O Signo Registrável

AutorGeraldo Honório de Oliveira Neto
Páginas141-167

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Neste Capítulo apresenta-se um estudo sobre as condições de fundo de registrabilidade da marca, previstas no sistema da Lei 9. 279/96. Elas dividem-se em condições relativas à

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forma do signo (seção I), à sua distintividade (seção II), à licitude de seu uso como marca (seção III) e à disponibilidade para apreensão formal (seção IV)450.

SEÇÃO I A FORMA DE APRESENTAÇÃO DO SIGNO

A marca pode se apresentar como nominativa ou verbal, se é composta exclusivamente por palavras não estilizadas, isto é, sem forma especial451. O que se protege é o significante como palavra e não como forma452.

A marca figurativa ou emblemática é aquela composta por um signo cujo valor distintivo se estabelece pela sua forma, independentemente de um conteúdo semântico que possa ser lido, pronunciado ou ouvido453.

Marca mista é aquela cuja proteção incide sobre o significante constituído por palavra e a sua forma estilizada ou outro elemento figurativo454. A expressão Coca-Cola, na forma em que se apresenta nas embalagens do produto, constitui uma marca mista. Neste caso, veda-se a utilização não autorizada da expressão e a imitação da forma e da disposição característica das letras, mesmo que se utilizem palavras diferentes.

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Marca tridimensional é a constituída pela forma plástica da embalagem ou do próprio produto, se ela tem capacidade distintiva e está dissociada de qualquer efeito técnico inerente ao produto. O formato da garrafa de Coca-Cola constitui marca tridimensional notória455.

A Lei 9. 279/96 admite o registro de marcas constituídas apenas por signos visualmente perceptíveis456. Assim, qualquer forma visual de marca pode ser registrada, seja ela nominativa, figurativa, mista ou tridimensional, sendo vedado o registro de aromas, sons, impressões táteis e gustativas como marcas, simplesmente porque não se apresentam ao público através da visão457.

Apesar da clareza do texto legal, alguma doutrina considera válido interpretá-lo no sentido de que a perceptibilidade visual diz respeito apenas às condições de requerimento e exame do sinal a ser registrado, não sendo a percepção visual da marca pelo público uma característica que se exija458. Ao admitir a hipótese, seria possível então registrar como marca os sinais não-visuais, contanto que de alguma forma eles pudessem ser representados e bem identificados visualmente no registro marcário. Poderia ser registrada, por exemplo, uma marca sonora, visualmente perceptível em uma pauta musical. Uma melodia, já protegida pelo direito autoral, então estaria também protegida como marca de produto ou serviço.

Mas admitir o registro de signos não-visuais é solução que não se harmoniza com o conjunto de expressões utilizadas na redação das hipóteses que regulam as condições de apropriação de signos como marca, contidas nos vinte e três incisos do artigo 124 da Lei 9. 279/96 , que vedam ou permitem o registro de certos signos. Os termos ou expressões que indicam os signos cujo registro é vedado ou permitido são: brasão; armas; medalha; bandeira; emblema; monumento; letra; algarismo; data; figura; desenho; elemento de título de estabelecimento; nome de empresa; sinal descritivo; cores e suas denominações; indicação geográfica; título; apólice; moeda; cédula; nome civil ou sua assinatura; nome de família; patronímico; imagem de terceiros; prêmio; símbolo; pseudônimo; apelido; nome artístico; obra literária, artística ou científica; termo técnico; e forma necessária, comum ou vulgar de produto e desenho industrial. Da simples leitura dos termos, fica evidente que o legislador objetivou regular apenas condições de validade do registro de signos visualmente perceptíveis ao público. As normas não trazem nas hipóteses signos sonoros, pelo menos diretamente, e de modo algum fragrâncias ou impressões táteis ou gustativas, mas apenas sinais cuja representação comumente se faz de modo gráfico. E a interpretação da definição legal da marca registrada válida não pode desconsiderar que a lei não regula as condições de apropriação de aromas, sons e impressões táteis e gustativas como marca. Não o faz porque veda a apropriação de tais signos como marca. Tais signos não podem compor marca que seja objeto de direito de propriedade.

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A determinação de que a marca seja constituída por um signo visualmente perceptível pelo público é exercício de uma faculdade conferida aos signatários do Acordo TRIPS (Acordo sobre os Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados com o Comércio)459, entre eles o Brasil. O Acordo, ao oferecer alguns exemplos de sinais que podem distinguir bens ou serviços e determinar que eles sejam registráveis como marca, também relaciona sinais destinados principalmente à representação gráfica: "Estes sinais, em particular palavras, inclusive nomes próprios, letras, numerais, elementos figurativos e combinação de cores, bem como qualquer combinação desses sinais, serão registráveis como marcas". A parte final do artigo, embora não vede o registro de marcas não-visuais, faculta aos Membros exigirem ". . . como condição para o registro, que os sinais sejam visualmente perceptíveis". É certo que a norma não regula a perceptibilidade visual do registro, mas sim do próprio sinal diante do público, como uma condição para o registro. Interpretação contrária não é válida diante de tais disposições e do artigo 122 da Lei 9. 279/96.

