A Apreensão Formal, Exclusiva e Pública da Marca

AutorGeraldo Honório de Oliveira Neto
Páginas128-141

Page 128

Para aplicar o esquema da relação jurídica de propriedade à marca, o legislador criou meios técnicos que possibilitam uma apreensão do bem imaterial com características similares à de uma coisa corpórea. A técnica é a apreensão formal exclusiva e pública, mediante registro expedido sob exames e controles público e administrativo. Um procedimento ordenado por lei torna público o fato de que um objeto único e inconfundível foi adotado como marca por uma pessoa bem identificada e de modo a impor a abstenção de terceiros. Se não pode ocorrer uma apreensão material do bem, a apreensão formal exclusiva situa-o em um local fixo, onde constam todos os dados objetivos da apreensão, à disposição das partes da relação jurídica. Criam-se também meios de impedir uma segunda apreensão formal do mesmo

Page 129

bem, de modo que o registro sirva como suporte fático da relação jurídica de propriedade sobre a marca.

Esta apreensão é similar em fundamentos, objetivos e operatividade à ocupação de coisas móveis corpóreas, com a única diferença de que é formal e não material. Ela é irrepetível, exclusiva e pública, e, por isso, ostentável por uma pessoa bem identificada em face da parte passiva do direito real.

Este modo de apreensão da marca não é considerado perfeito em sua praticidade, nem o único imaginável, mas é válido como suporte fático de um direito real. O estudo deste Capítulo descreve este fato constitutivo da propriedade da marca, previsto nas normatizações da grande maioria dos países410.

Segue um estudo sobre a natureza do registro de marca (seção I) e as suas características e funções principais (seção II). O direito ao registro é tema da seção III.

SEÇÃO I NATUREZA DO REGISTRO

A doutrina não é pacífica a respeito da natureza do registro de marca no sistema atributivo. A este respeito Gama CERQUEIRA parece não ter tido uma opinião muito clara, pois afirma que, neste sistema, o registro não tem o efeito de constituir a propriedade e que os atos administrativos não criam ou conferem direitos, mas apenas os reconhecem, pela expedição de um título indispensável ao seu exercício411. O autor, entretanto, diante da insegurança jurídica causada pela tese jusnaturalista do reconhecimento legal de direitos preexistentes, propugnou pela natureza constitutiva do registro, quando afirma que em algumas normatizações, no seu dizer, a formalidade ". . . cria o direito"412. Quer dizer, prevalece sobre o que entendeu ser o modo natural de adquirir a propriedade, sobre o primeiro uso.

Page 130

De fato, o registro da marca não é uma simples notificação ao público sobre a proprie-dade adquirida pela ocupação, uma formalidade que objetive apenas impor a abstenção de terceiros, sem entrar na hipótese de aquisição do direito. Tal doutrina é insustentável, se submetida ao crivo da teoria geral dos direitos reais.

No sistema da Lei 9. 279/96, o registro tem natureza declaratória e constitutiva. É declaratório dos pressupostos fáticos formais e materiais da expedição do registro e é constitutivo, no sentido de que sobre ele incide norma que o define como suporte fático de direito de propriedade. O registro é um ato administrativo, um fato em sentido lato, que implica relação jurídica de propriedade.

O conteúdo declaratório do registro marcário não se refere a direitos. A administração pública não declara direito de propriedade, não tem competência para declarar ou reconhecer direitos, mas apenas para verificar e declarar a existência dos pressupostos do registro, enumerados em lei, que são condição de validade do ato administrativo. Feito o depósito do signo, a administração deve verificar as condições de registrabilidade, zelando pela legali-dade procedimental, forma e publicidade dos atos previstos em lei para exame da marca. Ela, portanto, apenas reconhece fatos que a obrigam a realizar ou não o registro do signo. Seu poder-dever é vinculado, não-discricionário.

A verificação das condições de registrabilidade, da existência ou inexistência de fatos impeditivos do registro do signo importa execução da lei, é atividade de controle exercida pela administração pública com a observância da legalidade e demais princípios de direito administrativo.

SEÇÃO II CARACTERÍSTICAS E FUNÇÕES DO REGISTRO DE MARCA

Nesta seção, descrevem-se as características e funções do procedimento de registro de marca. O procedimento constitui formalmente o objeto de direito (§ 1) e serve como técnica de sua apreensão exclusiva (§ 2). Seu formalismo característico é uma técnica de simplificação do suporte fático da relação jurídica (§ 3), que possibilita a defesa de direitos de terceiros sobre o signo (§ 4) e serve como meio de prova da constituição e da titularidade do direito sobre a marca (§ 5).

