Duração Razoável do Processo e Aplicação Subsidiária do Código de Processo Civil ao Processo do Trabalho

AutorMauro Schiavi
Páginas141-153

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A partir do constitucionalismo social, que se inicia após a 2a Guerra Mundial, os direitos humanos passam a figurar de forma mais contundente e visível nas Constituições de muitos países, entre os quais o Brasil. Esses direitos humanos, quando constantes do texto constitucional, adquirem o status de direitos fundamentais, exigindo uma nova postura do sistema jurídico, com primazia dos princípios.

Como bem advertiu José Joaquim Gomes Canotilho:

O direito do Estado de direito do século XIX e da primeira metade do século XX é o direito das regras dos códigos; o direito do Estado constitucional e de direito leva a sério os princípios, é o direito dos princípios [...] o tomar a sério os princípios implica uma mudança profunda na metódica de concretização do direito e, por conseguinte, na atividade jurisdicional dos juízes.1

Diante disso, há, na doutrina, tanto nacional como estrangeira, uma redefinição dos princípios, bem como suas funções no sistema jurídico. Modernamente, a doutrina tem atribuído caráter normativo dos princípios (força normativa dos princípios), vale dizer: os princípios são normas, atuando não só como fundamento das regras

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ou para suprimento da ausência legislativa, mas para ter eficácia no ordenamento jurídico como as regras positivadas.

Os princípios constituem diretrizes fundamentais, sistema com caráter normativo, podendo estar presentes nas regras ou não, de forma abstrata ou concreta no ordenamento jurídico, com a função de ser o fundamento do sistema jurídico e também mola propulsora de sua aplicação, interpretação, sistematização e atualização do sistema.

Não obstante, não pensamos serem os princípios absolutos, pois sempre que houver confiitos entre dois princípios na hipótese concreta, deve o intérprete guiar-se pela regra de ponderação, sacrificando um princípio em prol de outro que se encaixa com maior justiça e efetividade ao caso concreto. De outro lado, os princípios têm prevalência sobre as regras.

Com o término da 2ª Guerra Mundial começa um processo denominado constitucionalização do direito, em que a legislação infraconstitucional passa a ser compreendida e analisada a partir da Constituição Federal. Muitos direitos que antes estavam apenas disciplinados em lei ordinária migraram para o texto constitucional, acarretando alargamento do espaço constitucional e restrição ao legislador infraconstitucional.

De outro lado, muitos direitos humanos, previstos em tratados internacionais, passaram a figurar no texto constitucional, adquirindo, segundo a doutrina, status de direitos fundamentais, que são oponíveis pela pessoa em face do Estado, cumprindo também a este promover e concretizar os direitos humanos.

Já há reconhecimento, na doutrina e também na jurisprudência, da existência do direito constitucional processual2, que se compõe dos princípios e institutos fundamentais do Direito Processual, disciplinados na Constituição Federal, preponderantemente em seu art. 5º e também nos arts. 93 e ss. que traçam a estrutura do Poder Judiciário.

O direito constitucional processual irradia seus princípios e regras ao processo do trabalho. Desse modo, atualmente, os princípios e regras do Direito Processual do Trabalho devem ser lidos em compasso com os princípios constitucionais do processo, aplicando-se a hermenêutica da interpretação conforme a Constituição. Havendo, no caso concreto, choque entre um princípio do processo do trabalho previsto em norma infraconstitucional e um princípio constitucional do processo, prevalece este último.

Como bem adverte Eduardo Cambi:

A derrota dos regimes totalitários também evidenciou a necessidade de criação de mecanismos efetivos de controle da constituição, por intermédio

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do aperfeiçoamento, especialmente pelos institutos de direito processual, da jurisdição constitucional. Em um contexto mais amplo, o estudo concreto dos institutos processuais, a partir da constituição, inaugura uma nova disciplina denominada de direito processual constitucional. Está preocupada, de um lado, com a tutela constitucional do processo, a qual incluiu o direito de acesso à justiça (ou de ação e de defesa) e o direito ao processo (ou as garantias do devido processo legal), e, de outro lado, com a jurisdição constitucional.3

Os princípios constitucionais do processo constituem direitos fundamentais do cidadão, por constarem no rol do art. 5º que trata dos direitos individuais fundamentais (art. 60, § 4º, da CF) e são postulados básicos que irradiam efeitos em todos os ramos do processo, bem como norteiam toda a atividade jurisdicional. Tais princípios constituem o núcleo de todo o sistema processual brasileiro. Esses princípios orientam não só a aplicabilidade das regras do Direito Processual, mas também determinam a aplicação e interpretação das regras do Direito Processual previstas na lei infraconstitucional. Além disso, os princípios constitucionais processuais também impulsionam a atualização da legislação processual por meio de interpretação.

