Validade jurídica das 'export notes financeiras' - natureza jurídica e objetivos do inquérito da Lei 6.024/1974, realizado pelo Banco Central do Brasil

AutorHaroldo Malheiros Duclerc Verçosa
Páginas239-257

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Introdução

Solicita-me o escritório "LT" um Parecer a respeito de questões controversas presentes em ação judicial promovida pelo Banco "X" - em liquidação extrajudicial contra seu cliente, a sociedade "Y" Ltda.

Havendo atendido pedido em tela, a metodologia a ser desenvolvida estará fundada na apresentação dos fatos, tais como constam dos documentos principais dos autos, seguida da análise e resposta aos quesitos apresentados, com as conclusões jurídicas compatíveis.

I Dos fatos
I 1 A petição inicial do Banco "X"

O Banco "X" S/A - em liquidação extrajudicial ("X") ajuizou uma ação de cobrança contra o Consulente, "Y" Ltda.

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("Consulente"), havendo alegado, em síntese, os seguintes fatos em uma petição extremamente confusa quanto aos seus termos, partes e objetivos:

(a) O "X" seria credor da "Consulente" pela quantia de R$ 41.374.608,54 (quarenta e um milhões, trezentos e setenta e quatro mil, seiscentos e oito reais e cinqüenta e quatro centavos), equivalente de US$ 11,727,164.35 (onze milhões, setecentos e vinte e sete mil, cento e sessenta e quatro dólares norte-americanos, e trinta e cinco centavos);

(b) O crédito acima seria representado por "Instrumentos Particulares de Cessão de Crédito" ns. (...).

(c) Os contratos em causa, por sua vez, teriam sido originados de outros instrumentos noticiados em sua cláusula primeira, celebrados entre a "Consulente" e a sociedade "Z" Ltda. ("Z");

(d) De acordo com a cláusula quarta dos contratos firmados entre as partes, o "X" deveria receber a quantia cedida diretamente do "Depositário", ou seja, a "Z";

(e) A cobrança e o recebimento dos valores devidos pela "Z" teriam se tornado inviáveis ao "X" porque não existiria qualquer obrigação contratual da empresa exportadora/depositária;

(f) A validação dos créditos provenientes de export-notes (caso dos autos) estaria vinculada, necessariamente a um contrato de compra e venda mercantil firmados entre exportador e importador;

(g) Inexistindo a compra e venda, estaria caracterizada a chamada "export-note financeira", operação que não seria admitida pelo Banco Central do Brasil (BCB), porque este fato caracterizaria desvio de recursos pelas empresas negociadoras do crédito em detrimento do próprio "X", o qual não teria conhecimento da inexistência da compra e venda mercantil, requisito essencial da operação realizada;

(h) Segundo "X", o BCB teria decidido "in" MPR 27020000/06 que: "a export- note é um título representativo de direitos cr editónos de exportação de bens e lastreia-se obrigatoriamente em contrato de compra e venda mercantil válido firmado entre exportador, cedente do mesmo, com empresas estrangeiras importadoras de seus produtos, O valor da export-note deve ser expresso em moeda estrangeira em perfeita identidade com a transação que lastreia e sua liquidação dar-se-á obrigatoriamente em moeda nacional, obtida pela conversão à taxa pactuada contratualmente. A existência de contrato de compra e venda mercantil válido firmado entre importador e exportador é fundamental à legalidade da export-note. A não existência desse contrato enseja a chamada 'export-note financeira', não admitida pelo Banco Central do Brasil".

(i) Havendo a "Consulente" participado de operações consideradas irregulares pelo BCB, deve ela ser responsabilizada a reparar os prejuízos sofridos pelo "X";

(j) O "X" teria sido levado à bancarrota em função de práticas como a referida na ação ajuizada contra a "Consulente";

(k) A ação de que se trata teria a finalidade de minimizar os prejuízos causados ao "X", bem como responsabilizar as pessoas que contribuíram para a sua insolvencia;

(1) Teria a "Consulente", ademais, causado prejuízos ao "X", razão pela qual deve ser condenada a indenizá-lo por ato ilícito civil, na forma do art. 952 do NCC;

(m) Isto porque o "X" teria sido vítima de desvio financeiro em decorrência de operação irregular de export-notes, praticada pela "Consulente";

(n) Caso não viesse o juiz entender na forma apresentada pelo "X", a indenização deveria ser fixada por arbitramento;

(o) Requer o "X", finalmente, o acesso à justiça gratuita;

(p) Teria o "X" tentado amigavelmente receber inúmeras vezes o valor do seu cré-

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dito, sem sucesso, o que originou a ação judicial vertente.

