O direito da criança e do adolescente à convivência comunitária: o ministério das cidades na institucionalização das políticas públicas de combate à segregação socioespacial urbana

AutorBenedicto de V. L. G. Patrão
CargoMestrando em Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ

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Recebido em 25|06|2009 | Aprovado em 20|10|2009

1 Introdução

Constituindo uma interseção imperativa com o Direito à Convivência Familiar1, que pode ser caracterizado como sendo o direito intersubjetivo da criança e do adolescente ao convívio familiar, seja pela manutenção do vínculo com sua família ou - quando isto se mostrar não aconselhável - pelo incentivo à convivência com uma substituta, o Direito à Convivência Comunitária igualmente está previsto no artigo 19 do Estatuto da Criança e do Adolescente e no artigo 227 da Constituição Federal 2. Na busca de seu signifi cado, o convívio da criança e do adolescente não deve ocorrer somente no ambiente em que os componentes do núcleo familiar estão presentes, mas necessita se estender aonde se encontram os demais membros da comunidade, como forma de fomentar o sentimento de pertencimento3 frente a uma determinada realidade espacial.

Especificamente em relação à convivência na urbe, a expressão "espaço público urbano", utilizada no decorrer do presente artigo, será adotada para identifi car os espaços tradicionais de uso comum nas cidades, tais como ruas, praças, calçadas, e parques. São nestes espaços de convivência social que a criança e o adolescente, ao interagirem com outras e também com adultos de diferentes crenças, etnias e classes sociais, aprendem a se relacionar e a respeitar as regras de convívio, em especial a solidariedade. Por isso, assim como a proteção do espaço doméstico é de suma importância para a efetivação do Direito à Convivência Familiar, a coexistência da criança e do adolescente no espaço "exofamiliar", sob o fundamento de que tal inter-relacionamento propicia o pleno desenvolvimento de suas potencialidades4, também ganha igual e especial relevância.

Neste aspecto, a busca pelo usufruto equitativo do ambiente urbano, alcançado pela tutela dos elementos que compõem o "direito à cidade" 5, afiançará o ideal de convívio

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articulado de ambos os lados da "cidade partida". Para tanto, a criação do Ministério das Cidades, ao ocupar um vazio institucional que retirava o Governo Federal da discussão sobre a política pública e o destino dos centros urbanos, pode ser considerada uma importante iniciativa na mitigação dos fatos impeditivos da fruição do espaço, inaugurando um novo padrão no planejamento das cidades.

É sob este aspecto, portanto, que o presente trabalho será desenvolvido. Para tanto, considerando que a segregação socioespacial constitui um dos fatores impeditivos para a utilização do espaço público e, conseqüentemente, para a efetividade do Direito à Convivência Comunitária da Criança e do Adolescente, será analisado o papel do Ministério das Cidades na institucionalização das políticas públicas de combate às questões urbanas.

2 Problemas urbanos: a segregação sócioespacial da criança e do adolescente

O espaço, em especial o urbano, de uso público e multifuncional6, ganha relevante destaque na formação da criança e do adolescente, de tal modo que, estando impedidos de freqüentar o ambiente comunitário, em razão da desordem citadina7, os mesmos deixam de observar as mudanças que ocorrem na cidade como um todo. Isto tem efeitos devastadores na própria dinâmica urbana, pois se deve entender e sentir a cidade através de seus espaços de uso comum8, de tal forma que, quanto mais diversifi cada for a utilização dos logradouros, praças, calçadas e parques, através da apropriação do local público9, mais seguro e propício à convivência os mesmos se tornam10.

Contudo, o que seria especificamente o Direito da Criança e do Adolescente à Convivência Comunitária ? Na buscar de seu signifi cado, verifica-se que o convívio da criança e do adolescente não deve ocorrer somente no ambiente em que os componentes do núcleo

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familiar estão presentes, mas espraiado nos diversos locais de convivência (preferencialmente públicos), em que se encontram os demais membros da comunidade.

