As fases evolutivas do processo civil

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AS FASES EVOLUTIVAS DO PROCESSO CIVIL
O processo civil é um dos ramos do Direito que mais fascinam os estudiosos
da ciência jurídica no Brasil, o que pode ser facilmente vislumbrado pela grande
quantidade de publicações (ainda mais se comparadas com outras disciplinas),
de congressos e estudos, de professores de graduação e pós-graduação que mi-
nistram a matéria, de trabalhos de conclusões de curso, dentre outros exemplos.
Tal fascínio deve-se, dentre outras coisas, ao desao de se estudar matéria
complexa, à cultura brasileira de supervalorizar o processo judicial e as nor-
mas processuais, ao crescimento desenfreado de demandas judiciais e à crença
da população pátria na jurisdição como meio essencial de resolver conitos.
E este processo civil, como todo ramo do Direito, está, desde seu nascimento,
sujeito às variações do tempo e do espaço, passando por fases6, as quais serão
tratadas no presente escólio.
Pretende-se neste estudo estudar as etapas de evolução do processo civil
e investigar se no atual momento está se vivendo um novo período de desen-
volvimento deste ramo do Direito. É nosso intento ainda – caso se entenda
estar diante de um novo período de progresso do processo civil – investigar
quais são as suas características e como tal fase inuencia a interpretação e a
aplicação da processualística civil.
Cumpre salientar de antemão que a doutrina majoritária defende a exis-
tência de três ondas desenvolvimentistas do processo civil: a) o sincretismo; b) o
autonomismo ou processualismo; e c) o instrumentalismo ou instrumentalidade
do processo. Importante esclarecer também que cada uma das etapas de desen-
6 Fases evolutivas do processo civil são frações de tempo e espaço em que não se vi-
gorou o processo civil ou vigorou com determinadas características signicativas
próprias diferenciadoras de outros períodos.
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Wendel de Brito Lemos Teixeira
volvimento do processo civil teve ou tem sua importância e seu ciclo, surgindo
de tempos em tempos uma nova fase, pois quando a sociedade muda, o direito
há de mudar. Faz-se necessário esclarecer, ainda, que cada um dos períodos, em
alguns momentos, não possui uma separação estanque, totalmente dividida. Ao
contrário, esses períodos muitas vezes se imiscuem um no outro e criam uma
verdadeira zona gris, com características inerentes a mais de uma fase.
SINCRETISMO
O período chamado de sincretismo, que antecedeu o reconhecimento do
processo civil como ciência, foi o mais longo de todos, tendo perdurado até
1868 (data do nascimento do autonomismo).
Conforme se percebe do próprio nomen iuris, nessa etapa, a relação pro-
cessual fundia-se (era sincrética) com a relação material. A ação era o próprio
direito material subjetivo exercido em juízo e nada mais, não podendo ser vi-
sualizada ou imaginada em apartado. Valia a máxima Actio autem nihil aliud
est quam jus persequendi in judicio quod sibi debeatur (ação nada mais é do que
o direito de perseguir em juízo o que lhe é devido).
Nesse interregno, pode-se falar tão somente do processo civil como téc-
nica e não como ciência, haja vista que não havia preocupação crítica e me-
todológica, além do que em muitas vezes nem racionalidade existia. Houve
momentos desse período, exemplicativamente, em que a regra de prova era
direcionada a Deus para que decidisse quem possuía a razão.
Somente existia processo como procedimento como “simples mecânica
dos trâmites”7. Outrossim, conforme ensina Dinamarco, na etapa sincrética o
conhecimento era meramente empírico8. Apesar de ausente preocupação crí-
tica e metodológica, tal período, em seu ndar, já possuía consideráveis traços
de organização e experiência.
7 ECHANDIA, Hernando Devis. Compendio de Derecho Procesal. Tomo I. Bogo-
tá: Editorial ABC, 1974, p. 32.
8 DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. Vol. I.
São Paulo: Malheiros Editores, 2004, p. 255.
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A prova ilícita no processo civil
AUTONOMISMO OU PROCESSUALISMO
Apesar das limitações do período sincrético e notadamente da técnica,
tal período foi essencial para o nascimento da ciência processual civil porque
já possuía – como dito alhures – organização e experiência, conforme leciona
Aroldo Plínio Gonçalves em sua obra Técnica processual e teoria do processo9.
O pontapé inicial para o surgimento da autonomia do direito processual
civil (autonomismo ou processualismo) deu-se na Alemanha com o debate
entre Benhard Windscheid e eodor Muther travado em 1856.
Até 1856, como conta Pugliese, nem ao menos se levou a sério a possi-
bilidade de a actio (ação) romana ser diversa da ação moderna, apesar da ad-
vertência do romanista Ortolan de que o signicado da actio romana para os
sistemas jurídicos havia sofrido mudanças no decorrer da história10.
Inobstante a pouca profundidade e coerência do entendimento de que a
actio romana equivalia à ação moderna, esta posição reinou por longo período
tranquilamente até quando Windscheid, em 1856, escreveu o artigo chamado
A actio do direito civil romano, do ponto de vista do direito atual (ou moder-
no) (Die Actio des römischen Civilrechts, vom Standpunkte des heutigen Rechts)
advogando a diferenciação entre a actio romana e a ação moderna, bem como
a de que a ação moderna assegurava um direito subjetivo material.
No ano seguinte, eodor Muther, apesar de contar com apenas 30 anos,
de ter sido recém-nomeado para professor extraordinário da Universidade de
Könisberg e não ter uma rica produção intelectual, escreveu artigo criticando
o trabalho anterior de Windscheid (que era quase dez anos mais velho, con-
sagrado professor de Bonn e da Basileia e convidado a Greifswald, além de
possuir vasta e consagrada produção intelectual)11.
9 GONÇALVES, Aroldo Plínio. Técnica processual e teoria do processo. Rio de
Janeiro: Aide Editora, 31-35.
10 Introdução de PUGLIESE in WINDSCHEID, Bernhard; MUTHER, eodor.
Polêmica sobre la ‘actio. Trad. Tomáz A. Banzhaf, 1974, p. XII.
11 Introdução de PUGLIESE in WINDSCHEID, Bernhard; MUTHER, eodor.
Polêmica sobre la ‘actio. Trad. Tomáz A. Banzhaf, 1974, p. XVII.

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