Análise Crítica do Código de Ética da Magistratura Nacional

AutorBóris Luiz Cardozo de Souza
Páginas22-37

Page 22

A Emenda Constitucional n. 45/2004 trouxe significativas alterações no panorama jurídico e institucional do Poder Judiciário, inserindo como órgão deste Poder o Conselho Nacional de Justiça (arts. 92, I-A e 103-B da Constituição Federal) com competência para exercer o controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes.

Este Conselho desde sua criação editou mais de 100 (cem) resoluções exercendo efetivamente o controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário, buscando fazer com que este Poder da República seja realmente um Poder uno, mesmo com sua atuação ocorrendo em diversos ramos.

Por certo que essa sanha positivista, característica de nosso sistema legal (no mesmo período foram publicadas mais de 1800 Leis Ordinárias Federais, 35 Leis Complementares Federais e 27 Emendas Constitucionais), trouxe boas medidas para organização administrativa e financeira do Poder Judiciário, fazendo com que o CNJ fosse visto muitas vezes pela sociedade, e também pelos Juízes de 1º Grau,

Page 23

como um verdadeiro bastião da moralidade administrativa, assegurando que as administrações dos Tribunais pudessem agir de maneira imparcial e impessoal, resgatando seus esforços para realização de sua atividade-fim: entrega da prestação jurisdicional célere e justa.

Por outro giro, considerando a amplitude e a repercussão midiática de suas decisões, percebe-se, por vezes, que o referido Conselho, ao exercer suas atribuições regulamentares, extrapola suas competências, passando a efetivamente legislar sobre matérias que somente poderiam ser trazidas ao ordenamento jurídico pelo Congresso Nacional por meio do processo legislativo clássico que também sofre limitações quanto à iniciativa de algumas matérias.

Nesse passo, em algumas situações, normas regulamentares exaradas pelo Conselho Nacional de Justiça, ao nosso sentir, padecem tanto de inconstitucionalidades formais quanto materiais, motivo pelo qual devem ser analisadas com muita parcimônia as normas provenientes do CNJ.

Este trabalho tem o propósito de analisar se essa linha tênue das atribuições regulamentares do CNJ foi observada na elaboração do Código de Ética da Magistratura Nacional aprovado na 68ª Sessão Ordinária do Conselho Nacional de Justiça, realizada do dia 6 de agosto de 2008.

Vale ser dito, por ser óbvio, que um Código de Ética para um dos três Poderes que compõem a estrutura da República sempre é bem-vindo, pois este tipo de manual de conduta visa nortear os agentes públicos sobre os valores a serem observados no dia a dia de sua atividade profissional, de forma que os, em última instância, empregados da sociedade jamais se afastem dos princípios norteadores de todo servidor público.

Todavia, a análise deste "diploma legal" não pode ser feita sem se ter em mente que o referido código trata-se mais de uma carta de princípios éticos balizadores das condutas dos integrantes do Poder Judiciário do que de um instrumento impositivo de ações, não podendo este Código de Ética impor obrigações que, caso descumpridas, tenham o condão de tornas passiveis de sanções os magistrados.

Diante dessas conclusões, recorrentemente, surge uma pergunta: afinal, quais são os padrões éticos mínimos que são esperados de um magistrado?

Ao meu sentir, além da observância dos princípios regentes de toda a Administração Pública insculpidos no art. 37 da Constituição Federal (legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência), penso que todo magistrado deve garantir para a sociedade que todo e qualquer cidadão será julgado por um juiz independente e imparcial, conforme estabelecido pelos Princípios de Bangalore de Conduta Judicial .

E quais são esses "princípios de conduta judicial"? O que é o chamado Código de Bangalore?

Page 24

Na esteira do que foi argumentado até este ponto, os Princípios de Bangalore sobre a Conduta Judicial estabelecem como valores a serem observados por todo magistrado os seguintes aspectos: independência; imparcialidade, integridade, idoneidade, igualdade, competência e diligência.

Estes parâmetros, segundo o excelente trabalho elaborado pelo Conselho da Justiça Federal denominado Comentários aos Princípios de Bangalore de Conduta Judicial, foram estabelecidos pelos Princípios de Conduta Judicial de Bangalore que é um projeto de Código Judicial em âmbito global, elaborado com base em outros códigos e estatutos, nacionais, regionais e internacionais, sobre o tema, dentre eles a Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU que prevê como princípio de aceitação geral pelos Estados-Membros, o direito de todo ser humano ter um julgamento igualitário, justo e público, por tribunal independente e imparcial.

