A eficácia horizontal dos Direitos Fundamentais

AutorFlávio Adauto Ulian
CargoMestrando em Direitos Fundamentais pelo Centro Universitário Instituto de Ensino para Osasco
Páginas12-21

Page 12

1 Introdução

O presente estudo se originou da necessidade de se discutir e pacificar as hipóteses de aplicação dos direitos fundamentais, considerando a abrangência de sua efi cácia.

Observa-se nesta pesquisa que a denominação dos direitos reconhecidos como fundamentais, possuem distinções, que por sua vez, não podem ser capazes de afetar seu conteúdo material, voltados à defesa da igualdade e da dignidade da pessoa humana.

A pesquisa foi concentrada, objetivamente, na efi cácia das normas de direitos fundamentais, já que seu fundamento encontra tipificação nos mais diversos corpos constitucionais, principalmente, na Constituição Federal brasileira de 1988.

Em sua essência, o trabalho é apresentado por meio de compilação de entendimentos doutrinários, que têm por fi nalidade demonstrar as teorias existentes sobre a efi cácia das normas constitucionais, a fi m de demonstrar sua aplicação não apenas na relação entre Estado e particular, mas dentro das relações privadas.

É o que se busca esclarecer na presente pesquisa.

2 Conceito de direitos fundamentais

A conceituação dos direitos fundamentais se apresenta matéria de peculiar difi culdade, isto porque sua conceituação está em constante construção, diante das modifi cações no pensamento social, o que só faz crescer as terminologias empregadas pelos ordenamentos jurídicos, que apresentam os direitos fundamentais como direitos humanos, direitos e garantias individuais, direitos e liberdades fundamentais, direitos do homem, liberdade públicas, dentre outras.1

Não obstante sua diversidade de nomenclaturas, os direitos fundamentais continuam sendo posicionamentos jurídicos voltados às pessoas, que foram inclusos no texto constitucional devido a importância do seu conteúdo.2

Alexandre de Moraes ao conceituar os direitos fundamentais afirma serem garantias voltadas ao respeito da dignidade da pessoa humana, "por meio de sua proteção contra o arbítrio do poder estatal, e o estabelecimento de condições mínimas de vida e desenvolvimento da personalidade humana".3

Ainda, na busca pela melhor conceituação aos direitos fundamentais, Dimitri Dimoulis e Leonardo Martins, expressam que:

Direitos Fundamentais são direitos público-subjetivos de pessoas (físicas ou jurídicas), contidos em dispositivos constitucionais e, portanto, que encerram caráter normativo supremo dentro do Estado, tendo como fi nalidade limitar o exercício do poder estatal em face da liberdade individual4.

No mesmo sentido, Norberto Bobbio citando Paine, complementa ao se referir aos direi-

Page 13

tos fundamentais como direitos naturais, oriundos da própria existência humana, e que "a esse gênero pertencem todos os direitos intelectuais, ou direitos e mente, e também, todos os direitos de agir como indivíduo para o próprio bem-estar e para a própria felicidade que não sejam lesivos aos direitos naturais dos outros".5

Desta feita, é possível conceituar direitos fundamentais como a gama de normas, internas e externar, que, por sua essência, busque proteger direitos que constituam elementos imprescindíveis à consagração da dignidade da pessoa humana, considerando também toda a coletividade, tanto nas relações existentes entre Estado e particulares, quanto nas relações apenas entre particulares.

3 A eficácia das normas constitucionais

As discussões referentes a eficácia das normas constitucionais passam a ter importância após a promulgação da Constituição Federal de 1891, que, observando a teoria norte americana da self-executing, self-acting, ou self-enforcing e normas not self-executing, not self-acting, ou not self-enforcing, implementou no texto constitucional a distinção entre normas auto-aplicáveis ou auto-executáveis e normas não-auto-aplicáveis ou não-auto-executáveis.6

As normas auto-aplicáveis, pelo próprio nome, seriam aquelas que geram seus efeitos por si só, independentemente de qualquer ato legislativo, visto que realizado em sua completude, ou seja, a aplicabilidade da norma constitucional se vislumbra quando completa naquilo que lhe objetiva, sendo dispensável a criação de lei para ulterior regulamentação.7

Já as normas constitucionais não auto-aplicáveis ou não auto-executáveis são aquelas que necessitam de atividade legislativa para alcançarem eu conteúdo, nas quais o próprio texto legislativo invocará a necessidade de uma complementação, o que gerará a complementação da Constituição.8

A denominação utilizada pelo ordenamento jurídico foi se adaptando com o passar do tempo, a fim de se adequar a estrutura jurídica, tendo em vista que denominar a norma de "não-auto-executáveis" davam a falsa impressão de inexirtir efi cácia quanto aquela norma, o que de fato não é correto já que todas as normas constitucionais possuem efeitos jurídicos.