I 2 A contestação da "Consuiente"

A "Consuiente" contestou as alegações do "X", fundada nos seguintes argumentos:

(a) As verdadeiras causas da quebra do "X" não seriam aquelas por ele apontadas, mas isto sim, as demonstradas no "Relatório da Comissão de Inquérito do Banco Central do Brasil", que teriam dado ensejo ao ajuizamento de urna Medida Cautelar de Arresto ora em curso contra o controlador e os ex-administradores daquela antiga instituição financeira;

(b) Dificilmente no Brasil os bancos poderiam ser considerados "vítimas" de seus clientes e sim seus algozes, mesmo porque, como poderia o "X" alegar que teria sofrido coação irresistível da "Consuiente" na assinatura dos contratos referidos?

(c) Notificada a "Consuiente" pelo "X" nos mesmos termos da ação judicial de que se trata, ela negou-se a pagar simplesmente porque nada devia;

(d) Alega a "Consuiente" que o "X" agiu de forma completamente descabida no ajuizamento da ação em causa, revelando um alto grau de má-fé, uma vez que não existiria relação lógica e jurídica entre seu pedido e a causa de pedir, do que deveria resultar a declaração de inépcia da petição inicial, com as conseqüências jurídicas cabíveis;

(e) Haveria manifesta ausência de interesse de agir por parte do "X", não sendo verdadeira a versão dos fatos apresentados ao juízo;

(f) Reconhece a "Consuiente" que efetivamente ela assinou com o "X" os contratos por ele apontados. No entanto, simultaneamente à cessão dos créditos ao "X", ela celebrou com a "C" Ltda. ("C") os Contratos de Assunção de Dívida e Outras Avenças ns. (...), referentes a export-notes correspondentes aos contratos identificados pelo "X" pela sigla SCAP, que o fez na expressão de sua livre vontade, a nada se opondo na ocasião;

(g) Por outro lado, o próprio "X" teria considerado liquidadas as operações com a "Consuiente", dando-lhe as respectivas cartas de quitação, juntadas aos autos;

(h) A quitação supra mencionada teria sido inteiramente omitida pelo "X" em sua petição inicial, de forma matreira e absolutamente inútil, porque este fato havia sido objeto da contra-notificação que a "Consuiente" havia feito no passado àquela antiga instituição financeira;

(i) As quitações em questão foram assinadas por "A" e "B", então gerentes de área do "X", tendo sido regularmente registradas no 2ª Oficio do Registro de Títulos e Documentos e Civil da Pessoa Jurídica da Capital, tendo passado a valer, portanto, contra terceiros para todos os fins de direito;

(j) A "Consuiente" alertou para o fato de que os mencionados gerentes do "X" que assinaram os documentos de quitação foram os mesmos que participaram da celebração de todos os "Instrumentos Particulares de Cessão de Crédito";

(k) A má-fé do "X" teria ficado ainda mais categoricamente demonstrada quando se verifica que eleja havia prestado cabais esclarecimentos ao BCB perante a Comissão de Inquérito que investigou as causas da liquidação determinada contra aquela antiga instituição financeira, conforme correspondência encaminhada ao Presidente da mesma Comissão, na qual teria ficado demonstrada a seguinte sucessão de operações:

· cessão de export-notes ao "X";

· cessão das obrigações decorrentes de tais títulos à "C" com aquiescência do próprio "X"; e

· reconhecimento pelo "X", por escrito, da extinção das obrigações da "Consuiente" perante o Banco;

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(1) Na operação de que se trata a "Con-sulente" teria obtido, como prêmio a importância de R$ 60.028,00 (sessenta mil e vinte e oito reais), que o "X" não poderia negar-se a conhecer por tratar-se de sua própria atividade;

(m) Não existiriam, por conseguinte, quaisquer obrigações da "Consulente" perante o "X";

(n) Caso o "X", tivesse sido movido por motivação séria, antes do ajuizamento da ação vertente, deveria ter adotado alguma outra alternativa, ou seja:

· prova da existência de documentos falsos ou falsificados, especialmente as declarações de que as operações indicadas estavam liquidadas;

· prova da existência de erro essencial, dolo, coação, simulação ou fraude, que lhe tivessem sido prejudiciais;

· prova de que os signatários dos instrumentos de celebração e de quitação de contratos...

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