A assistência jurídica como garantia fundamental do acesso à justiça no Estado Democrático de Direito

AutorWillis Santiago Guerra Filho
CargoProfessor Titular da Escola de Ciências Jurídicas da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro e Professor Adjunto de Filosofia do Direito com Teoria Geral do Direito no Departamento de Direito Privado da Universidade Federal da Bahia. Professor dos Programas de Pós-Graduação stricto sensu do UNIFIEO, SP e U
Páginas95-99

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Recebido em 11|12|2006 Aprovado em 15|12|2006

A exata compreensão do significado da assistência jurídica gratuita e das isenções processuais, enquanto formas de viabilizar o acesso à justiça - e, logo, de um direito fundamental, o que lhe confere a natureza, ela própria, de garantia fundamental - pressupõe o "Estado Democrático de Direito", que nossa Constituição pretende instituir no País - é o que se lê em seu "Preâmbulo" e no seu primeiro artigo. A percepção do significado dessa "fórmula política", por esta adotada, de acordo com Pablo Lucas Verdú (1977, p. 532), constituiu-se como um programa de ação a ser partilhado por todo integrante da comunidade política, e por isso, responsável a um só tempo pela sua mobilidade e estabilidade. "A fórmula política", acrescenta porém o eminente catedrático da Universidade de Madri, "é um fator essencialmente dinâmico, pois toda ideologia pretende realizar-se mediante sua institucionalização e sua implantação na realidade social".1

Historicamente, poder-se-ia localizar o seu surgimento nas sociedades européias recém-saídas da catástrofe da II Guerra, que representou a falência tanto do modelo liberal de Estado de Direito, como também das fórmulas políticas autoritárias que se apresentaram como alternativa. Se em um primeiro momento observou-se um prestígio de um modelo social e, mesmo, socialista de Estado, a fórmula do Estado Democrático se firma a partir de uma revalorização dos clássicos direitos individuais de liberdade, que se entende não poderem jamais ser demasiadamente sacrificados, em nome da realização de direitos sociais. O Estado Democrático de Direito, então, representa uma forma de superação dialética da antítese entre os modelos liberal e social ou socialista de Estado.2

A cada um desses modelos de Estado correspondem determinadas "gerações de direitos fundamentais", como bem explica Mestre Paulo Bonavides (1990/1991, id., 1997, p. 524 ss.). A primeira geração é aquela em que aparecem as chamadas liberdade públicas, "direitos de liberdade", que são direitos e garantias dos indivíduos a que o Estado se omite de interferir em sua esfera juridicamente intangível. Com a segunda geração surgem direitos sociais a prestações pelo Estado para suprir carências da coletividade. Já na terceira geração concebe-se direitos cujo sujeito não é mais o indivíduo nem a coletividade, mas sim o próprio gênero humano, como é o caso do direito à higidez do meio ambiente e do direito dos povos ao desenvolvimento. Aqui cabe falar em direitos gestados sucessivamente na história para atender aos reclamos das revoluções do séc. XVIII por "liberdade, igualdade e fraternidade". Os direitos fundamentais de última geração, aqueles mais próprios do Estado Democrático de Direito, são mais que direitos de liberdade e igualdade, são direitos de fraternidade ou, talvez melhor, de solidariedade.

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A instituição da Defensoria Pública, incumbida de prestar assistência jurídica gratuita, ilustra bem o significado diverso dessas gerações de direitos fundamentais, bem como dos modelos de Estado a que correspondem. Se no Estado liberal de Direito o patrocínio das causas de necessitados, quando se dava às custas do Estado, limitava-se a causas penais, ficando o restante na dependência de uma "caridosa" prestação de assistência judiciária gratuita por parte de advogados - assim era a situação entre nós ainda sob a égide da primeira Constituição Republicana, de 24 de fevereiro de 1891 -, é com os modelos mais socializantes de Estado, mesmo aqueles autoritários, que se cria instituições públicas de assistência judiciária aos necessitados, como ocorreu no País com a Carta Constitucional de 1934, por força de seu art. 113.

No Estado Democrático de Direito é que se vai superar, dialeticamente, a contraposição entre o absenteísmo estatal e o assistencialismo, sendo essa superação visível, em matéria de assistência jurídica, numa instituição como...

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