Por que as pessoas fazem o que fazem?

AutorNatália Ribeiro Machado Vilar
Páginas1-26
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POR QUE AS PESSOAS
FAZEM O QUE FAZEM?
“A razão é tão poderosa quanto ardilosa”
Hegel (1817)
O direito envolve um sistema de normas que regula as condutas e a interação
das pessoas em sociedade. Na elaboração dessas normas, a ação humana é objeto
de valoração. Examina-se quais comportamentos são desejáveis, reprováveis ou
necessários, para, então, serem editadas normas que facultem, proíbam ou tornem
obrigatórias as determinadas condutas (MACHADO SEGUNDO, 2016).
O estudo acerca do real comportamento das pessoas, portanto, pode ser um
valioso instrumento de investigação do próprio fenômeno jurídico, da efetividade
das normas e da ef‌iciência do sistema. Por essa razão, considera-se importante ref‌letir
sobre as contribuições de outros ramos do conhecimento, sobretudo daqueles que
se voltam ao estudo da decisão humana ou dos fatores que a inf‌luenciam, como é o
caso da economia, da neurociência e da psicologia.
1.1 O COMPORTAMENTO SEGUNDO A ECONOMIA: A PERSPECTIVA DE
GARY BECKER
Em “The Economic Approach to Human Behavior” [A abordagem econômica do
comportamento humano], Gary Becker (1976) apresenta a ideia de que a perspectiva
econômica pode ser aplicada a qualquer comportamento humano.
Na referida obra, Becker (1976) descreve como a abordagem econômica pode
ser empregada na tentativa de compreender variadas condutas em uma diversidade
de contextos. Inclui, dentre outros, a abordagem econômica no campo da discrimi-
nação racial, da fertilidade, da educação, dos usos do tempo, do crime, do casamento
e das interações sociais.
No início de seu estudo, Becker (1976) informa que há diferentes e conf‌litantes
compreensões acerca da def‌inição de economia, todas baseadas em seu objeto de
estudo: “(1) a alocação de bens materiais para satisfazer as necessidades materiais,
(2) o setor de mercado e (3) a alocação de meios escassos para satisfazer f‌ins con-
correntes” (p. 3). Defende, porém, que a def‌inição de economia baseada em bens
COMPORTAMENTO LITIGIOSO • NATÁLIA RIBEIRO MACHADO VILAR
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materiais é a mais restrita e, portanto, a menos satisfatória, por não descrever de modo
apropriado o seu objeto de estudo. Conclui, assim, que o modo mais adequado para
def‌inir a economia deve considerar os meios escassos e os f‌ins concorrentes, porque
dimensiona a natureza do problema a ser resolvido (Becker, 1976).
Becker (1976) pondera, ainda, que talvez a persistência de vincular a economia
somente a bens materiais pode decorrer do constrangimento de submeter o “com-
portamento humano ao cálculo ‘frígido’ da economia” (p. 4):
A escassez e a escolha caracterizam todos os recursos alocados pelo processo político (incluin-
do quais setores tributar, com que rapidez aumentar a oferta de dinheiro e se deve ou não ir à
guerra); pela família (incluindo decisões sobre o cônjuge, o tamanho da família, a frequência de
idas à igreja e a distribuição de tempo entre dormir e acordar); por cientistas (incluindo decisões
sobre como alocar seu tempo de raciocínio e energia mental para diferentes problemas de pes-
quisa); e assim por diante com uma variedade innita. Essa denição de economia é tão ampla
que muitas vezes é uma fonte de constrangimento em vez de orgulho para muitos economistas,
e geralmente é imediatamente qualicada para excluir a maioria dos comportamentos fora do
mercado. (Becker, 1976, p. 4).
Becker (1976) entende, também, que é difícil precisar exatamente qual é a
diferença entre a economia e as outras ciências, cujos escopos são igualmente ge-
néricos, como a sociologia, psicologia, antropologia, política ou mesmo a genética.
Sustenta, por essa razão, ser melhor a análise dessas ciências quanto à sua abordagem,
e não quanto à sua def‌inição. Compreende que “muitos tipos de comportamento
se enquadram no assunto de várias disciplinas: por exemplo, o comportamento da
fertilidade é considerado parte da sociologia, antropologia, economia, história e
talvez até política” (p. 5).
“A abordagem econômica claramente não se restringe a bens e necessidades
materiais, nem mesmo ao setor de mercado” (Becker, 1976, p. 6). Para Becker, a
abordagem econômica prevê respostas que podem ou não se referir a valores mone-
tários, pois é capaz de aferir o custo de oportunidade do uso de recursos escassos.
“Considere [...] uma pessoa cujo único recurso escasso é o seu tempo limitado.
Este tempo é usado para produzir várias mercadorias que entram em sua função
de preferência, com o objetivo de maximizar a utilidade” (1976, p. 6). Portanto,
Becker (1976) entende que a abordagem econômica pode ser aplicada a qualquer
comportamento humano:
cheguei à posição de que a abordagem econômica é abrangente e aplicável a todo comporta-
mento humano [...] comportamento envolvendo preços [...], decisões repetidas ou raras, decisões
grandes ou pequenas, ns emocionais ou mecânicos, ricos ou pobres, homens ou mulheres,
adultos ou crianças, pessoas brilhantes ou estúpidas, pacientes ou terapeutas, empresários ou
políticos, professores ou estudantes. As aplicações da abordagem econômica assim concebida
são tão extensas quanto o escopo da economia na denição dada anteriormente, que enfatiza
meios escassos e ns concorrentes.
[...] Na faculdade, fui atraído pelos problemas estudados por sociólogos e pelas técnicas analíticas
utilizadas pelos economistas. Esses interesses começaram a se fundir em meu estudo de douto-

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