Diante do exposto, conclui-se:

(a) os princípios constitucionais do processo infiuenciam todos os ramos da ciência processual;

(b) a interpretação da lei processual deve estar em compasso com os princípios constitucionais do processo;

(c) o Direito Processual do Trabalho, por ser um ramo da ciência processual, deve ser aplicado e interpretado à luz da Constituição Federal.

Tecidas as considerações acima, passamos a enfrentar a dimensão do princípio constitucional da duração razoável do processo e suas implicações no processo trabalhista.

Assevera o art. 5º, LXXVIII, da CF:

A todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.

Trata-se de princípio inserido como uma garantia fundamental processual a fim de que a decisão seja proferida em tempo razoável. Dizia Carnellum i que o tempo é

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um inimigo no processo, contra o qual o juiz deve travar uma grande batalha. Para Rui Barbosa, a "justiça tardia é injustiça manifesta".

Não se trata de regra apenas programática, mas sim de um princípio fundamental que deve nortear toda a atividade jurisdicional, seja na interpretação da legislação, seja para o próprio legislador ao editar normas. A eficácia deste princípio é imediata nos termos do § 1º do art. 5º da CF4, não necessitando de lei regulamentadora.

No processo do trabalho, a necessidade de tramitação célere das causas se potencializa em razão: a) da natureza alimentar da maioria das verbas trabalhistas postuladas; b) da hipossuficiência do trabalhador; c) da justiça social. Nesse sentido é o art. 765 da CLT, in verbis.

Os Juízos e Tribunais do Trabalho terão ampla liberdade na direção do processo e velarão pelo andamento rápido das causas, podendo determinar qualquer diligência necessária ao esclarecimento delas.

A duração razoável do processo deve ser avaliada no caso concreto, segundo o volume de processos em cada órgão jurisdicional, a quantidade de funcionários, condições materiais e quantidade de magistrados. Não obstante, devem os Poderes Executivo e Legislativo aparelhar o Judiciário com recursos suficientes para que o princípio seja efetivado.

De outro lado, o princípio da duração razoável deve estar em harmonia com o contraditório, o acesso à justiça e a efetividade e justiça do procedimento, buscando uma decisão justa e razoável do confiito. Por isso, a duração razoável do processo não pode ser justificativa para se encurtar o rito processual ou para que sejam indeferidas diligências probatórias pertinentes ao deslinde do feito. Na verdade, o que se busca, segundo a doutrina, é um processo sem dilações indevidas, ou seja, que observe o contraditório, ampla defesa e o devido processo legal, mas que prime pela celeridade do procedimento, diminua a burocracia processual, elimine as diligências inúteis e esteja cada vez mais acessível ao cidadão.

Sob outro enfoque, o juiz, como condutor do processo, deve sempre ter em mente que este deve tramitar em prazo compatível com a efetividade do direito de quem postula e buscar novos caminhos e interpretação da lei no sentido de materializar este mandamento constitucional. Em razão disso, atualmente, a moderna doutrina vem defendendo um diálogo maior entre o processo do trabalho e o processo civil, a fim de buscar, por meio de interpretação sistemática e teleológica, os benefícios obtidos na legislação processual civil e aplicá-los ao processo do trabalho. Não pode o juiz do trabalho fechar os olhos para normas de Direito Processual Civil mais efetivas que a Consolidação das Leis Trabalhistas, e omitir-se sob o argumento de que a legislação processual do trabalho não é omissa, pois estão em jogo interesses muito maiores que a aplicação da legislação processual trabalhista e sim a importância do...

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