Usucapião

AutorChristiano Cassettari
Páginas252-267
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USUCAPIÃO
A usucapião, também chamada de prescrição aquisitiva, é uma das formas de
aquisição de propriedade originária existente em nosso sistema. Ela prevê que, caso
determinada pessoa exerça sobre o imóvel posse mansa e pacíf‌ica, como se dono fosse
durante determinado lapso temporal, adquirirá a sua propriedade. Embora seja elemento
de valoração exclusivamente judicial, destacamos que não é qualquer posse que leva à
usucapião, mas a exercida como se dono fosse.
Apesar de revogado pelo Código de Processo Civil de 2015, vale a pena analisarmos
o art. 945 do Código de Processo Civil de 1973, visto que algumas discussões decorren-
tes de sua análise ainda se apresentam atuais. O referido dispositivo estabelecia que a
sentença que julgar procedente a ação será transcrita, mediante mandado, no registro
de imóveis, satisfeitas as obrigações f‌iscais.
Do citado artigo, chama-nos atenção a expressão “satisfeitas as obrigações f‌iscais”,
o que nos leva à questão: incide imposto sobre a usucapião?
A resposta é negativa, pois em princípio não são devidos tributos por esse ato, visto
que, como já destacado, trata-se de uma aquisição originária, e não de uma transmis-
são, de modo que não estaria incluído nem na hipótese de incidência do Imposto de
Transmissão Inter Vivos, nem na do Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doações.
Porém, devemos destacar que se a lei municipal determinar a cobrança do ITBI
ou a lei estadual o f‌izer em relação ao ITCMD, estará o of‌icial obrigado a f‌iscalizar o
recolhimento do imposto respectivo, independentemente da constitucionalidade ou
não delas, visto que não cabe ao of‌icial de registro de imóveis fazer esse tipo de análise,
nem declarar a inconstitucionalidade de lei, sendo que a parte que se sentir prejudicada
dispõe de vias próprias para proceder a essa impugnação.
Outra possibilidade que obriga o of‌icial a exigir o recolhimento do imposto é se a
sentença que conceder a usucapião assim o determinar. Nesse caso, como já analisamos
quando do estudo dos limites da qualif‌icação registrária do título judicial, não cabe ao
of‌icial discordar do mérito da decisão. Caso a parte não concorde, terá as vias adequadas
para demonstrar seu inconformismo, mas que não será a administrativa.
Dessa forma, as únicas obrigações f‌iscais que em princípio incidiriam sobre o
imóvel usucapido seriam as referentes à manutenção da posse ou propriedade dele
materializadas pelo IPTU ou ITR, caso o imóvel seja urbano ou rural, respectivamente.
Salvo a hipótese de haver expressa disposição municipal em contrário, não existe exi-
gência para que o of‌icial f‌iscalize o recolhimento desse tributo no momento da prática
de atos sobre o imóvel.
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Seguindo com a análise do dispositivo, a decisão contida na sentença deverá ser
instrumentalizada via mandado para que o cartório proceda ao registro competente.
Esse mandado pode vir sozinho (desde que contenha os elementos necessários para
registro) ou acompanhado de cópias das principais peças dos autos.
A inscrição da usucapião no registro imobiliário está prevista no art. 167, I, 28, da
Lei n. 6.015/73, o qual estabelece que o ato a ser praticado deve ser o de registro. Como
já abordado anteriormente, deve-se, em regra, abrir nova matrícula para a área, deixando
em branco o campo de proprietário para, em seguida, promover o registro da usucapião.
A necessidade de abertura de nova matrícula foi prevista expressamente no art. 20
do Provimento n. 65/2017 do CNJ, que estabelece que “o registro do reconhecimento
extrajudicial da usucapião de imóvel implica abertura de nova matrícula”. Apesar de a
regra estar direcionada à usucapião extrajudicial, não existe motivo para fazer distinção
entre esta e a judicial quanto à forma de inscrição.
Em regra, para que a usucapião tenha ingresso no Registro de Imóveis, deve ser
declarada em ação específ‌ica, visto que, diferentemente do que ocorre na maior parte
das ações, que vinculam somente as partes, a ação declaratória de usucapião tem rito
especial e oponibilidade erga omnes.
Assim, caso tenha sido reconhecida de forma incidental em outro processo (por
exemplo, como meio de defesa em ação reivindicatória) não poderá ser registrada, pois
nesse caso não se terá observado o rito especial, não se alcançando por consequência
o efeito erga omnes, sendo que decisão assim obtida somente vinculará as partes que
estiverem presentes no processo.
Exceção a essa regra é encontrada no caso da usucapião especial de imóveis rurais,
a qual, no art. 7º da Lei n. 6.969/81, estabelece expressamente que a usucapião especial
poderá ser invocada como matéria de defesa, valendo a sentença que a conhecer como
título para transcrição no Registro de Imóveis.
Essa mesma exceção é prevista quanto à usucapião especial urbana, tanto em sua
modalidade individual como coletiva, de acordo com o disposto no art. 13 da Lei n.
10.257/2001, que repete a disposição transcrita. Contudo, para seu ingresso no registro,
será ainda necessária a perfeita descrição e especialização do imóvel.
Questão interessante, que pode nos ajudar a demonstrar melhor a natureza do
instituto, encontra-se no caso de o imóvel que está sendo usucapido ser indicado no
processo e constar na serventia registral como um terreno, mas a sentença que o declarar
o descrever como um prédio e seu respectivo terreno. Nesse caso, como proceder? Seria
necessário com a sentença apresentar os documentos para a regularização do prédio?
A resposta a essa questão depende do que está sendo usucapido. Caso a parte já tenha
ingressado na posse do imóvel que contenha a construção, sendo a usucapião uma forma
originária de aquisição do imóvel, este passa para o domínio do benef‌iciado com todos
os seus acessórios independentemente de regularização na matrícula anterior do imóvel.
Como não há transmissão, nem derivação, não há continuidade, nem existe a obri-
gatoriedade de respeito aos princípios da especialidade objetiva e subjetiva em relação
ao registro anterior.
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