As primeiras cartas constitucionais/Le prime carte costituzionali.

AutorRomano, Santi

Le prime carte costituzionali (1)

Se é verdade que a noite misteriosa das épocas remotas atrai, com frequência, mais do que os crepúsculos dos tempos que acabam de passar, e que o interesse da história cresce, então, em razão do afastamento em que ela pretenda projetar a luz da sua investigação, não é menos verdade que um fascínio, de todo especial, possuem aquelas épocas cujo início se descortina em séculos transcorridos, mas que, ainda não encerradas, espera-se que abrangerão um futuro não efêmero.

Mas elas apresentam peculiares dificuldades àqueles que as tornam objeto de seu estudo: ao examiná-las, de fato, é preciso proteger-se não apenas contra os distúrbios da vista, que são o perigo para o historiador, mas também contra as visões que facilmente persuadem ao ofício de profeta, assim como contra as miragens que amiúde induzem à ilusão de se poder, para além de conhecê-lo, dominá-lo e moldá-lo a um seu próprio modo, o futuro.

Aquilo que se pode perscrutar em tais casos, e, sobretudo, aquilo que se pode conjecturar, é muito pouco diante daquilo que deve permanecer um enigma: daí a incumbência de sermos, com maior afinco, prudentes, discretos e serenos.

É já decorrido um período de tempo, que ultrapassa largamente o transcurso de um século, desde que as primeiras cartas constitucionais, no sentido moderno da palavra, foram elaboradas; em derredor de um tal epicentro, quase como se em torno de um centro de gravidade, agrupam-se e coordenam-se inúmeros outros acontecimentos que, aparentemente, deveriam explicá-lo e esclarecê-lo: revoluções e guerras que ensanguentam a América e a Europa; conjurações e embustes levados a cabo no recôndito mistério; transformações profundas nas fibras mais delicadas do durâmen social; regimes seculares que colapsam inesperadamente e novos regimes que surgem quase de improviso, mas não raro com um espírito tenaz de vitalidade; doutrinas fecundas, ou que assim se apresentam, e estranhas, embora generosas, utopias; tudo aquilo, enfim, que de mais importante e de mais memorável registrara a história desse período está, decerto, mais ou menos correlacionado, de forma íntima, com a forma de ordenamento político que as cartas constitucionais consagraram.

Elas surgiram, acertadamente pode-se dizê-lo, por várias gerações, como uma meta na qual a maioria dos Estados esperava poder se reclinar demoradamente; um símbolo e uma expressão de uma daquelas correntes sorvedouras com as quais a humanidade, por vezes, se depara e pela qual é tragada em seu fatal caminhar.

Mas como tal corrente se formara, donde ela desentranha a sua força, qual seja a sua natureza íntima, para qual atracadouro ela mareie e qual destino ela mature, não podem afirmar conhecê-lo senão aqueles que estão habituados a se contentarem com uma observação assaz superficial e não sabem que precisamente as coisas aparentemente mais simples e tangíveis encobrem aspectos fugidios.

E o é que, além da dificuldade de avaliar com precisão eventos que possuem manifestações tão complicadas e variegadas no decorrer de um período de tempo tão longo, erraria por demais quem cresse que tal movimento tenha-se interrompido naqueles países nos quais se afirmaria ter surgido uma carta constitucional justamente para resolver o problema do seu ordenamento político.

Pelo contrário, uma série de indícios adverte-nos de que, mesmo nestes países--não apenas aqueles que ainda estão em chamas, para percorrer o caminho pelos demais já percorrido--,eles se encontram sob o mesmo e antigo influxo, atuante com forças ou, agora, em estágios diversos, mas na mesmíssima direção.

Desse ponto de vista, o fenômeno do constitucionalismo hodierno não aparenta ser senão uma mera fase de outros fenômenos mais abrangentes e que ainda não se manifestaram totalmente; não um ponto de chegada, mas uma força que nos empurrou e que nos empurra; certamente há qualquer aspecto cuja observação não nos é possível, a não ser que o façamos tal qual se observa aquilo que ainda persegue um seu movimento e que, ao mesmo tempo, nos carrega consigo neste seu caminhar.

Entrementes, ao logo do caminho, presentemente longo, que ele percorrera, encontramos alguns encalços sobre os quais se nos mostra útil fixarmos a nossa atenção, tanto mais porquanto esses estejam, cá e acolá, puídos e desvanecidos, e não nos acompanham, então, por toda a longa estrada a qual, como já o afirmamos, perde-se em meandros inexplorados já desde o seu início.

Dentre tais encalços, os mais seguros e conspícuos, aqueles que especialmente se prestam ao breve discurso que pode ser feito na presente ocasião, são as cartas constitucionais, assaz numerosas mas amiúde de todo uniformes, que precederam aquelas atualmente em vigor, conferindo-lhas grande parte de suas características extrínsecas e incutindo-lhas, de qualquer forma, o seu espírito.

