Vulnerabilidade, risco e exclusão: o nó de marinheiro da insegurança social

AutorSayonara Grillo Coutinho Leona da Silva
Ocupação do AutorOrganizadora
Páginas180-184

Page 180

1. Introdução

Decorridos mais de vinte anos do advento da Constituição Federal da República do Brasil de 1988, verificam-se amplos festejos no que tange ao amadurecimento das instituições democráticas brasileiras e à maior independência do Poder Judiciário, que propiciou um efetivo acesso à justiça por parte dos jurisdicionados e uma afirmação da cidadania como um todo.

Tais aspectos vêm ao encontro dos princípios fundamentais que norteiam o texto constitucional desde seu preâmbulo, garantidores que são dos direitos sociais e individuais do povo brasileiro.

Essa proteção aos direitos sociais e individuais, contudo, perpassa por um princípio contido no art. 4º da Constituição Federal, inciso II, qual seja, a prevalência dos direitos humanos no trato das relações internacionais, pois não se pode admitir na esfera interna de um Estado democrático que os direitos humanos sejam desrespeitados e, a contrario sensu, exigir-se no plano das relações internacionais a observância de tal preceito.

Em uma interpretação sistêmica do texto constitucional, verifica-se já no Título II, “Dos direitos e garantias fundamentais”, extenso rol de diretrizes contido no Capítulo I, art. 5º, que visam assegurar a plenitude do exercício da cidadania, consistentes em sua maioria de prestações negativas por parte do Estado, que não demandam uma prestação positiva governamental.

Sucedendo o Capítulo I, encontra-se a disposição atinente aos direitos sociais, prevista em sequência capitular e integrante do mesmo Título II “Dos Direitos e Garantias Fundamentais”.

Em oposição à garantia do exercício dos direitos de índole civil, os direitos sociais prescindem de uma tutela positiva por parte do Estado para sua concretização, seja na forma de regulamentação infraconstitucional, seja na forma de efetivação do que já se encontra estatuído ordinariamente, para retirá-los da órbita de normas programáticas e garantir o acesso aos jurisdicionados.

Ocorre que, por demandar uma resposta de cumprimento positivo por parte do Estado, os direitos sociais historicamente não foram vistos como corpo integrante dos direitos humanos, o que se constituiu em grande equívoco na leitura dos direitos essenciais do homem.

O presente artigo se propõe a analisar o arcabouço teó-rico, histórico, principiológico, teleológico e normativo porque deve-se considerar os direitos sociais e laborais como integrantes dos direitos do homem.

Assim é que a plenitude do exercício dos direitos humanos não pode se ater à limitação da esfera dos direitos civis e políticos, uma vez que tais direitos gravitam na ordem burguesa de garantias institucionais de não ingerência e não intervenção do Estado na esfera privada dos cidadãos.

Os direitos sociais, econômicos e sociais, por demandarem uma contraprestação positiva estatal, sofrem maior resistência para implementação por parte de determinados governos, em especial na análise conjuntural histórica latino-americana, uma vez que é exigido políticas públicas permanentes de combate ao desemprego, à desigualdade social, ao fomento à empregabilidade formal e ao efetivo acesso a uma cidadania plena e integral concebida sob todos os prismas que compõem a íntegra da condição humana de dignidade.

A necessidade de ingerência estatal por meio de políticas públicas de combate às desigualdades já foi percebida até mesmo pela ideologia liberal quando do advento da crise capitalista de 1930, onde a intervenção do Estado na economia se fez necessária sob pena de verificação de um crash genera-

Page 181

lizado e em cadeia na economia global, sendo emblemática a crise da bolsa de Nova york em meados de 1930.

Essa crise, agora transmudada na ótica neoliberal do capital fluido, sem amarras e imprescindível de desregulamentação para se fixar nos lugares onde melhor possa auferir lucro (hARVEy, 2011) se renovou em 2008 e igualmente exigiu contraprestação estatal para a ajuda das instituições financeiras que, acaso não salvas, ameaçavam uma quebra mundial em escala capaz de pôr em jogo a própria sobrevivência do sistema capitalista.

Portanto, o intervencionismo estatal se fez presente em diversas passagens históricas da economia mundial na proteção da propriedade e da expansão do lucro, na preservação do sistema que vive, de forma paradoxal, da não ingerência do Estado e de sua autorregulação.

Verificamos, portanto, que a “mão invisível” de Smith (2003) há muito perdeu a mão, e, que, se o Estado se faz presente em momentos de crise do capital, inerentes e inexoráveis que são ao próprio sistema, não menos certo é que esse mesmo Estado deve intervir no implemento dos direitos sociais por meio da adequação de políticas públicas que contemplem a efetivação dos direitos humanos em sua plenitude.

Nesse sentido, a presente pesquisa sistematiza estudos direcionados ao entendimento da compreensão dos direitos sociais como uma das esferas da dignidade humana, na medida em que não existe dignidade pela metade, buscando uma ressignificação do conceito de direitos humanos em uma interpretação holística, considerando os direitos sociais positivados pelas normas jurídicas como uma chave de acesso capaz de fazer frente à desigualdade social.

2. A construção da ideia de direitos humanos

Uma teoria crítica dos direitos sociais como direitos humanos merece ser prestigiada com o fito de unificar elementos centrais da condição humana, como saúde, educação, moradia, trabalho, entendido como o direito subjetivo ao trabalho como componentes da dignidade humana não pode ser entendida de forma fracionada.

Assim, os direitos sociais integram a conquista dos direitos humanos por todo um processo de lutas e vindicações dos trabalhadores e que deve ser respeitado pelo capital e pelas nações.

Se em um primeiro momento a proteção aos direitos humanos se atinha à esfera da não intervenção estatal na classe burguesa, com clara índole de proteção patrimonialista, ins-pirada no Código Civil Napoleônico, hoje essa proteção deve ser pensada em escala totalizante, sem dissociar a importância da proteção ao direito patrimonial com a função social que esse mesmo direito ocupa em uma mesma hierarquia, sem haver estamentos de ordem piramidal.
há mesmo uma indivisibilidade de concretude de direitos civis, políticos, econômicos, culturais e sociais para a construção de um bloco monolítico da dignidade humana. E a partir do momento em que os direitos trabalhistas são reiteradamente violados, viola-se também a esfera dos...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT