As candidaturas femininas 'fictícias' e impugnação de mandato eletivo

AutorPedro Henrique Costa de Oliveira, José Henrique Mouta Araújo
CargoCentro Universitário do Estado do Pará - CESUPA/Centro Universitário do Estado do Pará - CESUPA
Páginas6-38
Rev. direitos fundam. democ., v. 27, n. 2, p. 06-38, mai./ago. 2022.
https://doi.org/10.25192/issn.1982-0496.rdfd.v27i21611
ISSN 1982-0496
Licenciado sob uma Licença Creative Commons
AS CANDIDATURAS FEMININAS “FICTÍCIAS” E IMPUGNAÇÃO DE MANDATO
ELETIVO
THE FICTIONAL FEMININE CANDIDATURES AND IMPUGNATION OF ELECTIVE
MANDATE
José Henrique Mouta Araújo
Doutor (2006) e Mestre (2000) em Direito pela Universidade Federal do Pará
UFPA. Professor do Centro Universitário do Estado do Pará CESUPA e da
Faculdade Metropolitana de Manaus FAMETRO. Membro da Associação
Paraense de Letras Jurídicas, do Instituto dos Advogados do Pará, da
Academia Brasileira de Direito Processual Civil, da Associação Norte e
Nordeste de Direito Processual, da Associação Brasileira de Direito
Processual, do Instituto Brasileiro de Direito Processual e do Instituto Ibero-
americano de Direito Processual. Procurador do Estado do Pará. Advogado.
Pedro Henrique Costa de Oliveira
Doutorando em Direito Constitucional pelo Instituto Brasileiro de Ensino,
Desenvolvimento e Pesquisa (IDP/DF) (2022). Mestre em Direito, Políticas
Públicas e Desenvolvimento Regional pelo Centro Universitário do Estado do
Pará (CESUPA) (2019), Especialista em Direito Público pela Pontifícia
Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas) (2015) e em Direito
Eleitoral pelo Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP/DF).Tem experiência
na área de Direito, com ênfase em Direito Eleitoral, Direito Público (com ênfase
em Direito Administrativo e Direito Constitucional) e Direito Municipal.
Advogado.
Resumo
Este ensaio objetiva analisar, a partir da evolução jurisprudencial da Justiça
Eleitoral, quais os móveis processuais aptos a sindicar a ocorrência de fraude
à cota eleitoral de gênero, concernente à configuração das chamadas
candidaturas femininas “laranjas” ou “fictícias”, bem como as consequências
jurídico-eleitorais aplicáveis à espécie, tais como a rescisão do Demonstrativo
de Regularidade dos Atos Partidários (DRAP), com a consequente cassação
dos mandatos eletivos obtidos pelo partido político nas el eições proporcionais,
a anulação da votação atribuída a todos os candidatos e a imposição de
inelegibilidade àqueles que praticaram diretamente a fraude. Conclui-se no
sentido de que a Ação de Impugnação de Mandato Eletivo (AIME) e a Ação
de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE) são instrumentos processuais
idôneos para a finalidade pretendida.
Palavras-chave: Fraude à lei. Abuso de poder. Candidaturas laranjas. AIME.
AIJE.
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AS CANDIDATURAS FEMININAS “FICTÍCIAS E IMPUGNAÇÃO...
Abstract
This essay aims to analyze, from the evolution of jurisprudence of the
Electoral Justice, which procedural furniture capable of syndicating the
occurrence of fraud to the electoral gender quota, concerning the configuration
of so-called "orange" or "fictional" female candidatures, as well as the legal
and electoral consequences applicable to such as the termination of the
Statement of Regularity of Partisan Acts (DRAP), with the consequent
annulment of the elective mandates obtained by the political party in the
proportional elections, annulment of the voting attributed to all candidates and
the imposition of ineligibility to those who practiced directly the fraud. It is
concluded that the Impugnation of Elective Mandate Action (AIME) and the
Electoral Judicial Investigation Action (AIJE) are procedural instruments
suitable for the intended purpose.
Keywords: Fraud law. Power abuse. Fictional candidatures. AIME. AIJE.
1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS
As mulheres ocupam um espaço que não lhes é merecido na representação
política nacional. O Brasil ocupa a 133ª posição no ranking mundial em termos de
representação feminina na política considerando 193 países pesquisados (IPU,
2019), não obstante a maioria do eleitorado ser formado por mulheres (52,5%).
Noutras palavras, sua presença crescente no eleitorado brasileiro é inversamente
proporcional à presença feminina nos espaços de decisão política, principalmente no
Poder Legislativo.
Analisando o problema, Patrícia Bertolin e Monica Machado (2018, p. 188)
obtemperam:
[...] sobre a representação política, ainda há disparidades no mundo inteiro e,
no Brasil, a realidade numérica da presença das mulheres é tenebrosa.
Apenas no início do século XXI, mais de 70 anos após a conquista do direito
ao voto, as mulheres brasileiras passaram a ocupar 10% das cadeiras do
Congresso Nacional e essa realidade não é muito diferente nas Assembleias
Legislativas e Câmaras Municipais do país.
A baixa representatividade feminina pode estar atrelada à fatores sociais
estruturais de desigualdade entre homens e mulheres, além de poder exercer
ingerência direta sobre as políticas públicas, bem como sobre a própria percepção
acerca do papel da mulher na sociedade (CARNEIRO, 2018, p. 155).
Há razões bastante intuitivas, reforçadas pela literatura especializada, para se
argumentar que, de fato, mulheres enfrentam mais dificuldades para se
tornarem candidatas que seus pares do gênero masculino. Não raro levanta-
se a histórica exclusão das mulheres do espaço público [...], somado a
associação feminina ao ambiente doméstico [...], como alguns dos fatores
preponderantes de entrave à entrada das mulheres na política (CARNEIRO,
2018, p. 157).
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JOSÉ HENRIQUE MOUTA ARAÚJO / PEDRO HENRIQUE COSTA DE OLIVEIRA
A IV Conferência Mundial das Nações Unidas sobre a Mulher, realizada no
ano de 1995, em Pequim, representou um marco na reafirmação de que os direitos
das mulheres são direitos humanos e que a igualdade de gênero inclusive na esfera
política é uma questão de interesse universal. A partir de então se observa uma
expansão ininterrupta da política de cotas de gênero em todos os continentes.
As cotas para as mulheres políticas que determinam que certa proporção de
mulheres seja incluída nas instituições são um dos principais desenvolvimentos
sócio-políticos dos últimos 30 anos. Na década de 1970, a regulamentação de cotas
de representação legislativa das mulheres existia em poucos países. Hoje, as cotas
eleitorais existem em mais de 130 países em todas as regiões do mundo (KROOK;
HUGHES; PAXTON, 2017, p. 332).
Os países latino-americanos, no final do século XX, mais precisamente na
década de 1990, iniciaram um movimento com vistas a fomentar uma maior presença
feminina nos espaços político-decisórios, instituindo a mundialmente conhecida cota
eleitoral de gênero”.
O Brasil iniciou a implementação de tal política pública com a promulgação da
Lei n.º 9.100/1995, mas foi somente pela introdução da Lei n.º 9.504/1997 (Lei das
Eleições) no plexo normativo pátrio, que ela passou a ser aplicada no âmbito das
eleições gerais. Depois de mais de duas décadas de vigência deste instituto no
ordenamento jurídico brasileiro, até 2014 não se conseguiu atingir a marca de 10% de
representação feminina na Câmara dos Deputados. Apenas em 2018 acredita-se
que também pelo impacto das decisões judiciais que serão analisadas nesta pesquisa
, tal marca fora ultrapassada com a eleição de 77 Deputadas Federais, perfazendo
15% de parlamentares eleitas.
Em que pese o avanço da legislação eleitoral, persiste o grave déficit da
representação em análise, a ensejar o reforço e incremento dessas políticas, a fim de
atenuar a desigualdade de representação política entre homens e mulheres, ou, numa
perspectiva mais otimista, alcançarmos a paridade de representação por meio do voto
popular.
Os partidos políticos no Brasil têm atuado no sentido de manter a hegemonia
masculina no cenário político, obstruindo a inserção das mulheres na política, mesmo
com sua participação efetiva na sociedade organizada (AVELAR, 2007, p. 108),
inobstante o fato de que as agremiações partidárias estejam “no cerne da proteção

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