Estudá-las, pois, tais cartas, não é importante tão somente para a história; aliás, não histórico, no sentido puro e literal do termo, é o exame ao qual ora se pretende, com o propósito de considerá-las não tanto em si mesmas, mas sim enquanto antecessoras, quase como os trabalhos preparatórios daquelas que regem a maior parte dos Estados hodiernos.

Não tanto, pois, os seus conteúdos, em suas miudezas, é o que se pretende expor nem tampouco um aceno à história peculiar de cada uma delas: bastará, ao invés, rastrear o fundamento e a alma do direito público vigente. Esse, de fato, recebera uma de suas características que, à primeira vista, julgar-se-ia meramente formal, mas cuja importância é, ao contrário, grandiosíssima.

O direito público vigente anterior, não apenas nos Estados submetidos ao assim chamado Absolutismo, mas também na Inglaterra, era, em demasiada parte, tão somente costumeiro e tradicional: na Inglaterra, aliás, tal característica, que ainda hoje ele conserva, aparecia e aparece de todo mais saliente, quase como arraigado à índole e à vocação política daquele povo.

Ali, diferentemente de outros lugares, a história do ordenamento constitucional, excetuados determinados períodos de crise, por mais longos e violentos que tenham sido, pode ser considerada claramente uma história interna que florescera e se maturara não por acaso, como geralmente se acredita, mas em virtude de forças quase alheias à vontade e ao arbítrio do homem.

O bom gérmen da planta, atualmente já secular, não o fora semeado por ninguém e da sua existência jamais alguém se apercebera até que firmemente enraizadas estivessem as suas radículas e auspiciosos se mostrassem os seus primeiros frutos. Ramos e folhagens brotaram e brotam, tanto mais robustos e verdes quanto mais lentos e espontâneos, sem a deformação de artificiosos enxertos e tampouco mão alguma de um qualquer agricultor presunçoso o qual tenha sequer ousado tocar aquelas que, decorrido tanto tempo, teriam sido, em países outros, consideradas já murchas ou esmarridas e, então, sofregamente podadas.

Seguramente elas se ressentiram da fúria das tempestades e do abalo dos raios, tanto das forças naturais aversas como daquelas bonançosas, mas jamais, afortunadamente, exceto em parquíssima medida, da irrisória obra humana, que se crisma racional mas o é, não raro, disruptiva.

Em 1641, Hobbes não encontra ainda definido, por nenhum autor, o que significa "lei fundamental". E quando Cromwell, seduzido pelas teorias contratualistas que estavam sendo delineadas, tencionou conferir à Inglaterra uma constituição escrita, que deveria ser aceita por todo o povo, a sua tentativa não poderia ter resultado outro senão o de fazer-nos refletir, agora, por qual estranha combinação a ideia de uma carta constitucional deveria nascer justamente naquele país que, até estes nossos dias, não possuíra uma sequer.

Este, é verdade, custodiara dentre os seus mais preciosos tesouros aqueles antigos documentos nos quais, por vezes, ocorrera de consagrar os princípios basilares do seu direito público; mas tais textos, seja por algumas de suas especiais características, seja porque concernem tão somente a pontos precisos do ordenamento político daquele Estado, não podem, decerto, ainda que remotamente, serem paragonados com as verdadeiras e autênticas cartas constitucionais, no sentido moderno da palavra.

A ideia de confranger em uma breve série de artigos, a serem compilados de chofre e a serem promulgados em um dia, as supremas normas que regulam a vida estatal, o ordenamento dos poderes públicos, as garantias das liberdades, não pode certamente surgir com uma eficácia prática quando um povo dispõe da inestimável fortuna de extrair tais normas da sua própria história e das suas tradições, ou seja, de todas as faculdades que tiveram a oportunidade de se equilibrarem e de serem amadurecidas; de sua própria alma.

As fontes do direito público, pois, são o que normalmente têm de ser: variegadas e complicadas, dispersas em uma enorme quantidade de textos e documentos, formadas em momentos diversos, desprovidas de um sistema pré-estabelecido, mas coligidas por meio do firmado cimento de seu caráter comum, perene e genuína emanação do espírito nacional a partir do qual foram elaboradas.

Tão somente quando um povo é obrigado a rompê-la, pela sua história, e já não encontra mais no passado um guia seguro para o porvindouro, quando lhe ocorre improvisar, numa hora de fermentação, aquilo que, normalmente, é e deve sê-lo o burilo remansado de séculos, ele se depara com a dificuldade de fiar-se nas incertezas e no arbítrio, senão no capricho do racionalismo, de suprir com a arte e, mais frequentemente, com o artifício, aquilo que deveria ser provido por um remansado e involuntário processo natural.

Tal necessidade pode surgir na formação de um novo Estado ou no estabelecimento de um novo governo, após uma crise aberta ou latente.

As cartas constitucionais não têm, via de regra, outra origem; e isso explica como elas, especialmente em suas primeiras formulações, são de todo afetadas pela indefinição, por deficiências, redundâncias, ingenuidades e por...

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