A intenção do legislador constitucional, portanto, foi destacar a importância de serem criadas condições favoráveis para a coexistência da criança e do adolescente no espaço (especialmente o público-urbano), sob o fundamento de que tal inter-relacionamento (criança e adolescente/espaço urbano) propiciaria o pleno desenvolvimento de suas potencialidades11. Por isso, assim como a proteção do espaço doméstico é de suma importância para a efetivação do Direito à Convivência Familiar, a coexistência da criança e do adolescente no espaço "exofamiliar", também ganha igual e especial relevância, conforme ensina CLÁUDIA OLIVEIRA12:

É trabalhando o corpo no espaço público que a criança conhece e participa da dinâmica do viver na cidade, do encontro com a natureza. Na relação com esse espaço ela aprende a medir, em cada movimento, distância, força e velocidade. A cultura da sociedade é aprendida pela criança no espaço e no tempo por observação e imitação, brincando, trocando experiências, criando vínculos com outras crianças e com adultos de diversas classes sociais, eliminando barreiras segregacionistas, desenvolvendo a solidariedade e promovendo a socialização. Estes espaços precisam ser estimulantes, vivos, com diversos tipos de materiais, cores, alturas, formas e texturas. O ambiente prazeroso propicia a socialização. Num espaço adequado, as crianças se sentirão respeitadas enquanto suas usuárias e futuras cidadãs e também o respeitarão, pois ele é o seu espaço. Um espaço público bem projetado criará nas crianças o gosto pela cidade.

No caso das cidades, deve-se destacar a importância de serem criadas condições favoráveis para o usufruto eqüitativo do ambiente de convivência, por meio de políticas públicas voltadas para tal fi m. Para tanto, o Poder Público necessita propiciar, dentre outras, melhorias nas condições de mobilidade urbana entre os diversos espaços públicos existentes na cidade, na medida em que a convivência em ambientes diversos e multifuncionais, sob a ótica da criança e do adolescente, estimula os sentidos e o movimento, enriquecem a mente e a criatividade, permitem o contato com a natureza e com outras pessoas.

Atualmente, contudo, nem todos vivenciam a atmosfera pública, fazendo com que os gestores urbanos, responsáveis em fornecer espaços sustentáveis, desempenhem importante papel no processo de formação da criança e do adolescente. Verifi camos, neste sentido, que são nas grandes cidades que a criança e o adolescente, inseridos nas classes sociais mais elevadas, já não utilizam adequadamente o espaço público, há muito substituído pelos segregados ambientes privados dos condomínios fechados, denominados de gated communities, ou clubes recreativos de classe média, que acarretam mudanças na percepção e exploração do território. De forma ainda mais insalubre, por óbvio, os menores das camadas menos favorecidas comumente habitam o interior de guetos urbanos "favelizados", não raro incrustados nos bairros "nobres" das grandes cidades ou

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localizados nas periferias, desprovidos dos investimentos públicos mínimos, imprescindíveis para a adequada construção do espaço de convivência.

Para Edésio Fernandes, este último fenômeno pode ser assim descrito:

Na maioria dos casos, a exclusão social tem correspondido também a um processo de segregação territorial, já que os indivíduos e grupos excluídos da economia urbana formal são forçados a viver nas precárias periferias das grandes cidades, ou mesmo em áreas centrais que não são devidamente urbanizadas. Dentre outros indicadores da poderosa combinação entre exclusão social e segregação territorial -mortalidade infantil; incidência de doenças; grau de escolaridade; acesso a serviços, infra-estrutura urbana e equipamentos coletivos; existência de áreas verdes, etc. -, dados recentes indicam que cerca de 600 milhões de pessoas nos países em desenvolvimento vivem atualmente em situações insalubres e perigosas. Exclusão social e segregação territorial têm determinado a baixa qualidade de vida nas cidades, bem como contribuído diretamente para a degradação ambiental e para o aumento da pobreza na sociedade urbana.13"

Ao não possibilitar a revitalização e a readequação dos espaços públicos para a convivência da criança e do adolescente, as questões urbanas - dentre elas algumas que formam o tripé estruturante da problematização que o Ministério das Cidades está...

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