Breve overview sobre os efeitos laborais da lei das plataformas portuguesas

AutorDuarte Abrunhosa e Sousa
Ocupação do AutorAdvogado
Páginas161-166
Breve Overview sobre os Efeitos Laborais da Lei das Plataformas Portuguesas 161
BREVE OVERVIEW SOBRE OS EFEITOS LABORAIS DA LEI DAS
PLATAFORMAS PORTUGUESAS(1)
Duarte Abrunhosa e Sousa(2)
1. Enquadramento geral das plataformas de transportes em Portugal
Tal como na maior parte dos países ocidentais, as plataformas de transporte individual iniciaram a sua
atividade em Portugal com vista a ocupar uma posição estratégica com vista a assumirem-se com grandes
players do mercado. Assim, empresas como a UBER e a Cabify começaram a sua atividade no país em julho
de 2014(3) e maio de 2016, respetivamente(4), aumentando de forma sistemática a sua quota de mercado(5). Na
verdade, estas plataformas assumiram-se rapidamente como um produto diferenciador do tradicional serviço
de táxi, uma vez que basta recorrer a um smartphone para solicitar o transporte do ponto A para o ponto B.
Para além disso, o facto de não haver transações em dinheiro para proceder ao pagamento do transporte,
reforça ainda mais o carácter prático destas plataformas.
Assim, quase cinco anos depois do início da atividade da primeira plataforma, é possível afirmar que exis-
te alguma normalização na sua utilização por parte dos consumidores em Portugal. Para além disso, se numa
primeira fase não existia qualquer regulamentação específica para o sector, no dia 10.08.2018 foi publicada
a Lei n. 45/2018, com vista a criar o regime jurídico da atividade de transporte individual e remunerado de
passageiros em veículos descaracterizados a partir de plataforma eletrónica. Este diploma entrou em vigor no
dia 01.11.2018.
O grande debate que tem sido estimulado na sociedade portuguesa quanto à introdução no mercado
destas plataformas tem como principal enfoque a falta de regulamentação e uma alegada natureza de concor-
rência desleal face aos taxistas. Até a presente data, nunca foi levantada qualquer questão laboral que tenha
tido eco na opinião pública. Apesar de se desconhecer a natureza das ações interpostas em primeira instância
em Portugal e, por via disso, não podermos afirmar com certeza que, de facto, inexistem, a ausência de visi-
bilidade das mesmas, acaba por ser um indício forte disso mesmo. Ainda assim, importa abraçar o diploma de
forma mais detalhada e identificar o seu conteúdo de índole laboral.
2. A Lei n. 45/2018, de 10 de agosto (LPPT) — Considerações gerais
Conforme acima referido, o legislador português procurou regular a atividade das plataformas de trans-
portes por meio da criação de um regime legal próprio. Este marco regulatório não foi, contudo, o resultado
de um processo simples e consensual. Na realidade, a primeira versão do diploma aprovado pela Assembleia
(1) Abreviaturas utilizadas: ACT — Autoridade para as Condições de Trabalho; Art. — Artigo; CRP — Constituição da República Portuguesa;
CT — Código do Trabalho; DL — Decreto-Lei; IMT — Instituto da Mobilidade e dos Transportes; LPPT — Lei Portuguesa das Plataformas de
Transportes; TJUE — Tribunal de Justiça da União Europeia; TVDE — transporte em veículo descaracterizado a partir de plataforma eletrónica;
(2) Advogado. Investigador do CIJE — Faculdade de Direito da Universidade do Porto. Docente universitário convidado. Membro do
Comité Executivo da Rede CIELO Laboral. Vice-presidente e associado fundador da AJJ — Associação de Jovens Juslaboralistas. Membro
do Committee of Experts do Center for Comparative Labour Law and Social Security Law (COMPASS) da Universidade de Lodz. As-
sociado da APODIT.
(3) Cfr. (com último acesso a 29.01.2009).
(4) Sobre o processo de integração das plataformas de transportes em Portugal, cfr.