Nessa toada, José Horácio Meirelles Teixeira afi rma que toda norma constitucional alcança algum tipo de efi cácia, de tal maneira que a efi cácia pode ser considerada de natureza gradual, a qual pode ser classificada como normas constitucionais de efi cácia plena e normas de eficácia limitada ou reduzida.9

Para esclarecer, as normas de efi cácia plena são aquelas que alcançam o objetivo do legislador constituinte, e produz efeitos desde a sua promulgação, enquanto que as nor-

Page 14

mas de efi cácia limitada ou reduzida são aquelas que exigem uma atuação legislativa para que produzam seus efeitos.

O constitucionalista José Afonso da Silva, a seu turno, desenvolve a teoria tricotômica10para explicar a efi cácia das normas constitucionais, e as divide em três grupos: as de eficácia plena, de eficácia contida e de efi cácia limitada.

De forma singela, as normas de eficácia plena são aquelas que possuem aplicabilidade direta, imediata, não dependendo de intervenção do legislador ordinário, as normas de eficácia contida são aquelas que também possuem aplicabilidade direta, entretanto, não são totalmente integrais, mas restringiu a atuação do legislador.11

As normas de eficácia limitada necessitam de intervenção do legislador ordinário. Essas normas englobam tanto as normas declaratórias de princípios programáticos, que instituem programas de ação para o Estado, quanto às normas de princípios institutivos e organizatórios, que definem a estrutura de determinados órgãos e instituições12.

Maria Helena Diniz formulou a mais recente classifi cação sobre a efi cácia das normas constitucionais, que se apresenta em quatro grupos: normas com eficácia absoluta, normas com eficácia plena, normas com eficácia relativa restringível e normas com efi cácia relativa complementável.13

Ademais, esclarece a doutrinadora que as normas com eficácia absoluta não podem ser alteradas, identifi cadas como cláusulas pétreas, as normas com efi cácia plena, são normas que não requerem complementação pelo legislador ordinário, criando desde logo direitos subjetivos, ao inverso das normas com eficácia relativa restringível, que ao mesmo tempo possui aplicabilidade direta e sofre restrição prevista pela lei ordinária que reduzirá o campo de aplicação, e por fim, as normas com efi cácia relativa complementável, que necessitam da complementação pela legislação infraconstitucional, já que não possuem por si só, condições de produzir efeitos.14

Traçada a estrutura da eficácia das normas constitucionais, cumpre adentrar na essência do presente trabalho voltado a esclarecer a incidência dos efeitos dos direitos fundamentais no âmbito das relações privadas.

4 A eficácia horizontal dos direitos fundamentais

A discussão a cerca da incidência dos direitos fundamentais no âmbito das relações privadas surge da década de quarenta nos EUA com diversos julgamentos da Suprema Corte, em que era invocada a 14ª Emenda em face de violações a direitos de particulares.

Estas violações deram origem ao chamado state action, que tinha por fi nalidade investigar se uma conduta praticada por um particular poderia ser considerada equivalente a uma ação estatal, para assim, poder incidir a 14ª Emenda, o que foi reconhecido quando

Page 15

o ato for praticado com participação ou infl uência do Estado, ou quando os poderes privados assemelham-se às ações praticadas pelo Estado.15

Em decorrência do state action surgiu a denominada public function theory, que consagrava a teoria de que seriam aplicados os direitos fundamentais nas relações privadas desde que os particulares, sujeitos às limitações constitucionais, exerçam atividades de estatais16.

Apesar da jurisprudência ter utilizado por diversas vezes a public function theory, a doutrina norte-americana, a partir da década de 70, aponta a falta de critério com que esta foi utilizada, restringindo sua utilização, dando origem ao Critical Legal Studies, que surgiu para questionar a aplicação da state action, com o fundamento de que os direitos fundamentais devem ser considerados nas relações entre particulares, sem a distinção entre direito público e direito privado17.

No entanto, esta aplicabilidade horizontal no direito norte americano ainda encontra resistência.

Apesar disso, foi na Alemanha, a partir da década de 50, que a efi cácia horizontal dos direitos fundamentais ganhou seus reais contornos com o termo dritwirkung der grundrechte18 (efi cácia perante terceiro). Ao contrário da concepção norte-americana, a concepção alemã apresentou soluções mais radicais para discutir como os direitos fundamentais penetram nas relações particulares. A tese que permeia essa efi cácia perante terceiro é que dá origem à outra expressão...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT