Automatismo cerebral - análise crítica e impacto no sistema de imputação de responsabilidades

AutorAntonio Carlos Fontes Cintra
CargoDefensor Público do Distrito Federal, Coordenador do Núcleo de Defesa do Consumidor, Doutor em Ciências Jurídicas Civis pela Universidade de Lisboa
Páginas66-83
Automatismo cerebral – análise crítica
e impacto no sistema de imputação de
responsabilidades
Brain automatism – critical analysis and impact on the
system of liabilities imputation
Antonio Carlos Fontes Cintra*
Mackenzie Brasília, Brasília – DF, Brasil
1. Introdução
No presente século, centenas de processos criminais nos Estados Unidos
tiveram como pano de fundo estudos neurobiológicos exibidos pela defesa
no intuito de afirmar a falta de uma escolha pessoal, de uma vontade livre,
a qual pudesse imputar aos réus culpa na conduta tipificada como crimi-
nosa. No ano de 2012, em 250 processos, mais que o dobro do número
de 2007, foram apresentados trabalhos científicos, exames de imagens e
outras evidências que buscaram, de algum modo, afirmar a tese de que o
“cérebro do réu o fez agir daquele modo”1.
Estudos de neuroimagem funcional em indivíduos diagnosticados
com transtornos antissociais têm sugerido disfunção dos lobos frontal e
temporal. Estudos de tomografia por emissão de pósitrons (PET – Positron
emission tomography) mostraram associações entre metabolismo reduzido
*Defensor Público do Distrito Federal, Coordenador do Núcleo de Defesa do Consumidor, Dou-
tor em Ciências Jurídicas Civis pela Universidade de Lisboa, Pós-doutorado pelo Regent Colle-
ge, Mestre pela UMESP, pós-graduado em Processo Civil pela Unisul, professor universitário de
graduação e pós graduação e de cursos preparatórios para concurso em Direito do Consumi-
dor e Direito Civil. Membro do Conselho Nacional de Defesa do Consumidor. Presidente da
Comissão de Defesa do Consumidor da ANADEP, Vice-presidente da Comissão de Defesa do
Consumidor junto ao Condege. Autor de livros e artigos jurídicos. E-mail: acfcintra@gmail.
com. Orcid: 0000-0002-2515-1644.
1 FARAHANY, 2016, pp. 485–509.
Direito, Estado e Sociedade n.59 p. 66 a 83 jul/dez 2021
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Direito, Estado e Sociedade n. 59 jul/dez 2021
no córtex frontal e história de comportamento violento repetitivo, de
agressão e homicídio. Redução da perfusão frontal tem sido descrita em
indivíduos diagnosticados com transtornos antissociais estudados por to-
mografia computadorizada por emissão de fóton único (SPECT). Anorma-
lidades de ativação frontal têm sido relatadas utilizando ressonância mag-
nética funcional (RMf) durante tarefas que avaliam a inibição da resposta
e o processamento de estímulos emocionais. Diferenças na ativação nos
lobos temporais de psicopatas também foram demonstradas usando resso-
nância magnética funcional durante tarefas que avaliam o processamento
de palavras emocionais e imagens emocionalmente carregadas2.
Muitos são os estudos apresentados que buscam relacionar genética,
fisiologia cerebral, danos cerebrais e outros elementos da estrutura corpo-
ral a uma predisposição a crimes e são temas que merecem uma digressão
específica sobre seus resultados, diante da natureza de um aparente lom-
brosionismo moderno3. O tema será tratado em outra ocasião. O objetivo
deste artigo centra-se em teoria ainda mais abrangente, que se refere não a
determinada e pessoal formação cerebral ou conteúdo genético, mas sim à
própria capacidade do ser humano de fazer escolhas.
O direito penal e toda política criminal hoje existentes partem do
pressuposto de que a imputação penal depende da ideia de que o agente
era capaz de fazer escolhas e que podia optar entre a conduta praticada
e qualquer outra. O mesmo pode ser dito da responsabilidade aquiliana,
descrita em seus elementos pelo art. 186 do Código Civil pátrio. Estudos
modernos, todavia, desafiam essa lógica e apresentam a concepção de que
a escolha é uma ilusão, um artifício cerebral. A desconstrução do elemento
volitivo traz radicais transformações no sistema de responsabilidade civil e
criminal e, por consequência, impõe que toda política de Estado dirigida
para prevenção e reparação do dano seja repensada.
Este breve trabalho apresentará as linhas gerais da moderna e crescen-
te teoria do automatismo cerebral, sua base científica, os experimentos rea-
lizados e argumentos a seu favor, assim como o impacto para as políticas
públicas, as implicações para a responsabilidade civil e criminal, as críticas
oferecidas por outros estudos científicos, as atuais constatações da ciên-
cia, as discussões filosóficas e cosmovisões (Weltanschauung) correlatas e a
2 EASTMAN; CAMPBELL, 2006.
3 A respeito, conferir CINTRA, 2019, pp. 53-65.
Automatismo cerebral – análise crítica e impacto no sistema
de imputação de responsabilidades

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