Vulnerabilidade e gênero: o tema 778 (STF) sob à ótica da filosofia kantiana e seus conceitos, trazidos ao constitucionalismo do século XX enfrentados nas relações privadas contemporâneas

AutorGustavo Henrique Baptista Andrade
Páginas37-59
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Capítulo 2
VULNERABILIDADE E GÊNERO:
O TEMA 778 (STF) SOB A ÓTICA DA FILOSOFIA KANTIANA
E SEUS CONCEITOS, TRAZIDOS AO CONSTITUCIONALISMO
DO SÉCULO XX E ENFRENTADOS NAS RELAÇÕES PRIVADAS
CONTEMPORÂNEAS
Gustavo Henrique Baptista Andrade1
Se Deus é menina e menino,
Sou masculino e feminino.
(Pepeu Gomes)
1. Introdução
A epígrafe do texto tem um significado muito amplo, tanto com
relação ao seu conteúdo, como no que diz respeito à temática geral desta
obra coletiva. Deus e gênero, sagrado e profano, poder e submissão,
homem e mulher, são termos que sempre permearam a existência humana
e alimentaram a linguagem binária, muito utilizada nas disputas de poder.
O artista, por sua vez, com sua capacidade de reduzir complexidades em
seu sentido mais positivo e de “ir aonde o povo está”2, vem em socorro da
escolha da metodologia a ser utilizada, na disposição das ideias e no
1 Possui pós-doutorado pela UERJ, com imersão de pesquisa no Instituto Max-Planck de
Hamburgo, Alemanha; mestrado e doutorado pela UFPE; é Professor de Direito Civil da
Faculdade Frassinetti do Recife-FAFIRE; Professor nas Especializações de Direito de
Família, Direito Municipal e Direito Médico da Universidade Católica de Pernambuco
UNICAP; Professor da Especialização em Direito de Família da UFPE; Pesquisador;
Procurador do Município do Recife; atual Presidente do IBDFAM-PE.
2 “Todo artista tem de ir aonde o povo está” é verso da canção Nos bailes da vida, de Milton
Nascimento.
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prenúncio da própria conclusão, onde se pretende confirmar a hipótese
problematizada.
E por que trazer Deus e filosofia para uma pesquisa acerca de
vulnerabilidade e gênero? A resposta será encontrada no decorrer do artigo,
mas é possível adiantar, ainda que superficialmente, que na Grécia antiga
mesmo considerando-se em Esparta um papel feminino mais ativo a
mulher tinha uma atuação extremamente reduzida com relação ao homem.
As atenienses, inclusive, eram subjugadas por seus pais e depois por seus
maridos, estes escolhidos por aqueles. E mesmo depois da reforma política,
as mulheres não participavam de questões deste jaez por serem
consideradas inaptas. Quanto à Deus, às religiões cristãs e à Igreja Católica,
foi na Idade Média que a mulher viveu o período mais obscuro de sua
existência humana. Assim é que a contingencialidade e, em especial, a
historicidade, são ferramentas indispensáveis para a discussão sobre
vulnerabilidade e gênero na atualidade.
A relação sexual no início do medievo, mesmo ligada à procriação,
se relacionava mais com a morte do que com a vida. Sim, observava-se que
sem a cópula entre o homem e a mulher não haveria como “solucionar” a
morte, uma vez que não poderiam nascer outros homens e mulheres. Outras
contradições perturbavam os filósofos cristãos, a exemplo de Tertuliano,
para quem, ao tempo em que as mulheres eram consideradas uma brecha
nas defesas da Igreja, laços familiares as tornavam aptas a substituir os
escravos:
Com seus p enteados atraentes e seus rostos
perturbadoramente descobertos, as mulheres da igreja
de Cartago eram vistas por Tertuliano como uma
brecha nas defesas da Igreja, p ela qual o mundo
poderia ganhar acesso às graves assembleias dos
santos homens. Todavia, com igual frequência as
mulheres eram um ‘portão’ num sentido positivo.
Podiam ingressar nas famílias pagãs sem ser
maculadas, como aconteceria com os ho mens. Eram
mulheres, servas e amas dos ímpios. Os escravos
podiam desempenhar o mesmo papel, mas o vínculo
entre as mulheres e as crianças, na qualidade de mães,
babás ou amas-de-leite, tornava-as mais responsáveis
do que seria um escravo pela saúde das crianças e,
portanto, pelos remédios sobrenaturais aplicáveis
quando elas adoecessem. Tertuliano c hegou até a

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