A actio popularis e (n)o Direito (Penal) Internacional / Actio popularis and Internacional Criminal Law

AutorMarcus Vinícius Xavier de Oliveira
CargoProfessor Adjunto da Universidade Federal de Rondônia. Doutor (UERJ) em Direito. Líder do Jus Gentium - Grupo de Estudos e Pesquisas em Direito Internacional. Membro do Grupo de Pesquisas em Teoria Política Contemporânea. E-mail: marcusoliveira@unir.br
Páginas532-571
Revista de Direito da Cidade vol. 10, nº 1. ISSN 2317-7721
DOI: 10.12957/rdc.2018.30188
__________________________________________________________________
Revista de Direito da Cidade, vol. 10, nº 1. ISSN 2317-7721 pp. 532-571 532
1
Este trabalho objetivou enfrentar o problema relacionado à vigência, validade e eficácia do
instituto da actio popularis no Direito (Penal) Internacional, tendo como ponto de intersecção,
de um lado, as decisões proferidas pela Corte Internacional de Justiça nos casos Etiópia e Libéri a
v. África do Sul nos anos de 1962 e 1966, bem como as críticas efetuadas à virada radical que a
Corte promoveu entre os julgamentos das Questões Preliminares e a segunda fase, tendo como
substrato teórico a crítica feita por Egon Schwelb. Para tanto, logo após estabelecer as bases da
discussão no tema relativo à transição do sistema westfaliano para o da Carta, discorreu-se
sobre a origem do instituto no direito romano, tendo como principal apoio a obra de Theodor
Mommsen. Ato seguido passou-se à apresentação e discussão das decisões da Corte
Internacional de Justiça no caso indicado, para apontar-se, em linhas posteriores, as críticas que
referida decisão sofreu. No último tópico se discutiu a correlação entre o instituto da actio
popularis com a máxima aut dedere aut judicare, em especial no regime indireto de
implementação do Direito Penal Internacional. Conclui-se o trabalho com ligeiras considerações
a confirmar a vigência, validade e condições de eficácia e legitimidade da justiça cosmopolita,
cuja fundamentação encontra-se na actio popularis. O método de abordagem adotado no
presente trabalho foi o crítico, e o de proc edimento a consulta bibliográfica.
-: Actio Popularis; Aut Dede Aut Judicare; Direito Internacional; Sistemas
Internacionais; Direito Penal Internacion al; Implementação Indireta
This paper aims to address the problem related to the validity and efficacy of the actio popularis
in International (Criminal) Law, having as a point of intersection, on the one hand, the decisions
handed down by the International Court of Justice in the cases of Ethiopia and Liberia v. South
Africa in the years 1962 and 1966, as well as the criticisms made of the radical turn that the
Court promoted between the judgments of the Preliminary Questions and the second phase,
having as a theoretical substrate the criticism made by Egon Schwelb. To this end, after
establishing the basis of the discussion on the theme related to the transition from the
Westphalian system to that of the Charter, the origin of the institute in Roman law was
discussed, having as main support the work of Theodor Mommsen. Subsequently, the decisions
of the International Court of Justice presented and discussed, in order to point out, in later
lines, the criticisms that the decision had suffered. In the last topic, we discussed the correlation
between the institute of actio popularis and the maximum aut dedere aut judicare, especially in
the indirect system of implementation of International Criminal Law. The work concluded with
slight considerations confirming the validity and conditions of efficacy and legitimacy of
1 Professor Adjunto da Universidade Federal de Rondônia. Doutor (UERJ) em Direito. Líder do Jus Gentium
- Grupo de Estudos e Pesquisas em Direito Internacional. Membro do Grupo de Pesquisas em Teoria
Política Contemporânea. E-mail: marcusoliveira@unir.br
Revista de Direito da Cidade vol. 10, nº 1. ISSN 2317-7721
DOI: 10.12957/rdc.2018.30188
__________________________________________________________________
Revista de Direito da Cidade, vol. 10, nº 1. ISSN 2317-7721 pp. 532-571 533
cosmopolitan justice, whose foundation in actio popularis. The method of approach adopted in
the present study was the critic, and the procedure was bibliographic.
: Actio popularis; Aut Dedere Aut Judicare; Contemporary International Law;
International Criminal Law; Indirect Enforcement
A discussão acerca da vigência e aplicabilidade do instituto da actio popularis no Direito
Internacional contemporâneo, e que se liga diretamente à regra aut dedere aut judiciare, bem
como seus significados e efeitos, cuja origem remonta, até onde pudemos aferir, aos casos
Etiópia e Libéria v. África do Sul (South-West Africa Cases), julgados pela Corte Internacional de
Justiça (doravante CIJ) nos anos de 1962 (primeira fase) e 1966 (segunda fase), constitui-se,
conforme se procurará demonstrar nas linhas que seguem, em um tópico privilegiado para se
dilucidar as diferenças existentes entre os sistemas internacionais westfaliano2 e da Carta3,
mormente no que concerne à legitimidade para os Estados atuarem na proteção daquilo que
M. Sherif Bassiouni denomina de valores e interesses comuns (common-shared vallues e
common-shared interests) da sociedade internacional, com especial ênfase nos campos do
Direito Penal Internacional (proscrição e persecução dos autores de crimes internacionais
próprios e/ou transnacionais), cuja vinculação, ademais, com o Direito Internacional dos
Direitos Humanos é mais do evidente: é de essência 4.
