O animal como membro da família e detentor do direito de moradia comum: uma abordagem sobre a ilegalidade das normas condominiais

AutorHeitor Moreira de Oliveira, Paulo Cezar Dias
CargoMestre em Direito pelo Centro Universitário Eurípedes de Marília ? UNIVEM; Juiz de Direito no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo / Pós-Doutor pela Faculdade de Direito de Coimbra; Doutor em Direito pela Faculdade de Direito de São Paulo ? FADISP
O ANIMAL COMO MEMBRO DA FAMÍLIA E DETENTOR DO DIREITO DE MORADIA
COMUM: UMA ABORDAGEM SOBRE A ILEGALIDADE DAS NORMAS CONDOMINIAIS
THE ANIMAL AS A FAMILY MEMBER AND COMMON HOUSING RIGHT HOLDER: AN
APPROACH ON THE ILLEGALITY OF CONDOMINIUM RULES
DOI:
Heitor Moreira de Oliveira
Mestre em Direito pelo Centro Universitário
Eurípedes de Marília UNIVEM; Juiz de Direito
no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
EMAIL: heitor.ufg@gmail.com
ORCID: https://orcid.org/0000-0003-2592-1183
Paulo Cezar Dias
Pós-Doutor pela Faculdade de Direito de Coimbra;
Doutor em Direito pela Faculdade de Direito
de São Paulo FADISP
EMAIL: paulo.dias@univem.edu.br
ORCID: https://orcid.org/0000-0001-6315-7521
RESUMO: Este artigo tem por objetivo investigar o entendimento jurisprudencial acerca dos
direitos dos animais não-humanos membros da unidade familiar multiespécie quando são
habitantes de condomínios edilícios. Mais especificamente, o objetivo é verificar a (i n)validade
jurídica das normas e/ou decisões convencionais (ou unilaterais dos síndicos) que proíbem, de
modo genérico, a livre circulação dos animais de companhia nas áreas comuns. A pesquisa é
de natureza qualitativa e documental. Para o enfrentamento do tema, buscou-se examinar
sentenças e acórdãos prolatados no âmbito do Poder Judiciário do Estado de São Paulo, o que
se deu por meio de pesquisa pela ferramenta de busca disponível no portal do Sistema de
Automação da Justiça (e-SAJ), bem como de julgados do Superior Tribunal de Justiça. Os dados
empíricos foram cotejados com fontes teóricas oriundas da bibliografia referente ao tema. Ao
final, conclui-se que, como qualquer membro da família, os animais têm o di reito fundamental
à moradia junto ao seu núcleo familiar e de usufruir das áreas comuns dos condomínios
edilícios (elevadores, escadarias, corredores, etc.), o que vem sendo cada vez mais
reconhecido e afirmado pelo Poder Judiciário brasileiro.
PALAVRAS-CHAVE: Animais de estimação; Condomínios edilícios; Especismo; Família
multiespécie; Livre circulação nas áreas comuns.
ABSTRACT: This paper aims to investigate the jurisprudential understanding about the rights of
non-human animals members of the multispecies family unit when they are residents of
building condominiums. More specifically, it aims to verify the legal (in)validity of the norms
and/or conventional decisions (or unilateral decisions of the trustees) that generally prohibit
the free movement of pets in common areas. This is a qualitative and documental nature
research. In order to deal with the issue, we sought to examine sentences and rulings issued
within the scope of the São Paulo State J udiciary, which was done through research using the
search tool available on the Justice A utomation System portal (e-SAJ), as well as the Superior
Court of Justice judgments. Empirical data were compared with theoretical sources from the
bibliography on the subject. Finally, it is concluded that, like any member of the family, animals
have the fundamental right to live with their family nucleus and enjoy the common areas of
building condominiums (elevators, stairs, halls, etc.), which has been increasingly recognized
and affirmed by the Brazilian Judiciary.
