Amazônia e acesso à justiça em tempos de pandemia

AutorSandro Nahmias Melo e Igo Zany Nunes Corrêa
CargoJuiz do Trabalho Titular ? TRT da 11a Região/Juiz do Trabalho Substituto do TRT da 11a Região AM/RR
Páginas139-154
REVISTA TRABALHISTA DIREITO E PROCESSO — ANO 19 — N. 63
139
Amazônia e acesso à justiça
em tempos de pandemia
Sandro Nahmias Melo(*) e Igo Zany Nunes Corrêa(**)
Resumo:
Amazônia brasileira, um mar de orestas entrecortado por rios que parecem não ter m;
terra de difícil acesso e tantos outros difíceis estruturais. A presença estatal, dos órgãos
públicos, nas localidades de difícil acesso é inversamente proporcional à pujante diversi-
dade de fauna e ora. Noutro giro, o Poder Judiciário, em especial a Justiça do Trabalho,
tem avançado no processo de informatização de seus serviços, pautado na ideia de faci-
litação do acesso ao seu usuário. Assim, temos um paradoxo: uma Justiça cada vez mais
acessível, mas que, sem investimentos adequados, não é acessível para os excluídos digitais
amazônidas. Defende-se, neste ensaio, que o trabalhador amazônida, habitante de região
de difícil acesso, não pode ter seu direito de acesso à justiça, inviabilizado, negado, em
função de problemas estrutuais do Estado-Juiz. Ao contrário, este direito fundametal deve
ser exercido, mediante investimento estatal, com superação destes obstáculos técnicos e
estruturais.
Palavras-chave:
Amazônia — Acesso à Justiça — Justiça do Trabalho — Justiça itinerante — Pandemia
— Covid-19.
Abstract:
Brazilian Amazon, a sea of forests intersected by rivers that seem to have no end; hard-to-
reach land and so many other structural hardships. e state presence of public agencies
in locations that are dicult to access, however, is inversely proportional to the thriving
diversity of fauna and ora. In another round, the Judiciary, especially the Labor Justice, has
advanced in the process of computerization of its services, based on the idea of facilitating
access to its users. us, we have a paradox of an increasingly accessible Justice, but which,
without adequate investments, is not accessible for the digitally excluded Amazon. In this
essay, it is argued that the Amazonian worker, inhabitant of a dicult-to-access region,
(*) Juiz do Trabalho Titular – TRT da 11a R egião. Mestre e
Doutor em Direito das Relações Sociais pela PUC-SP. Pro-
fessor Adjunto da Universidade do Estado do Amazonas
(Graduação e Mestrado). Membro da Academia Brasileira
de Direito do Trabalho (cadeira 20). Presidente da Associa-
ção dos Magistrados da Justiça do Trabalho da 11a Região
– AM e RR (Biênios 2015-2017 e 2019-2021).
(**) Juiz do Trabalho Substituto do TRT da 11a Região
AM/RR. Mestrando em Constitucionalismo e Direitos na
Amazônia pelo Programa de Pós-Graduação em Direito da
Universidade Federal do Amazonas. Professor Especialista
em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho. Membro/
Pesquisador do Observatório de Direito Socioambiental e
Direitos Humanos na Amazônia — ODSDH/AM.
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REVISTA TRABALHISTA DIREITO E PROCESSO — ANO 19 — N. 63
1. Introdução
Amazônia, florestas e rios sem fim, de
um lado. Poder Judiciário, ações e processos
judiciais virtuais, de outro. Elementos que,
em princípio, parecem não combinar, não
harmonizar, difícil até visualizar. O direito
de acesso à Justiça, entretanto, não pode ser
negado, demanda do Estado estruturação; com
base nas diculdades geográcas não pode ser
esvaziada a jurisdição. Sigamos com esta ideia
neste ensaio, agora sem rima então.
Enfrente-se, desde logo, um fato. O efetivo
exercício do direito de acesso à Justiça na
Amazônia Ocidental remete a um roteiro de
Spielberg: orestas tropicais, estradas improvi-
sadas, barcos regionais, rios caudalosos, piratas
uviais, aviões teco-teco e... um “Juiz-Indiana
J o n e s ”.
Não de outra forma, o exercício do direito
de acesso à Justiça neste local é oportunizado
mediante esforço hercúleo de todos os atores
envolvidos (Poder Judiciário e dos litigantes),
incluindo-se aqui a própria reinvenção e adap-
tação dos paradigmas gerais e estruturais, a
exemplo da justiça itinerante que busca superar
as barreiras geográficas e socioambientais,
através do deslocamento estruturas físicas e de
pessoal em barcos regionais e aeronaves de pe-
queno porte da década de 1970, em verdadeira
“aventura” em estradas improvisadas dentro da
oresta amazônica e em rios — os maiores do
mundo — que demandam viagens de vários
dias entre as cidades.
Isto se dá, porque o Estado do Amazonas
é o maior em área territorial do país, com
1.559.161,682 km2, dimensões que abrigariam
países da Europa como França, Espanha,
Suécia e Grécia(1), além de ser banhado pelo
Rio Amazonas, maior rio em volume de água
do mundo, com curso calculado em 6.300 km
e que junto com seus auentes se tornou a
principal rota de escoamento de mercadoria
e transporte de passageiros(2).
Tais condições de deslocamento são agrava-
das em tempos de pandemia, considerando-se
(1) AMAZONAS. Dados do IBGE, 2010. Disponível em:
<http://www.amazonas.am.gov.br/ o-amazonas/dados/>.
Acesso em: 16 jun. 2020.
(2) AMAZONAS. Disponível em: <http://www.amazonas.
am.gov.br/o-amazonas/dados/>. Acesso em: 10 jul. 2020.
cannot be denied his right of access to justice, due to structural problems of the Judge
State. On the contrary, this fundamental right must be exercised, through state investment,
overcoming these structural obstacles.
Key-words: Amazon — Access to justice — Work justice — Itinerant Justice — Pandemia
— Covid-19.
Índice dos Temas:
1. Introdução
2. Amazônia ocidental e sua topograa
3. A Justiça do Trabalho na Amazônia
4. Acesso à Justiça: Direito Fundametal
4.1. Justiça itinerante e o desao estrutural
4.2. Pje e o necessário Jus postulandi
5. A pandemia da Covid-19, as audiências telepresenciais e demais atos processuais
6. Considerações nais
7. Referências
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