Usucapião Urbana e o Estatuto da Cidade: Breve estudo comparativo com as demais modalidades da usucapião

AutorGabriela Maria Negreiros Albuquerque
CargoAdvogada, bacharel em Direito pela Universidade Federal Fluminense
Páginas73-112
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Usucapião Urbana e o Estatuto da Cidade:
Breve estudo comparativo com as demais modalidades de usucapião
Gabriela Maria Negreiros Albuquerque1
Sumário: I. Requisitos Gerais. II. Modalidades. III. Usucapião Urbana Individual no Estatuto
da Cidade. IV. Usucapião Urbana Coletiva no Estatuto da Cidade. V. Conclusão e Quadro
Sinótico. VI Referências bibliográficas.
Resumo: A regularização fundiária no Brasil sempre foi um grande
problema, não raro acompanhado do mau uso da propriedade. Desse
modo, a usucapião revela-se como importante instrumento para
regularizar situações fáticas consolidadas e proporcionar o devido
cumprimento da função social da propriedade, conforme exigido pela
Constituição de 1988.
Nesse sentido, o advento do Estatuto da Cidade viabilizou não apenas
essa formalização, mas também a consagração do direito à moradia e
o acesso a serviços públicos essenciais por populações carentes num
contexto de expansão desordenada das regiões metropolitanas
brasileiras.
Destarte, o presente trabalho objetiva realizar um estudo comparativo
entre as modalidades de usucapião de bem imóvel previstas no
ordenamento com o escopo de detectar a relevância e a peculiaridade
das espécies previstas no Estatuto da Cidade.
Abstract: The land regularization in Brazil has always been a big
issue, often accompanied by the improper use of the property. Thus,
the adverse possession is revealed as an important instrument to
regularize consolidated factual situations and provide the proper
fulfillment of the social function of property, as required by the 1988
Constitution.
In this sense, the advent of the City Statyte made possible not only
1 Advogada, bacharel em Direito pela Universidade Federal Fluminense, pós-graduanda (lato sensu) em Direito
Constitucional pela Universidade Candido Mendes.
REVISTA DE DIREITO DOS MONITORES DA UFFn.º 13 de 2012!
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this regularization but also the consecration of the right to housing
and access to essential public services for needy populations in a
context of uncontrolled expansion of Brazilian metropolitan regions.
Thus, this paper aims to conduct a comparative study between the
modalities of adverse possession of immovable properties provided in
Brazilian laws, with the aim of detecting the relevance and the
peculiarity of the species contained in the City Statute".
INTRODUÇÃO
A usucapião é um instituto demasiado antigo que era previsto no direito romano
através da Lei das Doze Tábuas2. A definição de usucapião constante no Digesto é, ipsis
litteris: “Usucapio est adiectio dominii per continuationem posssessionis temporis lege
definiti.”, em tradução livre, “A usucapião é adquirida através da continuidade da posse por
tempo determinado em lei.”.3
Em relação à etimologia da palavra "usucapião" a mesma se relaciona a dois termos em
latim, quais sejam, "usu" acrescido de "capio" ou "capionis", sendo estas palavras femininas
significando aquisição, tomada, ocupação. Assim, usucapião é a aquisição precedida do uso.4
Nota-se, portanto, que a definição do referido instituto, de modo geral, permanece o mesmo,
pois os dois elementos principais que o ensejam continuam sendo a posse e o tempo.
Nesse sentido, encontramos na abalizada doutrina de Cristano Farias e Nelson
Rosenvald a seguinte conceituação: A usucapião é modo originário de aquisição de
propriedade e de outros direitos reais, pela posse prolongada da coisa, acrescida de demais
2 A Lei das Doze Tábuas, ou Lex XII Tabularum, foi a primeira reunião de leis do Direito Roma no, sendo
responsável por sua origem e pela organização de todo o im pério. Por esse motivo pode ser entendida como uma
espécie de Constituição da República Romana. (GONÇALVES, Antonio Baptista. Quando os avanços parecem
retrocessos.Barueri: Editora Manole Ltda, 2008, p. 6)
3 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Insituições de Direito Civil. V. 4. Direitos Reais. Rio de Janeiro: Forense,
2008, p.137.
4 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro Direito das Coisas. São Paulo: Saraiva, 2012, p.
258.
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requisitos legais.5.
Destrinchando o conceito supramencionado, a usucapião se caracteriza por ser um
modo originário de aquisição da propriedade por inexistir qualquer relação de direito real ou
obrigacional entre o proprietário e aquele que exerce a posse do bem. Em verdade, a perda da
propriedade ocorre contra a vontade do proprietário, e não por contrato ou acordo entre as
partes 6.
Ademais, a posse deve ser exercida por um período significativo de tempo,
demonstrando a inércia do proprietário frente à lesão ao seu direito. No Código Civil o menor
prazo estabelecido é de 2 (dois) anos, referente à usucapião por abandono do lar, prevista no
art. 1.240-A, e o maior prazo é de 15 (quinze) anos, referente à usucapião extraordinária
prevista no art. 1.238. As espécies de usucapião de bem imóvel e suas características serão
estudadas com mais detalhes nos capítulos que seguem.
Os requisitos legais, por sua vez, compreendem tanto as exigências genéricas, comuns
a todas as modalidades de usucapião, quanto as específicas de cada modalidade. Através da
análise dos requisitos específicos é que se pode diferenciar e identificar as hipóteses de
aplicabilidade de cada tipo de usucapião.
No que tange ao fundamento sobre o qual se assenta a usucapião, este pode ser
resumido tanto sobre o aspecto do princípio da função social da propriedade (art. 5º,
XXIII/CF) quanto sobre o aspecto da segurança e estabilidade da propriedade.7 Em relação ao
tema, assevera o doutrinador Flávio Tartuce que
5 FARIAS, Cristiano Chaves de, e ROSENVALD, Nelson. Direitos Reais. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris,
2010, p. 273
6 Caio Mário adota um posicionamento divergente, afirmando que a usucapião seria uma modalidade de
aquisição derivada. Isto porque o fato do bem ter um dono, mesmo que não exerça a posse do mesmo, elimina a
possibilidade de se considerar que o bem não possuía dono (res derelictae). O douto autor apresenta apenas uma
ressalva no tocante à transmissão do bem, a qual se dá involuntariamente,o que poderia afastar a sua classificação
como derivada. (PEREIRA, Caio Mário da Silva,2008, op.cit., p. 139). No entendimento de Carlos Roberto
Gonçalves faz mais sentido classificar como aquisição originária os casos em que inexistir nexo causal entre a
aquisição e a situação jurídica precedente do bem.(GONÇALVES, Carlos Roberto, op cit., p. 254-255.). A
discussão sobre a modalidade de aquisição da usucapião é importante haja vista que surte efeitos em relação ao
ITBI (Imposto de Transmissão de Bem Imóvel), que apenas poderá ser cobra do se a usucapião for entendida
como modo de aquisição derivado.
7 GONÇALVES, Carlos Roberto, op. cit., p.258.

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