-taxify-e-chaffeur-prive-quatro-plataformas-a-operar-em-portugal-9867057.html (com último acesso a 29.01.2019). Atuam igualmente
no mercado português a taxify e a chaffeur prive.
(5) De acordo com a informação divulgada, a UBER, por exemplo, passou de 1.000 motoristas em 2016 para 2.500 em 2018 (cfr.
).
162 Duarte Abrunhosa e Sousa
da República foi vetada pelo Presidente da República que sugeriu alterações que (i) visassem a modernização
normativa do sector de táxi e (ii) promovessem um maior equilíbrio na regulação das plataformas(6). Esta to-
mada de decisão esteve sempre envolvida num contexto de forte contestação por parte dos taxistas. Assim,
foi o diploma devolvido para a Assembleia da República que acabou por produzir as alterações solicitadas com
a consequente promulgação do Presidente no dia 31.07.2018.
Nos termos da LPPT, são elencadas, desde logo, as entidades que são objeto primordial do regime em
causa. Deste modo, é identificada como TVDE a atividade de transporte individual e remunerada de passa-
geiros em veículos descaracterizados a partir de plataforma eletrónica(7). Não ficam dúvidas que o legislador
pretendeu regular somente os serviços de transportes com recurso a plataformas como a UBER, Cabify, entre
outras, ficando afastado do âmbito de aplicação deste diploma plataformas que se dedicam a atividades dis-
tintas, como, por exemplo, a Deliveroo, UBER Eats ou Airbnb. Portanto, apesar da economia colaborativa estar
em franco crescimento em Portugal com a integração de diversas plataformas, o animus legislativo focou-se
somente no tema que acabou por uma maior visibilidade mediática — plataformas de transporte individual
remunerado de passageiros em veículos descaracterizados. Esta visão específica do regime criado fez com
que o diploma fosse designado essencialmente como a “Lei UBER”(8). Por outro lado, este regime faz uma
delimitação negativa afastando a sua aplicação a plataformas eletrónicas que sejam somente agregadoras de
serviços e que não definam os termos e condições de um modelo de negócio próprio, as atividades de partilha
de veículos sem fim lucrativo(9) e o aluguer de veículo sem condutor de curta duração com características de
partilha(10), organizadas ou não por meio de plataformas eletrónicas(11).
Relativamente aos operadores de TVDE, o legislador faz ainda uma consideração especial que merece,
desde já, destaque significativo. Assim, em território português, apenas uma pessoa coletiva poderá exercer
a atividade de operador de TVDE(12). Ou seja, o legislador estabelece como marco regulador que o desenvolvi-
mento desta atividade está dependente da constituição de uma pessoa coletiva. Para este efeito, o início da
atividade de operador de TVDE está sujeito a licenciamento do IMT, a requerer por via eletrónica mediante o
preenchimento de formulário normalizado e disponibilizado por intermédio do Balcão do Empreendedor. Para
além disso, existe um requisito de idoneidade associado aos titulares dos órgãos de administração, direção
ou gerência da pessoa coletiva, mediante a não verificação das seguintes condicionantes(13): (i) proibição legal
para o exercício de comércio; (ii) condenação transitada em julgado por infrações de natureza criminal às
normas relativas ao regime das prestações de natureza retributiva, ou às condições de higiene e segurança no
trabalho, à proteção do ambiente e à responsabilidade profissional; e (iii) inibição do exercício do comércio por
ter sido declarada a falência ou insolvência, enquanto não for levantada a inibição ou a reabilitação do falido.
Portanto, existe uma preocupação acrescida de garantir a idoneidade dos órgãos da pessoa coletiva que de-
senvolve a atividade de operador de TVDE. Não há, pois, hipótese de a atividade ser exercida diretamente por
uma pessoa singular. A condução dos veículos é efetuada por motoristas com inscrição nas plataformas que
recorrem aos serviços do operador.
De uma forma geral, o diploma procura regular a atividade corrente de um operador de TVDE aproxi-
mando as suas regras aos transportes individuais tradicionais, por forma a preservar regras elementares de
concorrência. No entanto, não podemos ignorar a existência de um conjunto ténue de normas que visam
determinar o conjunto de padrões mínimos do ponto de vista jurídico-laboral.
3. Efeitos laborais previstos na LPPT
Tal como foi possível constatar, o legislador português acabou por antecipar-se na resolução do problema
da natureza do vínculo estabelecido entre o motorista e a plataforma de gestão do transporte(14). Com efeito,
(6) Este veto teve lugar no dia 29.04.2018.
(7) Cfr. art. 1º, n. 1 da LPPT
(8) Cfr. os seguintes exemplos da comunicação social portuguesa: /interior/lei-uber-entra-em-vigor-o-que-
muda--10114070.html> e
que-vai-mudar-com-a-lei-da-uber/>.
(9) O legislador refere-se expressamente a carpooling.
(10) Identificado pelo legislador como carsharing.
(11) Cfr. ns. 3 e 4 do art. 1º da LPPT.
(12) Cfr. art. 2º, n. 1 da LPPT.
(13) Cfr. art. 4º, n. 1 e 2 da LPPT.
(14) O que não dizer que tenha havido uma efetiva demissão da classificação do estatuto laboral do motorista como apontámos pouco
tempo depois da publicação da LPPT (cfr. Impacto da Economia Colaborativa nas Relações de Trabalho — Uma Discussão com Fim
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de uma forma generalizada, a discussão laboral trazida pela economia colaborativa passa por identificar se
entre a plataforma e o motorista existe uma verdadeira relação de trabalho dependente ou se se trata de uma
relação comercial independente de prestação de serviços. Ao assumir a obrigação de constituição de pessoa
coletiva para a execução da atividade de operador de TVDE, o legislador português condicionou de forma
significativa esta discussão. Mas se é verdade que aqui se potencia a impossibilidade de um motorista tomar a
iniciativa de exercer de forma autónoma esta atividade diretamente com a plataforma, também não é menos
verdade que este pressuposto subverte um pouco a conceção deste modelo de negócio, no sentido de que o
motorista teria a capacidade de gerir individualmente a sua disponibilidade. Podemos é questionar se a im-
posição da pessoa coletiva como operador de TVDE não poderá conter uma desconformidade com o princípio
constitucional da livre iniciativa económica(15). Ou se esta liberdade de gestão por parte do motorista deve ser
garantida via operador e não via plataforma.
Apesar do diploma promover uma tentativa de resolução do problema da relação contratual entre mo-
torista e plataforma, ainda assim estabelece um conjunto de outras regras com impacto laboral. Desde logo,
estas regras do foro laboral apontam para a regulação da relação contratual entre o motorista e o operador de
TVDE. Por este motivo, a plataforma assume-se sempre como um terceiro para este efeito.
Posto isto, a lei determina requisitos objetivos cumulativos de acesso à profissão de motorista de ope-
radores de TVDE, a saber: (i) ser titular de carta de condução há mais de três anos para a categoria B com
averbamento no grupo 2; (ii) deter certificado de curso de formação rodoviária para motoristas; (iii) ser
considerado idóneo(16); (iv) ser titular de certificado de motorista de TVDE, segundo modelo aprovado demons-
trando o preenchimento dos demais requisitos e atribuindo ao interessado um número único de registo de
motorista de TVDE, com o qual é identificado em todas as plataformas eletrónicas; e v) dispor de um contrato
escrito que titule a relação entre as partes. Uma vez que a atividade efetivamente exercida pelas plataformas
e operadores de TVDE é de transporte individual de passageiros, os requisitos identificados para o exercício
da profissão de motorista parecem ser adequados. Não obstante, é relevante o facto de o legislador estabe-
lecer uma obrigação de apresentação de contrato escrito que suporte a relação entre as partes. Desde logo,
sublinhe-se que a opção passou por referir as partes e não o operador de TVDE. Se o motorista está ao serviço
do operador e não da plataforma, uma interpretação literal menos atenta poderá não conseguir alcançar o
verdadeiro regime contratual, pressupondo uma relação verdadeiramente tripartida. Contudo, este nunca
poderá ser o alcance pretendido na conceção da norma. Isto porque o art. 2º, n. 3 do mesmo diploma refere
que a prestação de um serviço de TVDE se inicia com a aceitação por parte de um motorista que esteja ao
serviço de um operador. Deste modo, a plataforma nunca deverá ser parte do contrato. Para além disso, o n.
10 do art. 10 refere-se expressamente ao vínculo jurídico estabelecido entre o operador de TVDE e o motorista
afeto à atividade. Não obstante estas considerações, fica, assim, claro que o legislador estabelece um requisito
de forma para a celebração do contrato. Por este motivo, entre o motorista e o operador deverá existir um
vínculo formal que justifique a prestação da atividade. O que o legislador não faz é referir de forma expressa
qual a consequência de não celebração de contrato escrito entre as partes. Todavia, podemos pressupor que
havendo incumprimento do requisito de forma, o operador não poderá inscrever o motorista na plataforma
à Vista ou em Claro Crescimento?, O Primeiro Ano de Vigência da Lei n. 13.467/2017 (Reforma Trabalhista) — Reflexões e Aspectos
Práticos, Org. Fabiano Zavanella e Marcelo Oliveira Rocha, LTr, 2018. p. 162). Não houve, portanto, uma cedência do legislador portu-
guês ao movimento aparente de unanimidade que se assumia a doutrina e em alguma jurisprudência em 2017, tal como identificámos
em estudo anterior (cfr. Impacts of the Collaborative Economy in Work Relations: A Growing Process or Already Broken Down?, The
Sharing Economy: Legal Problems of a Permutations and Combinations Society, Org. Maria Regina Redinha, Maria Raquel Guimarães
e Francisco Liberal Fernandes, Cambrigde Scholars Publishing, 2019. p. 388-409).
(15) Nos termos do disposto no art. 61, n. 1 da CRP, está consagrada a liberdade de iniciativa económica privada. Pese embora auto-
res como Gomes Canotilho e Vital Moreira apontarem para um duplo sentido deste princípio, na medida em que existe não só uma
liberdade de iniciar uma atividade económica como também uma liberdade de gestão e atividade da empresa (cfr. Constituição da
República Portuguesa Anotada, 3. ed., revista, Coimbra, 1993. p. 325 e ss), certo é que esta liberdade pressupõe a possibilidade de
o empreendedor escolher a forma de organização que pretende quando adere à plataforma. Nesta medida, são legítimas as dúvidas
que se levantam com a criação deste limite.
(16) De acordo com este diploma, mais concretamente do seu art. 11, a verificação da idoneidade do motorista pressupõe a inexistência
de decisões transitadas em julgado relativas à prática dos crimes a) que atentem contra a vida, integridade física ou liberdade pessoal; b)
que atentem contra a liberdade e a autodeterminação sexual; c) de condução perigosa de veículo rodoviário e de condução de veículo
em estado de embriaguez ou sob influência de estupefacientes ou substâncias psicotrópicas; e d) cometidos no exercício da atividade
de motorista. A idoneidade afere-se, portanto, com o registo criminal do motorista e ausência de prática de crimes previamente iden-
tificados pelo legislador.
164 Duarte Abrunhosa e Sousa
eletrónica, nos termos do disposto no art. 10, ns. 1 e 2, sob pena de aplicação de contraordenação(17). Portanto,
a existência de contrato escrito é um dos requisitos basilares para a inscrição de um motorista numa plataforma.
Por fim, a vertente mais relevante da questão contratual passa pelo facto do legislador não se pronunciar so-
bre a natureza do vínculo. Ou seja, de forma intencional, a opção passou por deixar o sector autorregular-se,
sendo que remete a identificação do vínculo para a lei geral. A LPPT recorre, pois, para a aplicação do art. 12
do CT que contém o método indiciário da (in)existência de contrato de trabalho num caso concreto(18). Assim,
o que interessará são as condições efetivas de trabalho desempenhadas pelo motorista que pode passar por
uma relação de trabalho dependente ou independente. Para este efeito, o CT tem mecanismos suficientes
para ajudar o intérprete a identificar a existência de um contrato de trabalho(19). Mas o legislador vai ainda
mais longe, assumindo que, havendo o reconhecimento de um vínculo laboral, se considera que os equipa-
mentos e instrumentos de trabalho são todos os que sejam pertencentes ao beneficiário ou por ele explorados
por aluguer ou qualquer outra modalidade de locação. Quer isto dizer que com o reconhecimento de contrato
de trabalho entre o motorista e o operador de TVDE, este último deverá fornecer os instrumentos de trabalho
para o exercício da atividade de transporte individual seja qual for a modalidade da sua titularidade. No limi-
te, se o automóvel for propriedade do motorista, daqui resultaria uma obrigação de promover uma relação de
aluguer ou locação com o operador de TVDE.
Por outro lado, o legislador vai ainda mais longe ao promover uma separação de regime dos motoristas
consoante a natureza do vínculo contratual. Nesta medida, sendo o motorista trabalhador dependente do
operador, fica sujeito às regras previstas no DL n. 237/2007(20), de 19 de junho e que diz respeito ao regime
de organização do tempo de trabalho das pessoas que exercem atividades móveis de transporte rodoviário.
É neste diploma onde se regula, por exemplo, os limites da duração do trabalho dos trabalhadores móveis(21),
impondo que a duração do trabalho semanal, incluindo trabalho suplementar, não pode exceder sessenta
horas, nem quarenta e oito horas em média num período de quatro meses(22). Já quando estamos perante
um motorista com um vínculo onde resulte uma relação de trabalho independente, a sua atividade é expres-
samente abrangida pelo DL n. 117/2012(23), de 5 de junho que regula a organização do tempo de trabalho de
condutores independentes em atividades de transporte rodoviário. Este diploma tem a mesma preocupação
de promover limites à duração do tempo de trabalho, ainda que se tratem de motoristas independentes.
Neste sentido, esta duração também não pode ser superior a sessenta horas, nem a quarenta e oito horas em
média num período de quatro meses(24). Ou seja, os limites estabelecidos para trabalhadores dependentes ou
independentes são precisamente os mesmos, pelo que, nesta perspetiva, não existem vantagens ou desvan-
tagens associadas à decisão de adesão a qualquer tipo de construção contratual pelas partes(25). Este ponto
(17) O art. 25, n. 2, al. g) da LPPT parece se clara na tipificação desta infração.
(18) Ao fazer esta remissão, o legislador português parece querer acompanhar a posição de Guy Davidov, quando refere que se for
oferecido o mesmo nível de proteção para todos, acabará por ser oferecido muito menos aos trabalhadores que realmente necessitam
dessa mesma proteção (cfr. The Status of Uber Drivers: A Purposive Approach, Spanish Labour Law and Employment Relations Jour-
nal, n. 1-2, v. 6, 2017, p. 8, disponível em ). Por outras palavras, a opção passou por não
influenciar a discussão alargando o contrato de trabalho e sua respetiva proteção a todos os motoristas de plataformas de transportes.
(19) Para além do método indiciário identificado no art. 12 do Código, foi criado um novo processo que permita aos inspetores do
trabalho desencadearem uma ação judicial com o patrocínio do Ministério Público para reconhecimento da existência de contrato de
trabalho. Este processo, integrado pelo ordenamento jurídico português através da Lei n. 63/2013, de 27 de agosto, estabeleceu um
regime que permite o seu desenvolvimento mesmo contra a vontade do trabalhador ou mesmo no caso de confissão no sentido do
seu vínculo ser independente.
(20) Este diploma procede à transposição para a ordem jurídica interna a Diretiva n. 2002/15/CE, do Parlamento Europeu e do Conse-
lho, de 11 de março, relativa à organização do tempo de trabalho das pessoas que exercem atividades móveis de transporte rodoviário.
(21) De acordo com o art. 2º, al. d) do DL n. 237/2007, de 19 de junho, entende-se por trabalhador móvel o trabalhador, incluindo o
formando e o aprendiz, que faz parte do pessoal viajante ao serviço de empregador que exerça a atividade de transportes rodoviários
abrangida pelo regulamento ou pelo Acordo Europeu Relativo ao Trabalho das Tripulações dos Veículos que efetuam Transportes
Internacionais Rodoviários.
(22) Para além destes limites, o legislador estabelece ainda aqui os critérios de aplicação dos intervalos de descanso.
(23) Este diploma garantiu para ordenamento jurídico português a Diretiva n. 2002/15/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de
11 de março de 2002.
(24) Cfr. art. 4º, n. 1 do DL n. 117/12, de 5 junho.
(25) O mesmo acontece relativamente aos intervalos de descanso, uma vez que os dois regimes estabelecem que (i) O tempo de tra-
balho diário do condutor independente deve ser interrompido por um intervalo de descanso de duração não inferior a 30 minutos, se o
número de horas de trabalho estiver compreendido entre seis e nove, ou a 45 minutos se o número de horas de trabalho for superior
a nove; (ii) este último descanso pode ser dividido por períodos mínimos de 15 minutos; e (iii) o motorista não pode prestar mais de
seis horas de trabalho consecutivo (cfr. art. 8º do DL n. 237/2007, de 19 de junho e art. 5º do DL n. 117/2012, de 5 de junho).
Breve Overview sobre os Efeitos Laborais da Lei das Plataformas Portuguesas 165
parece fulcral não só do ponto de vista de proteção da segurança e saúde do motorista, mas também pela
necessidade de proteção do consumidor. Na verdade, não sendo o motorista uma máquina, o seu descanso
tem impacto na segurança do próprio, mas também de quem é transportado no seu veículo. A segurança
de todos não deverá, portanto, ficar dependente da opção de vínculo contratual no que à disponibilidade diz
respeito. Por isso mesmo, a LPPT vai ainda mais longe nesta proteção, uma vez que estabelece que, indepen-
dentemente dos limites já mencionados, um motorista que desenvolva a sua atividade no sector, não pode
operar veículos de TVDE por mais de dez horas dentro de um período de 24 horas, independentemente do
número de plataformas por meio das quais preste serviços(26). Isto naturalmente sem prejuízo da aplicação de
normas imperativas resultantes do Código do Trabalho, no caso de se estabelecerem períodos inferiores.
Neste contexto, as plataformas têm o ónus de implementar meios com vista a garantir o cumprimento desta
regra, conservando, ainda, durante dois anos, os registos de atividade dos operadores TVDE, motoristas e
veículos, de acordo com o seu número único de registo de motorista de TVDE(27).
Uma das críticas apontadas geralmente às novas plataformas de transportes consiste no facto do insuces-
so em termos de ratings poder conduzir à cessação do vínculo entre o motorista e a plataforma(28). Pese embora
a LPPT, não retire daqui qualquer efeito, acaba por impor à plataforma uma obrigação de controlo e limitação
da atividade que a obriga a bloquear o acesso ao motorista ou ao operador de TVDE quando estes deixem de
cumprir os requisitos legalmente previstos(29). Assim, mais do que permitir que a plataforma possa bloquear o
acesso a motorista ou operador, este diploma legal estabelece um dever de bloqueio. Para além disso, o ope-
rador é responsável pelos danos resultantes para o motorista no caso de o bloqueio que lhe seja imputável.
Relativamente a eventuais discussões jurídico-laborais que possam surgir em Portugal quanto a motoris-
tas das plataformas, com a construção do atual diploma, impondo a criação de uma pessoa coletiva, parece
ser difícil alguma vez ser imputada a existência de um contrato de trabalho entre o motorista e a plataforma.