2 Denomina-se Sistema Internacional Westfaliano à ordem internacional surgida no século XVI e que,
pondo termo ao sistema internacional do medievo no mesmo passo em que pacificou o continente
europeu com o término da Guerra dos Trinta Anos, se fundou sobre os seguintes princípios
internacionais, a saber: “1. Os sujeitos do direito internacional estão vinculados às normas do direito
internacional consuetudinário que lhes sejam aplicáveis e pelos princípios gerais do direito reconhecidos
pelas nações civilizadas. 2. Podem ser impostas a um sujeito da ordem legal internacional obrigações
internacionais adicionais só com o seu consentimento. 3. O exercício da jurisdição internacional é
exclusivo para cada Estado, a menos que esteja limitado ou excepcionado por normas do direito
internacional. 4. Em certos e especiais casos, os sujeitos do direito internacional podem pretender
jurisdição sobre coisas ou pessoas fora de sua jurisdição territorial. 5. A menos que existam regras
permissivas, a intervenção de um sujeito de direito internacional na esfera da exclusiva jurisdição
doméstica dos outros sujeitos constitui uma ruptura da ordem jurídica internacional” (JOSÉ BREMER,
2013, pp. 66-67).
3 “La Charte des Nations Unies, en second lieu, qui a substitué au “modèle de Wetphalie”, caractérisé par
la force comme principale source de légitimité, le “modèle de la Charte” (ou “droit des Nations Unies”)
qui refuse toute légitimité au recours à la force” (WEIL, 1992, p 28).
4 “The identification, application and enforcement of commonly-shared values and commonly-shared
interests by the modern international legal system presuppose the existence of a community that
postulates certain universal objects and moral imperatives requiring certain actions and compelling the
refraining from others. From there we identify the boundaries that limit the actions of states, impel them
Revista de Direito da Cidade vol. 10, nº 1. ISSN 2317-7721
DOI: 10.12957/rdc.2018.30188
__________________________________________________________________
Revista de Direito da Cidade, vol. 10, nº 1. ISSN 2317-7721 pp. 532-571 534
O estudo do instituto é importante porque, nada obstante a defesa da tese feita pelos
internacional-constitucionalistas segundo de que a sociedade internacional contemporânea já
se constitua em uma Comunidade Internacional5, parecem-nos mais acertadas as afirmações de
Pastor Ridruejo, Thomas Kleinen, Prosper Weil, dentre outros autores, para os quais, de fato,
isso ainda não ocorreu. Para aquele primeiro, a característica mais destacada da sociedade
internacional contemporânea é a de se encontrar numa fase de transição de uma sociedade de
justaposição modelo westfaliano de Estados independentes -, para uma sociedade de
cooperação modelo da Carta -, em que, ao lado dos interesses particulares dos Estados,
passa-se a ter um maior compartilhamento de interesses e valores universais e/ou comuns que
devem ser protegidos não pelo Estado, mas pelos Estados a partir de um regime de cooperação
que tem na juridicização (Direitos Internacionais Especiais), na institucionalização (constituição
de Organizações Internacionais e/ou regimes internacionais) e na jurisdicionalização (sistemas
judiciais ou quase-judiciais de soluções de controvérsias) as suas marcas mais significativas
(PASTOR RIDRUEJO, 2014, p. 48-49).
Já para Kleinen, o que existe, de fato, é uma Comunidade Internacional em potência,
posto que, para sua concretização na facticidade história, deveriam estar presentes os “[...]
elementos centrais da dimensão dogmática da teoria da constitucionalização [...]”, quais sejam
“[...] a hierarquia das normas do direito internacional, o desenvolvimento de uma ordem
universal que objetive a proteção dos bens comuns e a vinculação normativa do exercício das
competências públicas para além do Estado” (KLEINEN, 2012, p. 315).
Nesse sentido, este estado paradoxal de já, mas ainda não restando pensar-se, doutro
polo, se a efetiva constitucionalização da sociedade internacional é, de fato, factível e desejável
(MACEDO, 2016, p. 424) -, tem causado não poucas perplexidades nos estudiosos do Direito
Internacional, pelo que muitos têm apelado ao fato de que, com a queda do muro de Berlim em
to cooperate for the common good and act in the common interest. To argue that this is exclusively a
moralistic approach is to ignore all that which common experience teaches based on the lessons of
justified pragmatic considerations, enlightened self-interest, and prudent judgment. An international
community is not therefore dependent on the existence or even the desirability of a world government”.
(BASSIOUNI, 2006, p. 2).
5 “The international legal order is not the same as it was 66 years ago […] today a community […] would
seem to come closer […] to really than any time before […] States live […] within a legal framework of a
limited number of basic rules which determines their basic rights and obligations with or without their
will […] every State receives its legal entitlement to be respected as a sovereign entity, the constitution of
international society […] community being a term suitable to indicate a closer union than between
members of a society […] Thus, Article 2 (1) of the UN […] Article 38 of the Statute […] Article 26 of the
Vienna Convention […] good faith. All of these principles and rules may be relied upon to identify the
juridical architecture of the international system […]” (TOMUSCHAT, 1993, pp. 211-212).

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT