Antinomia radical entre as leis de autoanistia e a obrigação de punir os perpetradores de violações aos direitos humanos: fundamentos e análise de casos

AutorRanieri Lima Resende
Páginas652-687
In: MEYER, Emílio Peluso Neder; CATTONI DE OLIVEIRA, Marcelo Andrade. Justiça
de transição nos 25 anos da Constituição de 1988. 2ª ed. Belo Horizonte: Initia Via, 2014. ISBN
978-85-64912-50-2.
Antinomia radical entre
as leis de autoanistia e a obrigação
de punir os perpetradores de
violações aos direitos humanos
Fundamentos e análise de casos
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Resumo: O artigo tem por foco os fatores fundantes da
Justiça Transicional (responsabilidade, justiça e recon-
ciliação), especialmente à luz do posicionamento dos
órgãos das Nações Unidas sobre as leis de autoanistia,
a destacar a Comissão de Direitos Humanos, a Assem-
bleia Geral e os Comitês interpretativos de tratados de
direitos humanos de abrangência universal. A busca
por significados e parâmetros perpassou, conjuntamen-
te, a jurisprudência dos tribunais internacionais no to-
cante ao direito penal internacional (Tribunal ad hoc
! Mestre em Direito pela Universidade Federal de M inas Gerais
(UFMG); Membro do Grupo de Estudos sobre Internacionalização do
Direito e Justiça de Transição (IDEJUST); Membro do Grupo de
Pesquisa "Justiça de Transição" da Universidade de Brasília (UnB);
Membro da International Law Association (ILA); Associado da Sociedad
Latinoamericana de Derecho Internacional (LASIL-SLADI) e Integrante de
seu Grupo de Estudios sobre Responsabilidad Internacional; Pesquisador
Bolsista do Max-Planck-Institut für ausländisches öffentliches Recht und
Völkerrecht (Heidelberg, 2008); Presidente da Comissão de Estudos
Constitucionais da Ordem dos Advogados do Brasil, Seccional Bahia
(OAB/BA).
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para a ex-Iugoslávia) e à proteção regional dos direitos
humanos (Cortes Europeia e Interamericana de Direi-
tos Humanos). Nesse ponto, determinados casos-chave
da Corte Interamericana foram analisados (Velásquez
Rodríguez, Barrios Altos, Almonacid Arellano e Gelman),
de modo a evidenciar a linha de coerência da respecti-
va jurisprudência, a par de suas repercussões na práti-
ca subsequente dos Estados denunciados.
Palavras-chave: Leis de Anistia. Nações Unidas. Tribu-
nais Internacionais.
Abstract: The article focuses on the founding elements
of Transitional Justice (responsibility, justice and re-
conciliation), on the light of the United Nations' posi-
tion about Amnesty Laws, specially the Human Rights
Commission, the General Assembly and universal
Human Rights Treaties' Committees. The search for
meaning and parameters has crossed through prece-
dents of international tribunals, with regard to Interna-
tional Criminal Law (International Criminal Tribunal
for the Former Yugoslavia) and the regional protection
of human rights (European and Inter-American Courts
of Human Rights). In this aspect, factors connected to
Transitional Justice were analyzed and key cases jud-
ged by the Inter-American Court of Human Rights ha-
ve been considered (Velásquez Rodríguez, Barrios Altos,
Almonacid Arellano and Gelman), in association with its
subsequent impact on the practices of the respondent
States.
Keywords: Amnesty Laws. United Nations. Internatio-
nal Courts.
Introdução
Durante os seminários discentes desenvolvidos
no ambiente instigante da disciplina “Teoria Geral dos
Direitos Humanos”, ministrada pela Prof.ª Dr.ª Eneá de
Stutz e Almeida perante o Programa de Pós-Graduação
Ranieri Lima Resende
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em Direito da Universidade de Brasília, o eixo central
da “Justiça de Transição” foi enfrentado em suas diver-
sas vertentes (verdade, reparação, justiça e reforma),
mas, de imediato, chamou a atenção do autor do pre-
sente paper a problemática residente na persecução pe-
nal dos perpetradores de violações aos direitos huma-
nos, em face das leis de autoanistia. −.
Onde se situaria o fundamento obrigacional pa-
ra investigar, processar, julgar e punir os autores de
violações graves de direitos humanos na ambiência de
um regime de exceção? Em que contexto órgãos judici-
ais internacionais enfrentaram a questão das autoanis-
tias? Foram esses alguns tópicos investigativos enfren-
tados e que, no presente trabalho preliminar, para eles
buscou-se possíveis respostas.
1. Elementos de Realização da Justiça Transicional
Em momentos históricos decorrentes de proces-
sos de paz ou da superação de autoritarismos, exsurge
o desafio da abordagem jurídica da ocorrência de cri-
mes internacionais cometidos na ambiência do regime
político pretérito. Nesse contexto, destaca-se a função a
ser exercida pela chamada “Justiça de Transição” (Jar-
dim, 2006, p. 1-2).
Seu papel decorre do elemento comum às tran-
sições políticas experienciadas nas mais diversificadas
partes do globo, qual seja: o largo acervo de violações a
normas protetivas fundamentais de direitos humanos
pela ação do Estado, ou de grandes grupos organiza-
dos em seu território, durante o período de exceção ou
de prática autoritária que se busca superar (Almeida;
Torelly, 2010, p. 38).
A partir de certo consenso internacional, a no-
ção de “Justiça Transicional” pode ser compreendida
por toda a gama de processos e mecanismos associados
aos esforços da sociedade em lidar com um legado de
violações ocorridas em larga escala, no sentido de as-

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