No limite, o empregador será necessariamente a pessoa coletiva que faz a gestão dos veículos ao serviço da
plataforma. Por outro lado, não deixa de ser importante sublinhar que o operador de plataforma eletrónica é
solidariamente responsável perante os utilizadores do serviço pelo pontual cumprimento das obrigações resul-
tantes do contrato(30). Não resulta daqui igual solidariedade no cumprimento de obrigações contratuais entre
o motorista e o operador de TVDE. Se no caso do motorista com vínculo de trabalhador independente com
o operador, as garantias pelo cumprimento das prestações a que têm direito dependem apenas da entidade
que o contratou, relativamente ao motorista com contrato de trabalho poderá não ser assim. De acordo com
a versão atual do art. 551, n. 4 do CT(31), o contratante e o (i) dono da obra, (ii) empresa ou (iii) exploração
agrícola, bem como (iv) os respetivos gerentes, administradores ou diretores, assim como (v) as sociedades
que com o contratante, dono da obra, empresa ou exploração agrícola se encontrem em relação de participa-
ções recíprocas, de domínio ou de grupo, são solidariamente responsáveis pelo cumprimento das disposições
legais e por eventuais violações cometidas pelo subcontratante que executa todo ou parte do contrato nas
instalações daquele ou sob responsabilidade do mesmo, assim como pelo pagamento das respetivas coimas.
Entendemos que esta norma apenas visa aplicar o regime de solidariedade no caso de aplicação de coima
aplicada pela ACT, por uma simples interpretação sistemática. Na verdade, este artigo está inserido no Livro
II do CT que diz respeito a responsabilidades penal e contraordenacional. Neste Livro, o art. 551 integra o
Capítulo II sobre responsabilidade contraordenacional. Por este motivo, o identificado regime de solidariedade
apenas poderá ser desencadeado em processos onde esteja em discussão uma infração laboral promovida
pela ACT. Contudo, reconhecemos que uma interpretação literal da norma poderá suscitar dúvidas sobre a
possibilidade de o contratante poder responder também pelo pagamento de créditos. Com efeito, a respon-
sabilidade parece aplicar-se igualmente pelo incumprimento da norma, até porque o artigo termina com a
referência “assim pelo pagamento das respetivas coimas”, indiciando que poderá estar em disputa outro tipo
de pagamentos. No entanto, independentemente desta divergência, teria de ser necessário perceber se a pla-
taforma pode ser considerada como contratante para este efeito. Temos sérias dúvidas quanto a este ponto.
Por um lado, havendo a adesão do operador de TVDE à plataforma este mais não faz do que exercer a sua
(26) Cfr. art. 13, n. 1, da LPPT.
(27) Cfr. art. 1º, ns. 2 e 3 da LPPT.
(28) Esta legislação estabelece apenas a proibição de criação de utilização de mecanismos de avaliação de utilizadores por parte dos
motoristas de TVDE ou dos operadores de plataformas eletrónicas, nos termos do seu art. 19, n. 5.
(29) Cfr. art. 14 da LPPT.
(30) Cfr. art. 14 da Lei n. 45/2018, de 10 de agosto.
(31) Esta versão resulta da redação dada pela Lei n. 28/2016, de 28 de agosto.
166 Duarte Abrunhosa e Sousa
atividade utilizando o app. Por aqui poderia indiciar-se que não existe um serviço contratado pela plataforma.
Por outro lado, a plataforma recolhe até 25% da intermediação do operador, pelo que existe uma aparência
de prestação de serviço da disponibilização de veículos e motoristas. Considerando-se estas plataformas como
uma verdadeira empresa de transportes(32), poderá considerar-se como aceitável a aplicação da solidariedade
prevista nos termos do art. 551, n. 4 do CT. Recorde-se que o objetivo do legislador na criação deste regime
de solidariedade foi tornar menos interessante o recurso a outsourcing, retirando a sua neutralidade. Nesta
medida, entendemos nesta fase que é possível a aplicação deste regime de solidariedade à plataforma, mas
apenas quanto à aplicação de coima pela prática de infração laboral.