Desse modo, são apropriáveis como marca apenas signos visualmente perceptíveis, mesmo que se admita a necessidade de oferecer proteção de direito marcário à efetiva e atual utilização de sinais não-visuais com a função de marca. Mesmo diante da constatação das novas possibilidades técnicas de registro de marcas não-visuais, que certamente continuarão surgindo com os avanços da informática.

Exemplo desta utilização é o caso da sonorização do serviço de venda e entrega de botijões de gás de cozinha em domicílio na cidade de São Paulo. Mais de um empresário vende o produto utilizando caminhões que circulam por bairros residenciais da cidade. Um deles resolveu equipar seus veículos para executarem uma melodia curta e instrumental, bem característica, um som com volume suficiente para permitir aos usuários avaliarem a proximidade do serviço com certa antecedência. Isto foi feito, certamente, com o objetivo de reduzir o tempogastoentreaofertaeaentregadoproduto e assim diminuir os custos relativos à circulação dos veículos e aumentar as vendas. Constatou-se que tal prática, ao surtir os efeitos benéficos esperados, levou os empresários concorrentes a desenvolverem a mesma estratégia, com a única diferença de que cada um destes passou a utilizar uma melodia diferente. Os

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usuários então puderam distinguir os serviços apenas pelo som, antes de qualquer contato visual com o fornecedor ou com o produto: as melodias passaram a cumprir a função de marca não-visual.

O desenvolvimento da informática pode oferecer novos meios de identificação de produtos e serviços e novas técnicas para arquivamento e comparação de marcas não-visíveis. A dificuldade para tal está longe de ser insuperável e a possibilidade de adoção e registro de signos não-visuais pode atender à demanda proporcionada pelo avanço tecnológico na identificação e distinção de produtos ou serviços. A conveniência deste tipo de registro, incluindo as soluções jurídicas para superação das dificuldades relativas ao controle de registrabili-dade, é tema que merece ser estudado.

SEÇÃO II DISTINTIVIDADE

Ao tratar da função distintiva da marca, observou-se que ela só tem valor protegível pela prerrogativa de uso exclusivo, se constituída por um signo potencialmente distintivo, isto é, com capacidade para distinguir produtos ou serviços semelhantes ou afins, pertencentes a determinadas classes. O caráter distintivo do signo é, ao mesmo tempo, uma função e um requisito de validade da marca.

Gama CERQUEIRA460 trata da distintividade das marcas considerando dois aspectos: a marca deve ser subjetiva e objetivamente distintiva. Com relação ao primeiro aspecto, a marca deve ter cunho próprio, isto é, ter potencialidade para identificar o que marca. Quanto ao segundo, a marca deve diferençar-se de outras, de modo a não se confundir com elas, isto é, a marca deve ser nova. Sobre o requisito da novidade da marca, o autor afirma que ". . . não deve ser entendido de modo absoluto: a novidade da marca é relativa, bastando, para considerar-se nova, que a marca não seja ainda usada para assinalar produtos idênticos ou semelhantes"461.

A distintividade está ligada ao primeiro aspecto apontado pelo autor, ou seja, trata-se da capacidade intrínseca do signo de identificar determinado produto ou serviço, diferençando-o de outros de origem diversa. Quanto à novidade do signo, não se trata de um requisito de validade da marca, uma vez que ela não precisa ser nova ou original, bastando que não seja composta por signo já registrado como marca para o mesmo gênero de produto ou serviço. Nesse sentido, o tema do ineditismo da adoção de determinado signo como marca é desenvolvido como disponibilidade (ausência de anterioridade ou de registro da mesma marca), segundo o tratamento da doutrina.

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Paul MATHÉLY, de modo bem sintético, diz que "Un signe, pour être distintif, doit être arbitraire. Et il cesse d’être arbitraire, lorsqu’il est necéssaire, générique, usuel, ou exclusivement et essentiellement descritif"462.

Para constituir marca, não se exige, portanto, que um signo seja novo ou original. Mesmo um signo bem conhecido pode ter capacidade distintiva e ser adotado como marca, não sendo exclusivamente descritivo, nem de uso necessário, genérico ou usual em determinado grupo de produtos ou serviços463. Por...

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