O acesso à justiça e a flexibilização procedimental judicial atípica no processo civil brasileiro

AutorLeonardo Souza Santana Almeida
CargoMestre em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco - UFPE; Doutorando em Direito pela Universidade Federal da Bahia ? UFBA. Professor Adjunto da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Sergipe - UFS; Professor da Escola Judicial de Sergipe - EJUSE; Juiz de Direito do Tribunal de Justiça de Sergipe ? TJSE. Membro do Conselho ...
Páginas733-767
Janeiro. Ano 16. Volume 23. Número 2. Maio-Agosto de 2022
Periódico Quadrimestral da Pós-Graduação Stricto Sensu em Direito Processual da UERJ
Patrono: José Carlos Barbosa Moreira (in mem.). ISSN 1982-7636. pp. 733-767
www.redp.uerj.br
https://creativecommons.org/licenses/by/4.0/
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O ACESSO À JUSTIÇA E A FLEXIBILIZAÇÃO PROCEDIMENTAL JUDICIAL
ATÍPICA NO PROCESSO CIVIL BRASILEIRO
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ACCESS TO JUSTICE AND ATYPICAL JUDICIAL PROCEDURE
FLEXIBILIZATION IN BRAZILIAN CIVIL PROCEDURE
Leonardo Souza Santana Almeida
2
RESUMO: O presente artigo analisa a possibilidade de flexibilização procedimental judicial
atípica, à luz do Código de Processo Civil vigente. A sua premissa fundamental é a garantia
constitucional do acesso à justiça, a exigir a conformação da estrutura processual a fim de
atender às necessidades do direito material e às circunstâncias do caso concreto. Nesse
contexto, a possibilidade de ajustes do procedimento em hipóteses não previstas na lei
desempenha um papel fundamental para a efetividade do acesso à justiça. Demonstramos no
artigo que, mediante a interpretação sistemática das disposições do Código de Processo
Civil, em consonância com a garantia constitucional do acesso de justiça, revela-se possível
a variação do procedimento, desviando-se pontualmente da rota procedimental padrão.
Utilizou-se a metodologia dedutiva.
PALAVRAS-CHAVE: Acesso à justiça; direito material e processo; flexibilização
procedimental judicial atípica.
ABSTRACT: This article analyzes the possibility of atypical judicial procedural flexibility,
in the light of the current Civil Procedure Code. Its fundamental premise is the constitutional
guarantee of access to justice, demanding the conformation of the procedural structure in
1
Artigo recebido em 11/01/2022 e aprovado em 20/02/2022.
2
Mestre em Direito pela Universidad e Federal de Pernambuco - UFPE; Doutorando em Direito pela
Universidade Federal da Bahia – UFBA. Professor Adjunto da Faculdade de Direito da Universidade Federal
de Sergipe - UFS; Professor da Escola Judicial de Sergipe - EJUSE; Juiz de Direito do Tribunal de Justiça de
Sergipe – TJSE. Membro do Conselho Administrativo Pedagógico da Escola Judicial de Sergipe – EJUSE;
Membro do Instituto Brasileiro de Direito Contratual – IBDCONT; Membro do In stituto Brasileiro de Direito
de Família – IBDFAM; Membro da Associação Norte-Nordeste de Professores de Processo – ANNEP.
Aracaju/SE, Brasil. E-mail: lssalmeida@yahoo.com.br
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order to meet the needs of substantive law and the circumstances of the concrete case. In this
context, the possibility of adjusting the procedure in cases not provided for in the law plays
a fundamental role in the effectiveness of access to justice. We demonstrate in the article
that, through the systematic interpretation of the provisions of the Civil Procedure Code, in
line with the constitutional guarantee of access to justice, it is possible to vary the procedure,
punctually deviating from the standard procedural route. The deductive methodology was
used.
KEYWORDS: Access to justice; substantive law and process; atypical judicial procedural
flexibility.
1. INTRODUÇÃO
A garantia constitucional da inafastabilidade da apreciação pelo Poder Judiciário de
lesão ou ameaça a direito, inscrita no art. 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal, ou
simplesmente garantia do acesso à justiça, significa conferir a quem tem razão tudo aquilo
que o direito material lhe assegura. Essa premissa, que será explorada amiúde ao longo do
texto, é o ponto de partida do presente artigo.
Após analisarmos a compreensão contemporânea da garantia fundamental do
acesso à justiça, exploraremos as relações existentes entre o direito material e o processo,
sendo importante uma breve digressão histórica acerca das fases metodológicas do direito
processual, a saber, a sincrética e a autonomista, para nos debruçarmos de forma mais detida
sobre a fase instrumentalista e a nova compreensão do modelo constitucional do processo,
não sem dedicarmos algumas linhas às perspectivas adotadas pela doutrina contemporânea.
Na sequência, abordaremos os denominados princípios da adequação e da
adaptabilidade do procedimento, investigando a razão da instituição dos procedimentos
especiais e como o nosso procedimento comum se apresenta na atualidade, ou seja, se as
suas regras devem ser aplicadas de forma rígida ou se ele comporta alguma maleabilidade.
Por fim, investigaremos as espécies de flexibilização permitidas no processo civil,
alcançando o cerne do presente artigo, que se resume a responder à pergunta que nos animou
Janeiro. Ano 16. Volume 23. Número 2. Maio-Agosto de 2022
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a escrevê-lo, qual seja, se há no direito processual civil brasileiro a possibilidade de
flexibilização procedimental judicial atípica, que poderá funcionar como relevante
instrumento para a garantia do acesso efetivo à justiça. Por uma escolha metodológica,
conquanto reconheçamos a sua importância, não abordaremos a flexibilização procedimental
convencional, operada por negócios jurídicos processuais típicos e atípicos.
2. A GARANTIA CONSTITUCIONAL DO ACESSO EFETIVO À JUSTIÇA
A compreensão do conteúdo normativo da garantia constitucional da
inafastabilidade da jurisdição, também denominada de acesso à justiça em sentido amplo,
inscrita no art. 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal, a prescrever que “a lei não excluirá
da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”, é um necessário ponto de
partida para examinarmos as relações entre o direito material e o processo e,
consequentemente, compreendermos de que forma este deve estar estruturado para atender
às necessidades daquele.
Trata-se de garantia inerente ao Estado Democrático de Direito, em que todos
(inclusive o Estado) estão sujeitos ao império da lei e, em regra, é vedada a autotutela. Dessa
forma, para solucionar a crise de direito material, há que se ter o Poder Judiciário,
assegurando ao cidadão, a um só tempo, “a porta de entrada dos tribunais” e a “porta de
saída”, no sentido de que não apenas o acesso aos tribunais deve ser garantido, exigindo
também a efetiva presença de “garantias processuais, tais como contraditório, ampla defesa,
produção de provas obtidas por meios lícitos, ciência dos atos processuais, julgamento em
tempo razoável, fundamentação das decisões, julgamento justo, eficácia das decisões etc.”
3
O direito ao “acesso efetivo à justiça”, há algum tempo, compõe as preocupações
dos juristas, a significar não apenas o acesso formal de todas as pessoas ao sistema judiciário,
mas também e principalmente a aptidão do sistema para “produzir resultados que sejam
individual e socialmente justos”
4
.
3
SOUZA, Wilson Alves de. Acesso à justiça. Salvador: Dois de Julho, 2011, pp. 25-26.
4
CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto
Alegre: Fabris, 1988, p. 8.

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