KEY-WORDS: Pets; Condominium; Speciesism; Multispecies family; Free movement in common
areas.
SUMÁRIO: 1 Introdução. 2 A tutela jurídica dos anim ais. 3 A família multiespécie. 4 Os animais
nos condomínios edilícios. 4.1 As cláusulas proibitivas nas Convenções de Condomínio e/ou no
Regimento I nterno. 4.2 O direito dos animais de estimação ao acesso e livre circulação nas
áreas comuns à luz dos julgados da Justiça do Estado de São Paulo. 5 Conclusão. 6 Referências.
1. Introdução
A aproximação entre o animal humano e o animal não humano, notadamente
cães e gatos, é ancestral e variou ao longo dos anos. O ser humano já fez dos demais
animais fonte de alimentação, especialmente pela caça e pesca, elemento para a
proteção e segurança de seus agrupamentos coletivos e territórios, meio de transporte
e força de trabalho. De fato, a interação histórica com as outras espécies se revelou
fator importante para a sobrevivência humana, evoluindo da predação para a
domesticação.
Na evolução histórica, atualmente se observa alterações na relação humano-
animal, da qual resulta crescente consolidação de vínculos de afeto entre o homem e
os animais de sua convivência, que passam a exibir o status de efetivos integrantes do
núcleo familiar, numa nova forma de configuração familiar: a família multiespécie.
O reconhecimento dos animais como membros da família (a união mais
elementar do ser humano) é o resultado proporcionado por uma nova visão que se
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passam a ostentar a condição de sujeitos detentores de direitos, o que, inclusive,
possibilita o acesso à Justiça.
Não sendo meros objetos de decoração, ornamentação ou entretenimento,
mas sim verdadeiros integrantes da família multiespécie, um dos direitos que é
titularizado pelo animal de estimação é o direito à moradia. É dizer, como qualquer
componente da família, o animal tem o direito a gozar do lar, a usufruir da residência
familiar (que, a bem dizer, também é sua) em toda a sua extensão, e ao abrigo na
companhia dos entes queridos com quem convive.
Nessa toada, o presente artigo objetiva investigar as controvérsias que
historicamente surgiram (e ainda hoje permanecem em algum grau) em relação à
presença de animais nos condomínios edilícios. Ora, tratando-se de um ajuntamento
de pessoas diferentes entre si, com diversas visões de mundo, crenças, hábitos, etc.,
que compartilham a propriedade do mesmo bem e, irrefutavelmente, convivem entre
si, é crível imaginar que o condomínio se transforme em palco de potenciais conflitos.
Não raras vezes os animais de estimação estão no centro das disputas condominiais.
Contudo, preservada a convivência harmônica entre os condôminos, pelo respeito ao
sossego, à salubridade e à segurança da coletividade, é preciso resguardar o direito
dos animais a coabitar nos condomínios edilícios. Afinal, ali é a sua casa. Justamente
por isso, doutrina e jurisprudência nacional, na esteira do direito estrangeiro,
caminham para o reconhecimento do direito dos animais à moradia nas unidades
exclusivas, bem como ao livre ingresso e circulação nas áreas comuns.
De modo específico, este artigo tem por finalidade perquirir acerca da
(i)licitude de regras condominiais, previstas na Convenção do condomínio ou em seu
Regimento Interno, que proíbem (ou, ainda que indiretamente, obstaculizam) o
direito dos animais de acesso e livre circulação às áreas comuns do edifício (elevador,
corredor, escadas, salão de festa, etc.).
O presente estudo toma como marco teórico a teoria da justiça e das
capacidades de Matha Nussbaum, que reconhece a dignidade ao animal não humano
e, por consequência, a titularidade de direitos e a possibilidade de intervenção da
justiça para a sua salvaguarda. Sob tal perspectiva, o animal deixa de ser considerado
como mera coisa e passa a ser visto como sujeito de direitos. É o mote para o seu

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