A prova ilícita

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A PROVA ILÍCITA
De todas as limitações ao direito fundamental da prova, a mais impor-
tante delas é a que proíbe as que se derem de forma ilícita. A Constituição Fe-
deral em seu art. 5º, LVI, dispôs que “são inadmissíveis, no processo, as provas
obtidas por meios ilícitos”. A importância desta limitação é tamanha que ela
consta expressamente prevista na Constituição Federal, enquanto o próprio
direito fundamental à prova não consta. Isso não quer dizer que a limitação
da prova sempre possui importância superior ao direito fundamental à prova,
mas tão somente que o Constituinte quis deixar claro sua repulsa inicial pela
prova ilícita.
Para melhor delimitação do instituto da prova ilícita, tratemos de seu es-
corço, de seu histórico, de seu tratamento alienígena, de seu conceito e da dife-
renciação de outros institutos jurídicos cuja nomenclatura pode gerar confusão.
ESCORÇO HISTÓRICO
Inicialmente, não havia a proibição de proposição, admissibilidade, pro-
dução e valoração da prova ilícita, o porque a obtenção da verdade não encon-
trava obstáculos. A prova, em muitos casos, era a própria sentença, como no
caso das ordálias (juízos de Deus), que se davam em várias modalidades como,
por exemplo: a) prova das bebidas amargas – a mulher acusada de adultério,
ingeria a bebida amarga e, se contraísse o rosto e se seus olhos cassem verme-
lhos, era considerada culpada; b) prova pelo veneno – consistente na ingestão
de veneno, o qual poderia ter efeito purgativo ou ocasionar vertigens e até a
morte. O mal-estar, concomitante com a sobrevivência, era considerado como
absolvição; c) prova pelo fogo – para vericar se o indivíduo possuía razão,
averiguava-se se ele não se queimava ao tocar, com a língua, o ferro quente,
ou ao conduzir uma barra de ferro em brasa, ou ao caminhar com os pés so-
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Wendel de Brito Lemos Teixeira
bre barras de ferro incandescentes; d) prova pela água – pela água quente, o
indivíduo que não se queimasse ao pegar um objeto do fundo de uma caldeira
d´água fervente era absolvido, e, pela água fria, o indivíduo que, amarrado
pela mão direita e pelo pé esquerdo, sobrevivesse ao ser atirado no rio, era
considerado culpado, mas, se afundasse, era considerado inocente; e) prova da
cruz – os demandantes eram colocados de pé, com os braços abertos, diante
de uma cruz, e aquele que, por cansaço, deixasse pender os braços era culpado;
f) prova das serpentes – se o acusado não fosse mordido por nenhuma das 2
serpentes colocadas com ele, seria considerado inocente; g) prova do cadáver
– colocava-se o corpo da vítima perante o acusado e, se no corpo da vítima vol-
tasse a correr sangue, aquele era culpado; h) duelo – combate no qual a pessoa
que tinha razão era protegida por Deus e vencia322.
Somente a partir do início do século XX surgiram teorias (ainda que timi-
damente) sobre a necessidade de limitação da busca da verdade. Algum tempo
depois, principalmente na Alemanha e nos Estados Unidos, desenvolveu-se
teoria defendendo a limitação ao direito probatório e à inadmissibilidade de
proposição, de admissão, de produção e de valoração da prova ilícita.
No Brasil, o Regulamento 737 previa, em seu art. 138, que eram admiti-
das as seguintes provas (escrituras públicas e instrumentos, escritos particula-
res, conssão judicial, conssão extrajudicial, juramento supletório, juramen-
to, depoimento testemunhal, presunções, arbitramento, depoimento da parte e
vistorias). Apesar de tal previsão numerus clausus, admitia-se as provas ilícitas.
Posteriormente, deu-se a proliferação dos códigos de processo civil estaduais,
os quais abordaram a ilicitude de provas de diferentes formas.
Com a passagem da competência para a União legislar sobre processo
civil, adveio o Código de Processo Civil de 1939, o qual dispôs, em seu art. 208,
que “são admissíveis em juízo todas as espécies de prova reconhecidas nas leis
civís e comerciais”.
Em 1973 adveio o Código de Processo Civil agora revogado, que dispôs,
em seu art. 332, que “todos os meios legais, bem como os moralmente legíti-
322 GUSMÃO, Manuel Aureliano de. Processo Civil e Comercial: explanação de um
programa. Vol. II. São Paulo: Saraiva & Cia., 1924, p. 21-32.
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A prova ilícita no processo civil
mos, ainda que não especicados neste Código, são hábeis para provar a ver-
dade dos fatos, em que se funda a ação ou a defesa”. Segundo aponta Nelson
Nery, embora inexistente tratamento expresso da prova ilícita, a doutrina e
jurisprudência a partir do código de processo civil já passou a inadmitir a pro-
va ilícita com base no art. 332 do CPC, por entender que a prova ilícita não era
“legal ou moralmente legítima323.
Até tal época, nenhuma das Constituições Federais tratou da admissi-
bilidade, ou não, de prova ilícita. Somente em 1988, após longo período au-
toritário, adveio a Constituição Federal de 1988, que regrou, em seu art. 5º,
LVI: “são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos”. Tal
redação foi baseada no art. 32, inciso 8 da Constituição Portuguesa de 1976:
“art. 32, 8 – São nulas todas as provas obtidas mediante tortura, coação, ofensa
da integridade física ou moral da pessoa, abusiva intromissão na vida privada,
no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações”.
Em 2015, o CPC dispôs em seu art. 369 que “as partes têm o direito de
empregar todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, ainda
que não especicados neste Codigos, para provar a verdade dos fatos em que
se funda o pedido ou a defesa e inuir ecazmente na convicção do juiz”.
DIREITO ESTRANGEIRO
Elegeu-se para estudo de direito comparado os EUA, Alemanha, Espa-
nha e Itália por serem estes os que mais desenvolveram estudos e tem em seus
respectivos ordenamentos jurídicos, o melhor tratamento do tema das provas
ilícitas que se tem notícia.
Alemanha
A Alemanha e os EUA foram os países que mais desenvolveram o tema
das provas ilícitas324. No ano de 1903, o jurista alemão Beling fez publicar subs-
323 NERY JR., Nelson. Princípios do processo na Constituição Federal: processo ci-
vil, penal e administrativo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 259.
324 MENDRONI, Marcelo Batlouni. Provas no processo penal: estudo sobre a valo-
ração das provas penais. São Paulo: Editora Atlas, 2010; p. 148.

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