O trabalho para o estabelecimento destes princípios foi realizado por um Grupo de Integridade Judicial composto por membros de cortes superiores e juízes seniores, tendo por objetivo "debater o problema criado pela evidência de que, em vários países, em todos os continentes, muitas pessoas estavam perdendo a confiança em seus sistemas judiciais por serem tidos como corruptos ou imparciais em algumas circunstâncias".

Aquele grupo levou em conta o fato de que o Poder Judiciário é sempre um dos três pilares da democracia e o último refúgio do cidadão contra leis injustas e decisões arbitrárias, razão pela qual necessário se faz que este Poder seja resguardado contra eventuais desconfianças com relação a sua atuação, de modo que o jurisdicionado veja-o como um órgão capaz de aplicar leis e regras preestabelecidas a quem quer seja, de maneira independente e impessoal, sem ingerência de poderes governamentais ou de forças econômicas e/ou de qualquer outra espécie.

O texto apresentado por esse pelo Grupo de Integridade Judicial teve por escopo sistematizar regras centrais de comportamento pessoal e profissional para juízes tanto do common law como da tradição continental e orientar o aperfeiçoamento das legislações domésticas sobre esse assunto.

E o Código de Ética da Magistratura Nacional, como se enquadra nesse cenário?

No tocante ao Código de Ética da Magistratura Nacional, editado pelo CNJ por intermédio da Resolução n. 60 daquele Conselho, resta-nos dizer que, apesar de repleto de boas intenções, o texto normativo apresentado por aquele Conselho tem, ao menos, uma falha principiológica inaceitável e um defeito técnico insuperável.

Com relação à falha principiológica, não há como deixar de ser notado o fato de que os integrantes da Corte Maior, integrantes da Magistratura Nacional, não são obrigados a observar os padrões éticos estabelecidos Código de Ética da Magistratura Nacional.

Isso porque é pacífico na jurisprudência que os membros do STF não se submetem às decisões e atos normativos do CNJ (MS n. 27.222 - STF), estando assim,

Page 25

portanto, desobrigados a observar o Código de Ética elaborado pelo Conselho Nacional de Justiça.

Esta situação cria, no mínimo, um paradoxo e uma situação desconfortável, pois os integrantes da mais alta Corte do País, contrariamente aos demais Órgãos do Poder Judiciário, são quem estabelecem quais os padrões éticos que seguirão.

Ora, se é verdade, e assim deveria ser, que não existe hierarquia entre os juízes e que o Poder Judiciário é uno, como pode determinado grupo de juízes não estar submetido a um código de condutas que tem a pretensão de impor um mínimo padrão ético a todos os magistrados do país?

Ao meu sentir, essa dicotomia acaba por diminuir a força principiológica do Código de Ética da Magistratura Nacional, pois um ato normativo que tem por objetivo estabelecer qual a conduta que se espera dos magistrados, órgãos do Poder Judiciário, somente terá a dimensão pretendida se for aplicado para todos os juízes do país, pois a conduta ética não deve e não pode ser modificada de acordo com a esfera de atuação de cada magistrado.

Dito de outra forma, a conduta ilibada e ética, pré-requisito para o exercício da magistratura, deve ser exigida tanto do Juiz Substituto que acaba de tomar posse, como dos ministros do Supremo Tribunal Federal, de maneira que todos os integrantes do Poder Judiciário estejam submetidos às mesmas normas de conduta.

No que se refere ao dito insuperável defeito técnico do Código de Ética da Magistratura Nacional, percebe-se que o art. 40 do referido Código estabelece serem complementares aos deveres funcionais dos juízes emanados da Constituição Federal, do Estatuto da Magistratura e das demais disposições legais, as obrigações impostas por tal norma administrativa.

Ora, com todas as vênias devidas, não resta dúvida que, ao constar o dispositivo mencionado (art. 40 do CEMN), houve extrapolação das funções do Conselho Nacional de Justiça por invadir competência legislativa do Congresso Nacional, que nesse caso somente poderia ser exercida para deliberação de projeto de lei sobre esse tipo de matéria após iniciativa do Supremo Tribunal Federal (art. 93 da CRFB), pois restou claro na análise do citado dispositivo a intenção do referido Código de Conduta: estabelecer deveres funcionais aos magistrados.

Essa constatação, além de caracterizar um desvirtuamento da função de um código de conduta que, como dito anteriormente, deve servir como uma carta de princípios éticos balizadores das condutas dos integrantes do Poder Judiciário e não como um instrumento para impor obrigações, ainda macula o texto com inconstitucionalidade formal (pois se trata de ato legislativo em desconformidade com normas de competência e os procedimentos estabelecidos para o seu devido ingresso no ordenamento jurídico) e material (pois estabelece obrigações e vedações outras além daquelas constantes no art. 93 e no parágrafo único do art. 95, ambos da CRFB).

De toda sorte, mesmo com...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT