As vicissitudes do crédito previdenciário em face das obrigações acessórias

AutorCarlos Valder do Nascimento
CargoProfessor Adjunto de Direito Constitucional e Tributário da Universidade Estadual de Santa Cruz e da Escola Superior de Advocacia da OAB/BA
Páginas195-207

Page 195

1. Obrigações acessórias

As obrigações acessórias, constituídas por infrações formais secundárias, por essência, desprovidas de qualquer expressão econômica estão a merecer um reestudo, em face do seu caráter improdutivo e dispendioso para a Fazenda Pública. Dir-se-ia estar-se diante de recursos tributários irrelevantes sem que eles possam acrescer em vulto o orçamento da seguridade social.

A diversidade de multas, concebidas com o objetivo estritamente intimidatório, fomentadas pela exacerbação do processo legislativo, não atende ao interesse da sociedade. Ademais, por se tratar de meros resíduos tributários, com custos operacionais sem forte contrapartida em termos de arrecadação, não oferece qualquer rentabilidade para os cofres públicos.

Individualizar pontos infracionais, enumerando-os como desdobramento de diversos incisos ou alíneas de artigos, tra-vestidos de ilícitos fiscais é demonstração de prática improdutiva. Essa sistemática amplia de modo considerável o raio de ação do auditor fiscal da Receita Federal do Brasil, dando-lhe autonomia para lavrar autos de infração em matéria previdenciária e outros procedimentos da mesma natureza.

A exigência imposta ao contribuinte de exibir ou de prestar inumeráveis informações de interesse da Fazenda Pública impropriamente cunhada de obrigação acessória vem infernizando a vida do empresário. Além da postura abusiva de que se reveste impregnada nos mais diversos dispositivos legais e regulamentares configura também uma maneira de penalizar quem produz a riqueza deste país.

Page 196

O vendaval de siglas inventadas pela mente fértil do legislador, com ajuda do Executivo, não cessa de serem forjadas na forma que molda a armadilha legislativa. O que menos conta é o modo e o tempo desperdiçado pela empresa para cumprir o ritual estabelecido no caderno de encargos fiscais que se amplia a cada dia e cuja criatividade não conhece limites.

A elas pode se acrescer rol exaustivo de situações suscetíveis de gerar uma multiplicidade de deveres acessórios, combustível que aumenta a voracidade da máquina estatal de arrecadação, impondo injusto embaraço a regular atividade econômica. Pouco familiarizado com um amontoado de siglas e obrigações para os mais variados gostos, o empresário é obrigado a recorrer a terceiro para atender a burocracia oficial que não oferece resposta eficiente para a crescente demanda da sociedade.

Não servem senão ao desencadeamento permanente, constante a repetitivo, de ações visando a formalização de autos de infração. São determinantes da origem de toda sorte de multas e de penalidades impingidas aos que não podem a tempo e à hora cumprir tais exigências, fazendo surgir a figura do crime de sonegação fiscal.

Com supedâneo nos elementos propiciados pelo nexo normativo em vigência são lavrados tantos autos ou notificações de lançamento quanto forem os impostos, as contribuições ou as penalidades vinculadas ao sujeito passivo. Constitui, assim, o universo da possibilidade de fatos suscetíveis, por sua natureza probatória, de determinar o ato infracional.

Sendo certo que as obrigações acessórias (infrações formais) são meramente instrumentais, não menos verdade é que seu descumprimento, se não comprovado o caráter doloso ou culposo da conduta examinada, inserem-se apenas no contexto da responsabilidade obrigacional prevista no CTN. Não se afigura razoável que possa encontrar ressonância no Código Penal, cabendo ao Judiciário examinar com pre-caução a motivação substancial da ação penal intentada pelo MP em razão delas.

2. Crédito previdenciário sob o domínio da legislação tributária
2. 1 Noções gerais

O crédito da contribuição social pre-videnciária sobre ostentar a condição de tributo não lhe são indiferentes, portanto, as regras do CTN pelas quais se devem balizar.1 Detendo a mesma substância da obrigação é constituído também, pelo lançamento ou, ainda, por auto de infração, confissão de dívida, conforme dispõe o Regulamento de Custeio de Previdência Social.

A regra relativa à constituição de crédito previdenciário é regra sob o domínio da legislação tributária, posto revestir a mesma natureza do tributo. Outras, vinculadas pela lei orgânica da seguridade social, se violar essa diretriz, são flagrantemente inconstitucionais. Não são qualificadas para alterar o caráter substantivo das normas gerais veiculadas pelo Código Tributário Nacional, predominantes sobre as previdenciárias.

