
aqui
e
agora, pois
a
cada
problema
social
concreto
uma
resposta, também concreta
e
imediata,
deve
ser
dada
pelos Tribunais.
À questão
de
saber como compatibilizar
a
reflexão ética propiciada
pelos novos paradigmas científicos
com a
racionalidade prática
do
regra-
mento jurídico
— que
traduz, afinal,
a
complexidade
das
interfaces entre
a
(1)
F.
Viola
e G.
Zacearía,
"Diritto
e
Interpretazione- Lineamenti
di
teoria ermeneutica
dei
diritto",
Roma, Laterza,
1999, p. 402.
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