A prova

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A PROVA
A prova sempre foi vista como instrumento de obtenção da verdade, in-
dependentemente da natureza desta verdade (religiosa, mítica, cientíca etc.).
Também no senso comum, hodiernamente, as pessoas, em várias situações do
cotidiano, conclamam a prova para convencerem outrem de que têm razão no
alegado. Diante disto, procura-se analisar a relação entre a busca da verdade e
a prova, as principais teorias da verdade (ou do conhecimento), elegendo-se,
ao nal, aquela que melhor se encaixa nos tempos atuais.
2.1 A BUSCA DA VERDADE E A PROVA
Existem questões que geram um enorme fascínio nos seres humanos
como algo de mágico, sagrado ou mítico, ad exemplum: “o que é justiça?”, “o
que é belo?”, “as coisas são como aparentam ser?”, “o que é losoa?”, “o que
é ético?”, “o que é a ideia?”. Dentre estas incontáveis questões, pelas quais vá-
rios lósofos e estudiosos consumiram muito de seu tempo e até suas vidas,
incluem-se indagações sobre a verdade: “o que é a verdade?”, “como alcançar a
verdade?” ou “como conhecer a verdade?”.
Descartes buscou, durante sua vida e em especial no Discurso do Método
e Regras para a direção do Espírito, a criação de uma metodologia para a busca
da verdade, in verbis:
E sempre tive um grande desejo de aprender a distinguir o verdadeiro
do falso, para ver claro ações e caminhar com segurança nesta vida. (...)
antes de empregar bastante tempo para elaborar o projeto da obra que
me propus e procurar o verdadeiro método para alcançar o conheci-
mento de todas as coisas das quais o meu espírito fosse capaz93.
93 DESCARTES, René. Discurso do Método. Regras para a direção do Espírito.
Trad. Pietro Nassetti. São Paulo: Martin Claret, 2002, p. 26.
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Wendel de Brito Lemos Teixeira
Blaise Pascal relembra que o ser humano, “feito para conhecer a verda-
de, deseja-a ardentemente, procura-a94, pelo que é complementado por Del
Vecchio para quem, apesar de a verdade ser relativa, o homem sempre busca o
posto do absoluto e tem “sede do céu” ao aspirar a mais alta esfera de verdades
que lhe é dado entrever95. Neste sentido, Jesús García Lopes arma que a pro-
blemática da verdade, juntamente com a do ser e do conhecimento, pertencem
ao conjunto dos eternos problemas da losoa96. Marilena Chauí vai mais lon-
ge e arma que a busca da verdade é o motor da losoa e suscita losoas97.
Ousa-se ainda dar um passo à frente para defender que a busca da ver-
dade não é o motor apenas da Filosoa, mas de todas as ciências. Sem a
verdade não faz sentido o conhecimento e a ciência e, como advoga Jesús
García Lopes, sem a verdade não se tem liberdade (liberdade física baseia-se
na verdade ontológica da própria natureza e a liberdade moral baseia-se na
verdade de nossa razão), sem a verdade não se unem os seres humanos (uma
verdade é capaz de aglutinar várias pessoas que creem nela), não nos faze-
mos fortes (a verdade supera outras questões do mundo) e nem nos aperfei-
çoamos (a verdade aperfeiçoa o homem)98. Santo Agostinho arma que “não
há deleite maior no coração do homem do que a luz da verdade e o oceano
da sabedoria”99.
Não se sabe exatamente quando se iniciou a preocupação com a verdade,
mas pode-se dizer seguramente que, com o advento da Filosoa, tal interesse
94 PASCAL, Blaise. Pensamentos. Trad. Paulo M. Oliveira. Bauru: EDIPRO, 1995, p.
183.
95 DEL VECCHIO, Giorgio. Lições de Filosoa do Direito. Trad. Antônio José
Brandão e Cabral de Moncada. Coimbra: Armênio Amado Editor, 1959, p. 352.
96 LóPEZ, Jesús García. El valor de la verdad y otros estudios. Madrid: Editorial
Gredos S.A., 1965, p. 7
97 CHAUÍ, Marilena. Convite `a Filosoa. São Paulo: Editora Ática, 2004, p. 88.
98 LóPEZ, Jesús García. El valor de la verdad y otros estudios. Madrid: Editorial
Gredos S.A., 1965, p. 40-64.
99 SANTO AGOSTINHO apud LóPEZ, Jesús García. El valor de la verdad y otros
estudios. Madrid: Editorial Gredos S.A., 1965, p. 15.
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A prova ilícita no processo civil
tomou grande impulso. A preocupação com a verdade já se fazia sentir em
várias passagens da Bíblia, ad exemplum:
– Então você é rei? – perguntou Pilatos. – É o senhor que está dizendo
que eu sou rei! – respondeu Jesus. – Foi para falar da verdade que eu
nasci e vim ao mundo. quem está do lado da verdade ouve minha voz.
– O que é a verdade? – perguntou Pilatos. Depois de dizer isso, Pilatos
saiu outra vez para falar com a multidão...” (Jo 18, 37); Então Tomé per-
guntou: – Senhor, nós não sabemos aonde é que o senhor vai. Como
podemos saber o caminho? Jesus respondeu: – Eu sou o caminho, a ver-
dade e a vida” (Jo 14,6); De Davi (...)Ensina-me a viver de acordo com a
tua verdade, pois tu és o meu Deus, o meu Salvador (Sl 25, 5); “quando
a verdade é dita, a justiça é feita; mas a mentira produz a injustiça (Pv
12, 17).
Anatole France advoga que a pergunta “o que é a verdade?” é a interro-
gação mais profunda que já se formulou100. A verdade na Grécia antiga era
representada como alétheia (λήθεια), “palavra composta do prexo a (que em
grego indica ‘negação’) e de léthe (que signica ‘esquecimento’)”101 e se referia
à correspondência do enunciado com a realidade. Muito posteriormente, Hei-
degger, ao estudar a etimologia da palavra alétheia, concluiu que correspondia
não à verdade em si (objetiva), mas à busca da verdade, colocando-a como
sinônimo de desvelamento102.
Marilena Chauí professa que
[...] em latim, a verdade se diz veritas e se refere à precisão, ao rigor e à
exatidão de um relato, no qual se diz com detalhes, pormenores e delida-
de o que realmente aconteceu. Verdadeiro se refere, portanto, à linguagem
como narrativa de fatos acontecidos, refere-se a enunciados que dizem
elmente as coisas tais como foram ou aconteceram. Um relato é veraz ou
dotado de veracidade quando a linguagem enuncia os fatos reais103.
100 FRANCE, Anatole apud DURANT, Will. Filosoa da vida. Trad. Monteiro Loba-
to. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1970, p. 23.
101 CHAUÍ, Marilena. Convite `a Filosoa. São Paulo: Editora Ática, 2004, p. 95.
102 HEIDEGGER , Martin. ser e tempo. Trad. Márcia Sá Cavalcante Schuback. Petró-
polis: Vozes, 2009, p. 282-302.
103 CHAUÍ, Marilena. Convite `a Filosoa. São Paulo: Editora Ática, 2004, p. 96.

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