Variações de sentido do termo 'competência tributária

AutorTácio Lacerda Gama
Páginas237-270
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Capítulo 7
VARIAÇÕES DE SENTIDO DO TERMO
“COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA
No Capítulo anterior, incluímos a ambiguidade entre as
espécies de ruído da comunicação, responsável por discursos
inconsistentes, incoerentes, falaciosos e, em muitas circuns-
tâncias, causa primeira de divergências verbais. Não por acaso,
é consensual a opinião de que um termo polissêmico, inserido
num discurso com pretensões científicas, deve ser substituído
por outro mais preciso ou ter seu sentido elucidado.
Estamos cientes, entretanto, de que as elucidações ex-
pressam opção por um sentido, em detrimento de outros
igualmente possíveis. Por isso suspenderemos nossa decisão
temporariamente. Faremos, por certo tempo, caminho inver-
so: usaremos a ambiguidade como recurso metodológico, para
explorar sentidos variados, estabelecer diálogos e, assim, ten-
tar perceber nuanças que seriam imediatamente colocadas
de lado por uma definição ortodoxa. Empreenderemos aquilo
que em teoria musical se chama “variações sobre o mesmo
tema”, ou seja, discorreremos sobre um mesmo conceito, po-
rém sob variadas perspectivas.
Esse caminho pode ser dividido em três etapas, desenvol-
vidas segundo três eixos temáticos: i. competência e Estado;
ii. modalidades de competência; e iii. os sentidos da norma de
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TÁCIO LACERDA GAMA
competência tributária. Ao final, retomaremos o cerne da pro-
posição e definiremos os sentidos de “competência” e “norma
de competência tributária”.
7.1 Ideia de competência tributária na Teoria Geral
do Estado
Poder, Estado, Federação e Autonomia são conceitos pró-
prios da Teoria Geral do Estado que mantêm estreita relação
com a ideia de competência tributária. Essas relações eviden-
ciam a importância do conceito de competência para compreen-
der o que seja o próprio Estado e os seus modos de organização.
Assim, na medida em que explicarmos o que é e como funciona
o Estado, teremos novos elementos para enriquecer o sentido
que atribuiremos à expressão “competência tributária”.
7.1.1 Competência e Poder
O texto constitucional prescreve: “Todo poder emana do
povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou direta-
mente, nos termos desta Constituição” (art. 1º, parágrafo único).
Cabe à Constituição da República, portanto, prescrever quais
são os poderes, quem deve exercê-los e como devem ser exerci-
dos no território alcançado pela soberania nacional. Há muitas
referências ao termo “poder” no texto constitucional. Vejamos
novos exemplos: no artigo seguinte (art. 2º) há referência ex-
pressa aos Poderes da União, entre os quais estaria o Executivo,
o Legislativo e o Judiciário. Em outras várias oportunidades o
texto fala em poderes, especificando agentes, matérias, formas
de ação. Há, inclusive, toda uma Seção do Sistema Tributário
Nacional, intitulada “Das Limitações do Poder de Tributar”.
O sentido atribuído ao termo “poder”, entretanto, é po-
lêmico, ensejando animadas controvérsias. Como veremos
adiante, uma simples pesquisa semântica evidencia variadas
formas de usar e definir o citado vocábulo.330 Fixando apenas
330. “O jurista usa a expressão poder, dando-lhe conotações diferentes, conforme a
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COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA
três desses modos, teríamos aqueles que equiparam a ideia de
“poder” à de “competência”; outros que vinculam um ao outro
como se fossem gênero e espécie, respectivamente, e, também,
aqueles que sustentam não só a diferença das acepções, como
a inadequação do termo “poder” ao discurso da dogmática jurí-
dica. Observaremos com mais atenção cada uma dessas teorias
para, então, sustentar nossa posição a respeito do tema.
Na obra Conceitos de direito tributário, C. M. Giuliani Fonrou-
ge explora uma série de acepções que a doutrina empresta à ex-
pressão poder. Em seguida, conclui, implicitamente, pela possibili-
dade de serem usados “poder” e “competência” como sinônimos:
A expressão poder tributário significa a faculdade ou a possibili-
dade jurídica do estado exigir contribuições com respeito a pes-
soas ou bens que se achem em sua jurisdição. Este conceito – tão
genericamente consignado – tem dado lugar a interpretações
divergentes, que começam com a terminologia. Há quem fale de
supremacia tributária (BERLIRI), de potestade impositiva (MI-
CHELI), de poder tributário (COCIVERA, ALESSI-STAMMAT-
TI), poder fiscal (BIELSA), poder de imposição (INGROSSO,
BLUMENSTEIN), poder tributário concebido como o poder geral
necessidade teórica, sem que os sentidos diferentes possam ser trazidos a um deno-
minador comum, por exemplo: a) no Direito Público, o poder é assinalado nos pro-
cessos de formação do direito, na verdade como um elemento importante, mas que
esgota sua função quando o direito surge, passando daí por diante a contrapor-se a
ele nos termos de uma dicotomia entre poder e direito, como se, nascido o direito, o
poder se mantivesse um fenômeno perigoso, a ser controlado sempre em sentido de
poder do Estado juridicamente limitado; b) assim, poder seria, incialmente, alguma
coisa, poder é coisa, uma substância, no homem, na natureza. Fala-se em força, em
faculdade ou capacidade para agir, fazer. Algo que o homem detém, ganha, perde,
limita, aumenta. Poder nessa acepção tem a ver com império, capacidade de produ-
zir obediência, atributo essencial da autoridade política, judiciária, legislativa, ad-
ministrativa, policial; c) para o Direito, o poder como capacidade de produzir obedi-
ência é conceito intimamente ligado ao de direito subjetivo e, às vezes, até se
confunde com ele. Nesse sentido, usa-se poder como faculdade, faculdade de exigir
contribuições pecuniárias (poder tributário), faculdade de agir e reagir protegido
pela lei (poder jurídico), faculdade para exercer certa função (poder legal ou com-
petência), faculdade de exercer livremente a autoridade segundo o seu arbítrio em
certas circunstâncias ( poder discricionário) etc.” (FERRAZ JUNIOR, Tércio Sam-
paio. Estudos de filosofia do direito: reflexões sobre o poder, a liberdade, a justiça e o
direito. São Paulo: Atlas, 2002. p. 19-20).

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