§ 1 - Constituição formal do objeto de direito

O artigo 1. 263 do Código Civil permite o assenhoramento de coisa sem dono para logo se lhe adquirir a propriedade, não sendo essa ocupação defesa por lei. Para a validade da ocupação, cogita-se sobre a licitude da apreensão, mas não se estabelecem em norma condições de existência do objeto da propriedade, isto é, não se condiciona a validade da apreensão a uma forma ou utilidade específica do objeto e de modo que este nem mesmo existiria juridicamente se não atendesse a estas condições. Independentemente da forma ou da utilidade da

Page 131

coisa móvel corpórea, ela pode, em princípio, ser objeto de ocupação. Se a apreensão do objeto não é lícita, ainda assim ele existe como coisa.

A propriedade sobre a marca apresenta uma característica que a distingue da proprie-dade comum: o objeto da relação é constituído por normas que definem as condições de sua existência e a sua utilidade.

As condições de validade do signo como marca e sua utilidade são verificadas durante o processamento do pedido de registro, essencial para: a) fixar o conteúdo e a forma do objeto de direito e conferir publicidade à sua existência como um bem mais complexo que o signo em si mesmo; b) definir o âmbito de sua proteção, porque a marca não é protegida senão para cumprir função distintiva em uma ou mais classes de produtos ou serviços; o conteúdo do poder jurídico conferido ao seu titular e o dever correlato da parte passiva limitam-se ao seu conteúdo distintivo, declarado pelo registro, tal como foi publicado.

Trata-se, como visto, de uma vinculação entre a função distintiva, a existência e o conteúdo do direito. As normas de direito marcário delineiam o que pode ser o objeto de direito: um signo distintivo em determinada classe de produtos ou serviços. Se não for distintivo de determinados produtos ou serviços, o signo não pode constituir marca.

O termo "livro", por exemplo, não é distintivo para produtos editoriais, não é útil como marca nesta classe, porque se confunde com o nome dos objetos a serem marcados. Mas ele pode distinguir serviços na área de alimentação. Pode haver uma "cafeteria livro". A expressão será objeto de direito de propriedade se constar de um registro de marca válido.

Neste sentido, GUSMÃO assevera que ". . . A própria existência da marca como bem juridicamente protegido obedece a condições de forma e de fundo próprias, dado que o signo distintivo não é protegido em si mesmo, mas somente dentro de sua função de distinguir produtos ou serviços"413.

Tullio ASCARELLI, dissertando sobre a natureza imaterial dos objetos da propriedade intelectual, observa que eles não têm existência pré-normativa e, por isso, devem se constituir de acordo com as hipóteses legais. No seu dizer ". . . podemos identificar na estrutura da relação jurídica um bem (que denominamos imaterial) que, (. . . ) não aparece, de modo direto, na realidade pré-normativa (como sucede com as coisas materiais e com as energias) de modo que, ao contrário, vem normativamente disciplinado em sua constituição mesma"414.

Mais adiante esclarece: ". . . o recurso ao esquema da propriedade para a configuração do direito absoluto à utilização de uma criação intelectual se apóia (. . . ) na possibilidade de considerar objetivamente a criação intelectual [não se exclui a marca, embora não seja necessariamente uma criação intelectual] e de individualizá-la em um bem imaterial cujo su-porte fático constitutivo se determina legalmenteearespeitodoqualsedisciplinaobjetivamente a atribuição originária do direito"415. O certificado de registro de marca é uma declaração constitutiva do próprio bem imaterial416.

Page 132

O registro marcário descreve os contornos do bem imaterial, circunscritos ao conteúdo do depósito. Este requerimento é descritivo e ilustrativo do signo que se quer utilizar e das classes de produtos ou serviços que marcará. Tais dados são submetidos a um exame administrativo para verificação da validade de sua apreensão como marca. O atendimento das condições de registrabilidade previstas implica direito ao registro, que se adquire independentemente de o signo estar sendo usado pelo depositante. Se o signo não foi usado como marca antes do depósito e não atende às condições de registrabilidade, não haverá marca, mas apenas um signo. Se atende aos requisitos, expede-se o registro que, uma vez publicado, tem o efeito de constituir a marca como objeto de direito de propriedade.

O Instituto Nacional da Propriedade Industrial - INPI, autarquia federal encarregada de executar as normas relativas à propriedade industrial, verifica publicamente as condições de constituição da marca registrada.

§ 2 - Apreensão formal e pública do objeto de direito

Além de constituir a...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT