Advocacia perante os paradigma jurídicos modernos

AutorCarlos Henrique Soares
Ocupação do AutorAdvogado-diretor da pena, Dylan, Soares & Carsalade Sociedade de Advogados.
Páginas193-225
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III.1 - Paradigmas jurídicos modernos
A problemática acerca da participação do advogado como efetiva garan-
tia do contraditório entre as partes no processo jurisdicional gira em torno de
uma disputa de paradigmas de Direito.
Na história do direito moderno, os paradigmas de Direito de maior su-
cesso, e que ainda hoje competem entre si, são os do Direito formal burguês e
do Direito materializado do Estado Social
O termo “paradigma” foi introduzido na discussão epistemológica con-
temporânea, a partir do conceito fornecido por omas Kuhn (1994):
(...) paradigmas são realizações cientícas universalmente reconhecidas
que, durante algum tempo, fornecem problemas e soluções modelares
para uma comunidade de praticantes de uma ciência.80
Como assevera Giovani Reale, o paradigma constitui uma verdadeira
unidade fundamental nas pesquisas cientícas, porque, constitui o critério se-
gundo o qual se acolhem os problemas, justamente enquanto problemas cien-
tícos, e se desenvolvem, consequentemente, as suas soluções. O paradigma
constitui uma verdadeira atividade modeladora, anterior e não redutível in-
teiramente às componentes lógicas, ou seja, às várias leis, regras e teorias, que
podem ser abstraídas e deduzidas delas. Os cientistas não aprendem as leis e
80 CATTONI, Marcelo Andrade de Oliveira. Interpretação jurídica, processo e tutela jurisdi-
cional sob o paradigma do Estado Democrático de Direito. Revista da Faculdade Mineira de
Direito. Belo Horizonte, v. 4, n. 7 e 8, 1o. e 2o. sem. 2001, p. 108.
III
ADVOCACIA PERANTE OS
PARADIGMAS JURÍDICOS MODERNOS
CARLOS HENRIQUE SOARES
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as regras abstratamente, mas junto com o paradigma do qual, posteriormente,
as abstraem. Os paradigmas podem ser anteriores, mais vinculantes e mais
completos do que qualquer conjunto de regras de pesquisa que se possa ine-
quivocamente abstrair deles.81
Lembra Habermas que os paradigmas do direito permitem diagnosticar
a situação e servem de guias para a ação. Eles iluminam o horizonte de deter-
minada sociedade, tendo em vista a realização do sistema de direitos. Nessa
medida, sua função primordial consiste em abrir portas para o mundo. Pa-
radigmas abrem perspectivas de interpretação nas quais é possível referir os
princípios do Estado de direito ao contexto da sociedade como um todo. Eles
lançam luz sobre as restrições e as possibilidades para a realização de direitos
fundamentais, os quais enquanto princípios não saturados, necessitam de uma
interpretação e de uma estrutura ulterior.82
Assim, segundo Marcelo Cattoni, toda atividade humana se dá num con-
texto histórico, pressupõe paradigmas, um pano de fundo de mundos com-
partilhados da vida, que simplesmente não podem ser, em sua totalidade, co-
locados entre parêntesis, por meio de uma atividade de distanciamento ou de
abstração, porque o ser humano não pode se abstrair de si mesmo, não pode
fugir da condição de ser de linguagem; “paradigmas”, “mundos da vida” com-
partilhados são condições para a interpretação, são condições de linguagem.83
Hoje em dia, a doutrina e a prática do direito tomaram consciência de
que existe uma teoria social que serve como pano de fundo. E o exercício da
justiça não pode mais permanecer alheio ao seu modelo social. A própria dou-
trina não pode mais evadir-se da questão acerca do paradigma “correto”. E o
paradigma procurado tem que se adequar à descrição mais apropriada das
sociedades complexas.
Mas adverte Dworkin que os paradigmas xam as interpretações, mas
nenhum paradigma está a salvo de contestação por uma nova interpretação
que considere melhor outros paradigmas e deixe aquele de lado por conside-
rá-lo um equívoco.84 E essa disputa pela compreensão paradigmática correta
81 CATTONI, Marcelo Andrade de Oliveira. Direito Constitucional. Belo Horizonte: Manda-
mentos, 2002, p. 53/54.
82 HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia, entre facticidade e validade. Trad. Flávio Beno
Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997, v. II, p. 181.
83 CATTONI, Marcelo Andrade de Oliveira. Interpretação jurídica, processo e tutela jurisdicio-
nal sob o paradigma do Estado Democrático de Direito. Belo Horizonte: Del Rey, 1998, p. 132.
84 DWORKIN, Ronaldo. O Império do Direito. Trad. Jeerson Luiz Camargo. São Paulo: Mar-
tins Fontes, 1999, p. 89.
ESTATUTO DA ADVOCACIA E PROCESSO CONSTITUCIONAL
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de um sistema jurídico que se reete como parte na totalidade de uma socie-
dade se constitui, no fundo, de uma disputa política.
Tais compreensões paradigmáticas de uma época, reetidas na dinâmica
das ordens jurídicas concretas, referem-se às imagens implícitas que se tem da
própria sociedade; um conhecimento de fundo, um background, que confere
às práticas de fazer e de aplicar o Direito uma comunidade jurídica.
No entanto, adverte Marcelo Cattoni que
a tentativa de se reduzir a complexidade da interpretação jurídica, através
da reconstrução de um paradigma jurídico concreto, que desde o início
já estabeleceria um horizonte histórico de sentido para a prática jurídica,
só retiraria em parte dos ombros do juiz a tarefa hercúlea de pôr em rela-
ção os traços relevantes de uma situação concreta, apreendida de forma a
mais complexa possível, com todo um conjunto de normas em princípio
aplicáveis, pois o reconhecimento de que há paradigmas jurídicos que
informam e conformam a prática leva, hoje, a uma disputa não só jurí-
dica, mas política, acerca de qual entre eles é o adequado à compreensão
do Direito, no contexto histórico percebido de uma sociedade aberta de
intérpretes, a cada situação concreta.85
III.2 - O advogado diante do paradigma do estado liberal
O paradigma liberal, também chamado de paradigma do Estado Liberal, está
calcado em três princípios fundamentais: igualdade, liberdade e propriedade.
Lembra Marcelo Cattoni que, em linhas gerais, a imagem de sociedade
implícita ao paradigma liberal de Direito e de Estado é caracterizada pela bi-
furcação em sociedade civil e sociedade política, representados, respectiva-
mente, pela esfera privada, ou seja, vida individual, família e mercado (traba-
lho e empresa capitalista), e esfera pública, cidadania política, representação
política e negócios de Estado.86
O direito privado estruturou-se como um domínio jurídico sistemati-
camente fechado e autônomo. Sob a premissa da separação entre o Estado e
85 OLIVEIRA, Marcelo Andrade Cattoni de. Direito Constitucional. Belo Horizonte: Manda-
mentos, 2002, p. 85.
86 CATTONI, Marcelo Andrade de Oliveira. Direito Constitucional. Belo Horizonte: Manda-
mentos, 2002, p. 55.

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