Dessa forma, os institutos, quando envolvendo matéria de cunho tributário, se submetem as disciplinas próprias do campo jurídico em que se acham embutidos. Nessa hipótese, integram as normas gerais que já povoam o ordenamento jurídico em que se acham embutidos. Essa observância de critério por especialização do assunto legislado atende a necessidade de harmonização do sistema tributário.

Como se vê ao crédito tributário previdenciário aplica-se o prazo qüinqüenal no tocante a sua constituição mediante auto de infração, lançamento ou outros procedimentos administrativos. Se contemplado no curso de dez anos, inflado com pendu-ricalhos de toda ordem, deve ser impug-

Page 197

nado ou embargado em processo judicial, podendo o sujeito passivo deduzir defesa sob alegação de excesso de execução.

2. 2 Aspectos processuais

Regra interna é no sentido de que o tributo ou contribuição passível de execução demanda fixação do período de apuração, bem assim a compatibilidade dos valores declarados e os apurados na documentação contábil e fiscal do contribuinte. Apenas daqueles cujos fatos geradores tenham ocorrido nos cinco anos que antecedem e emissão do MPF e no período de execução do procedimento fiscal, conforme Portaria REFB n. 4.066, de 2 de maio de 2007, da Receita Federal do Brasil.

De posse desse instrumental normativo, põe o contribuinte em segundo plano, está o Fisco apto a aparelhar a ação executiva fiscal com o mesmo figurando no pólo negativo da relação obrigacional previden-ciária. É assim porque a constrição do patrimônio privado se faz em função dos dados colhidos pelo representante do INSS.

Constituir o crédito tributário previ-denciário significa percorrer longo caminho até a ponto final que culmina com a execução. Claro que em contraposição a tal iniciativa o executado dispõe de mecanismos processuais, que nem sempre são eficazes, para controverter com a pesada máquina fiscal.

Na seara administrativa, desponta a possibilidade do manejo por parte do sujeito passivo de peça com feição im-pugnativa, arma posta à sua disposição a fim de que se possa contrapor a pretensão da Fazenda Pública. Pela exigüidade de tempo, entretanto, pode-se revelar inócua qualquer tentativa nesse sentido, principalmente, pela impossibilidade de levantar em tempo hábil os documentos requeridos pela auditoria fiscal previdenciária.

Circunscreve a matéria ao âmbito exclusivo de infrações meramente formais. Como não guardam correlação com os impostos, pelo cunho autônomo de que se revestem, não permitem sua hostilização de forma eficiente em face da ausência de condições instrumentais capazes de estancar a investida estatal nem sempre legitimadas do ponto de vista da legalidade.

Decreto de concessão do prazo de trinta dias para a interposição de recurso impugnativo evidencia sua faceta insuficiente ao objetivo colimado. Com efeito, uma vez consumado a atuação, seu reflexo já se faz sentir pela repercussão negativa que afeta o patrimônio do contribuinte, gerando, em conseqüência, redução indevida de seu patrimônio.

Complicação de ordem processual, secundada pela Lei de Execução Fiscal, inibe o acionamento da ação executiva se em curso o auto de infração em sede administrativa. Nem se lhe socorre os embargos, tampouco lhe toca o benefício da denúncia espontânea, diante do caráter restritivo decorrente de regra estabelecida no Código Tributário Nacional.

Eis a dificuldade com que se move o suposto devedor alcançado pela fiscalização previdenciária. Mesmo que em razão assista ao contribuinte, somente lhe resta liquidar o débito ou requerer o parcelamento do mesmo. Fora dessas situações hipotéticas verá entre impotente e incrédulo o crédito tributário previdenciário ser inscrito em dívida ativa da Receita Federal do Brasil para posterior liquidação.

Nesse quadro desenhado pela pena fiscalista no domínio do processo administrativo fiscal, pode-se vislumbrar a força na alavanca que abre espaço para que seja constituído o crédito tributário. Nele também pode se ver refletido o efeito de sua formalização, a quantificação do prejuízo fiscal e aplicação de penalidade isolada.

3. Causas extintivas do crédito previdenciário: a questão prescricional e a decadência

A regra que estipula a decadência e a prescrição tributária acerca de matéria

Page 198

previdenciária em dez anos é regra fora do sistema jurídico, porque em desconformidade com a Constituição Federal. De fato, ao ser veiculado por lei ordinária vulnera preceito nela contido, cujo comando indica que o assunto há de ficar aos cuidados de lei complementar, em homenagem ao princípio de hierarquia das leis.

Impõe salientar que o Superior Tribunal de Justiça por sua Corte Especial entendeu que a regra expressa no art. 45 da Lei n. 8.112/1991 ofende a do art. 146, III, b, da Constituição, já que com ela não guarda relação de compatibilidade. Reconheceu, portanto, a inconstitucionalidade no plano formal do referido preceito. Surge, pois, a ineficácia do artigo questionado instituidor da regra em questão por...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT