Estatuto da advocacia

AutorCarlos Henrique Soares
Ocupação do AutorAdvogado-diretor da pena, Dylan, Soares & Carsalade Sociedade de Advogados.
Páginas23-146
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I.1 - História do advogado
Antes de analisar a participação do advogado como garantia do efetivo
contraditório entre as partes no processo jurisdicional, é necessário tecer algu-
mas considerações sobre a gura do advogado demonstrando em qual contex-
to histórico ele surgiu e como se fez a sua evolução ao longo do tempo.
Advogado é uma palavra que vem do latim advoctus (ad vocare, chamar
para junto). De acordo com Mário de Souza, “a palavra advocatus, entretanto,
só ganhou o signicado atual nos últimos tempos de Roma, designados com o
nome de advocati causidici os prossionais do direito8”.
Gladston Mamede arma que
a palavra advogado chega ao português a partir do latim: advocatus. No
sentido próprio ‘que assiste ao que foi chamado perante a justiça, assis-
tente, patrono (sem advogar, ajudando o réu com sugestões, conselhos,
etc.) (Cícero; Pro Sulla, 81)’; no sentido gurado ‘ajudante, defensor (Tito
Lívio; 26, 48, 10)’. Tem-se, igualmente, a palavra advocatio, carregando
tanto o sentido de ‘assistência, defesa, consulta judiciária (Cícero, Cartas
Familiares; 7, 10, 2)’ quanto ‘reunião, assembleia de defensores (do acu-
sado) (Cícero, Pro Sestio; 119)’ e “prazo (de um modo geral) (Sênega, De
Ira; 1, 18, 1)”. Por m, recorde-se também o verbo advoco que, no sentido
próprio, pode ser compreendido como “chamar a si, convocar, convidar
(Cícero, De Domo sua; 124). Daí, em sentido particular: Chamar como
conselheiro (num processo), chamar em seu auxílio (Cícero, Pro Quinc-
8 Apud FERREIRA, Pinto. Comentários à Constituição Brasileira. 5º vol; arts.127 a 162. São
Paulo: Editora Saraiva, 1992, p. 168.
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tio; 69) ou, ainda, ‘tomar como defensor (na época imperial) (Sênega, De
Clementia; 1, 9, 10)’. Em sentido gurado, ‘apelar para, recorrer a invocar
a assistência (Ovídio, Metamorfoses; 7, 138)’.9
Pinto Ferreira arma que
nos mais primitivos agrupamentos humanos, por certo existiu alguém
que acusava, alguém que defendia e alguém que decidia, porque, eviden-
temente, em toda sociedade alguém há de aparecer, pelo prazer do man-
do, ou pela bondade, para dirimir conitos.10
A etimologia esclarece um pouco sobre o advogado, mas será necessário
uma análise histórico-sociológica para explicar a condição e postura assumida
pelo advogado na sociedade. Onde há ser humano, há sociedade; onde há so-
ciedade, há direito. Nesse sentido, onde há ser humano, há direito.
As sociedade primitivas parecem tender à liderança e ao estabelecimen-
to de regras para a convivência. Com o desenvolvimento dessas sociedades,
tornando-se mais complexas, exigindo de seu integrantes mais estudos para
a compreensão do mundo exterior, também as normas jurídicas saíram do
conhecimento comum para se transformar em ciência, exigindo pessoas cada
vez mais capacitadas para a sua operacionalização.
Nesse contexto, é que surge uma categoria de pessoas especializadas na
compreensão e na operacionalização do Direito, assumindo funções especí-
cas para a composição dos litígios. Surgem os juízes, os acusadores, os defen-
sores, os doutrinadores, etc. Portanto, o advogado, fruto do fenômeno jurídico
da composição de litígios e da inevitável complexização da sociedade, é aquele
prossional que se coloca à disposição dos diversos sujeitos de direitos e deve-
res para representá-los.
O Código de Hamurabi, no século XVIII a.C., já consagrava o desidera-
tum humanista da missão do Advogado e, no seu prólogo e epí logo, constituía
a dimensão de “proclamar o direito no país, para destruir o malvado e o per-
verso, para impedir que o forte oprima os fracos (...) para assegurar o bem-es-
tar do povo e fazer justiça ao oprimido.11
A advocacia, como defesa de pessoas, direitos, bens e interesses nasceu
no terceiro milênio antes de Cristo na Suméria em defesa de uma mulher gra-
9 MAMEDE, Gladson. A advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil. 1. ed. Porto Alegre:
Síntese, 1999, p. 23.
10 BEMFICA, Francisco Vani. O Juiz, O Promotor, O Advogado: seus poderes e deveres. Rio de
Janeiro: Editora Forense, 1983, p. 77.
11 SARAIVA, Paulo Lopo. O advogado não pede. Advoga. Campinas: EDICAMP, 2002, p. 6.
ESTATUTO DA ADVOCACIA E PROCESSO CONSTITUCIONAL
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vemente acusada, segundo fragmento do Código de Manu. De acordo com
ele, sábios em leis poderiam ministrar argumentos e fundamentos para quem
necessitasse defender-se perante autoridades e tribunais. No antigo Testamen-
to recolhe-se idêntica tradição entre os judeus. Na Judeia, a função de advogar
era atribuída aos sábios, que também eram consultores.
No Egito, proibiam-se as alegações oratórias, para que as artes persuasó-
rias e os usos retóricos do defensor não inuíssem nos juízes. Há quem localize
na Grécia antiga, especialmente em Atenas, o berço da advocacia, quando a
defesa dos interesses das partes, por grandes oradores como Demóstenes, Pé-
ricles, Isócrates, se generalizou e se difundiu. Tais hipóteses, no entanto, não
conguram a existência de uma prossão, de uma atividade prossional per-
manente e reconhecida.12
Não temos elementos sucientes para que possamos traçar as origens da
prossão de advogado. Hipótes es e conjecturas, mais ou menos razoáveis, po-
dem formular, atendendo ao desenvolvimento do processo, devendo-se po-
rém, repelir a armativa de que a prossão de advogado surgiu com o primeiro
tribunal e com o primeiro processo.
Nesse sentido, são as palavras de Aureliano Gusmão transcritas por Se-
bastião de Souza:
Vem de remotas eras a nobilíssima e delicada prossão de advogado. Em
vão porém, se tentaria precisar, no tempo ou no espaço, o momento ou o
lugar do seu primeiro aparecimento.
É falsear a verdade histórica armar, com Saredo, que a advocacia é ‘uma
instituição necessariamente contemporânea’ do primeiro tribunal e do pri-
meiro processo.13 (Grifos nossos)
Certo é que, num primeiro momento das histórias romana e grega, as
partes litigantes deveriam comparecer pessoalmente perante o juiz, sendo
mesmo vedado o comparecimento por procurador – nemo alieno nomine lege
agere potest.14
Mário Guimarães de Souza, apoiado em Gucheval e Boucher d’Argis,
conta-nos que na Grécia, a própria parte, depois de prestar juramento sobre as
entranhas de um javali, deveria se defender perante o Areópago, de conformi-
dade com as leis de Sólon.
12 LÔBO, Paulo Luiz Neto. Comentários ao Novo Estatuto da Advocacia e da OAB. Brasília:
Brasília Jurídica, 1994, p. 18/19.
13 SOUZA, Sebastião de. Honorários de Advogado. Rio de Janeiro: Livraria Jacinto, 1941, p. 24.
14 SOUZA, Sebastião de. Honorários de Advogado. Rio de Janeiro: Livraria Jacinto, 1941, p. 25.

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