Conclusões
Uma análise atenta, ainda que preliminar, à LPPT permite concluir que o legislador português procurou
contornar os problemas jurídico-laborais que têm surgido noutros países ao longo dos últimos anos. Numa pri-
meira vista demite-se de apontar o caminho para a natureza de vínculo entre os motoristas e a as plataformas.
Para este efeito, a opção ficou desde logo condicionada com a imposição de constituição de pessoa coletiva
para o exercício da atividade como operador de TVDE. Desta forma, fica reduzida a margem para um motoris-
ta reclamar a existência de um contrato de trabalho dissimulado perante a plataforma.
Por outro lado, a solução portuguesa coloca um ónus importante para as plataformas, na medida em
que apenas podem aceitar a inscrição de motoristas com um contrato escrito que titule a relação entre as
partes. Assim, apesar de não assumir um posicionamento quanto à natureza do contrato celebrado entre o
motorista e o operador, o legislador português impõe a forma escrita garantindo uma maior clareza para to-
das as partes, incluindo para a própria plataforma enquanto terceiro.
A legislação portuguesa acabou por facilitar o posicionamento de intermediação das plataformas indi-
cando um caminho de relação comercial com os motoristas por meio de uma nova parte — operador de TVDE.
Ao estimular uma organização de motoristas mediante pessoas coletivas, a LPPT garante uma verdadeira
alteração do modelo de negócio de empresas como UBER. A ideia do acesso a uma plataforma para obter
remuneração extra por parte de um motorista no seu próprio veículo automóvel, é completamente afastada.
Isto porque tal acesso depende de inscrição no âmbito de uma pessoa coletiva, mas também pelo facto do
legislador estabelecer que, havendo um contrato de trabalho, os instrumentos de trabalho devem ser da titu-
laridade do operador por intermédio de propriedade, aluguer ou qualquer tipo de locação.
Por fim, a LPPT evidencia uma forte preocupação pelos limites de duração do tempo de trabalho, tratan-
do de forma igual os motoristas que exercem a sua atividade como trabalhadores dependentes e aqueles que
o fazem como trabalhadores independentes. No fundo, esta deverá ser sempre a principal preocupação do
legislador, no sentido de proteger os motoristas e os respetivos clientes do serviço.
Referências bibliográf‌i cas
ABRUNHOSA E SOUSA, Duarte, Impacto da Economia Colaborativa nas Relações de Trabalho — Uma Discussão com Fim
à Vista ou em Claro Crescimento?, O Primeiro Ano de Vigência da Lei n. 13.467/2017 (Reforma Trabalhista) — Reflexões
e Aspectos Práticos, Org. Fabiano Zavanella e Marcelo Oliveira Rocha, LTr, 2018. p. 156-165; ABRUNHOSA E SOUSA,
Duarte, Impacts of the Collaborative Economy in Work Relations: A Growing Process or Already Broken Down?, The
Sharing Economy: Legal Problems of a Permutations and Combinations Society, Org. Maria Regina Redinha, Maria
Raquel Guimarães e Francisco Liberal Fernandes, Cambrigde Scholars Publishing, 2019. p. 388-409;
DAVIDOV, Guy. The Status of Uber Drivers: A Purposive Approach, Spanish Labour Law and Employment Relations Jour-
nal, n. 1-2, v. 6, 2017, p. 6-15.
(32) Importa referir que as plataformas dependem de licenciamento do IMT, nos termos do disposto no art. 16 da Lei n. 45/2018, de
10 de agosto. Por outro lado, o TJUE decidiu também já nesses termos no acórdão proferido no processo C-434/15, resultante de um
reenvio prejudicial promovido por um tribunal espanhol (disponível em http://curia.europa.eu/juris/liste.jsf?num=C-434/15).

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