Nem empregados, nem autônomos: Aslam v Uber e o conceito de worker

AutorCarolina Bonemer Cury
Ocupação do AutorGraduanda pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP)
Páginas167-176
Nem empregados, nem Autônomos: Aslam v Uber e Conceito de Worker 167
NEM EMPREGADOS, NEM AUTÔNOMOS: ASLAM v UBER
E O CONCEITO DE WORKER
Carolina Bonemer Cury(1)
Introdução
O presente artigo propõe-se a analisar as recentes decisões do judiciário britânico (Aslam and others v
Uber BV and others [2016] EW Misc B68 (ET) UKEAT/0056/17 [2018] EWCA Civ 2748, doravante Aslam v Uber)
no enfrentamento da identificação da natureza jurídica da relação mantida entre as empresas Uber B.V.,
Uber London Ltd. e Uber Britannia Ltd. (doravante, Uber ou Demandadas) e seus motoristas parceiros(2).
O tema mostra-se relevante tendo em vista o surgimento e sucesso de inúmeras plataformas eletrônicas
que se dizem especializadas em proporcionar o contato entre prestadores de serviços e consumidores — no
caso do aplicativo Uber, entre motoristas e passageiros — em troca de uma porcentagem do valor pago pelo
serviço.
Esse fenômeno da gig economy(3) das plataformas digitais gerou uma nova classe de trabalhadores que
permanece às margens das regulações do trabalho em razão da rápida transformação do mercado de traba-
lho — resultado de inovações tecnológicas cada vez mais velozes — não ter sido acompanhada de semelhante
evolução da legislação laboral. No Brasil, a recente reforma trazida pela Lei n. 13.467/2017 é omissa quanto
às novas dinâmicas laborais, tratando apenas do teletrabalho (BRASIL, 2017). Na falta de regulação específica,
busca-se encaixar novas dinâmicas a velhos modelos, com resultados por vezes insatisfatórios.
Neste diapasão, o estudo das decisões estrangeiras adotadas para solução dos problemas experimentados
pelos trabalhadores de plataformas eletrônicas deve ser considerado como importante e valiosa ferramenta
destinada a auxiliar a construção de uma solução nacional. Se, por um lado, o sistema brasileiro em muito
se difere do britânico, por outro, é possível notar, nas decisões proferidas no caso Aslam v Uber, muitas das
mesmas preocupações e questionamentos que vêm sendo enfrentados pelos nossos Tribunais. Prova disso é
que Aslam v Uber tem sido usado em estudos do Ministério Público do Trabalho (CARELLI, CASAGRANDE e
OITAVEN, 2018) e por magistrados brasileiros para a formação de seu entendimento (BRASIL, 2018).
O presente artigo desenvolver-se-á de forma a trazer breve introdução ao sistema britânico de preceden-
tes e à estrutura da jurisdição trabalhista do Reino Unido, partindo em seguida para a análise das razões de
decidir dos Tribunais, durante a qual o conceito de worker será examinado. Por fim, concluirá com conside-
rações acerca de quais aspectos dessas decisões nos parecem mais pertinentes para as discussões ocorrendo
no âmbito nacional.
1. Common law e o sistema de precedentes
Diferentemente do Brasil, de tradição civilista, o ordenamento jurídico do Reino Unido segue o sistema de
common law. Nesse sistema, precedentes judiciais são fontes primárias de Direito e possuem força vinculante,
como forma de garantir maior segurança jurídica e de evitar incoerências (ASSIS, 2015, p. 306).
(1) Graduanda pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP). E-mail para contato: carolina.cury@usp.br
(2) Expressão utilizada pela empresa para referir-se aos indivíduos registrados no aplicativo para realizar serviços de transporte de
passageiros em carros particulares.
(3) Gig economy é expressão que tem sido utilizada para descrever uma dinâmica do mercado de trabalho em que indivíduos são
contratados como autônomos e recebem separadamente por cada serviço realizado (ROBERTSON, 2018).

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