Caminhos e desafios da revisão judicial de constitucionalidade

AutorEneida Desiree Salgado - José Nunes de Cerqueira Neto
CargoDoutora em Direito do Estado pela Universidade Federal do Paraná, com estágio de pósdoutoramento junto à Universidad Nacional Autónoma de México - Mestrando em Direito, Estado e Constituição pela Universidade de Brasília (UnB)
Páginas114-130
Rev. direitos fundam. democ., v. 19, n. 19, p. 114-130, jan./jun. 2016.
ISSN 1982-0496
Licenciado sob uma Licença Creative Commons
CAMINHOS E DESAFIOS DA REVISÃO JUDICIAL DE CONSTITUCIONALIDADE
PATHS AND CHALLENGES OF THE JUDICIAL REVIEW
Eneida Desiree Salgado
Doutora em Direito do Estado pela Universidade Federal do Paraná, com estágio de pós-
doutoramento junto à Universidad Nacional Autónoma de México. Professora do Departamento
de Direito Público, do Programa de Pós-Graduação em Direito e do Programa de Pós-
Graduação em Políticas Públicas da UFPR. Pesquisadora e vice-líder do Núcleo de
Investigações Constitucionais. E-mail: desisalg@ninc.com.br
José Nunes de Cerqueira Neto
Mestrando em Direito, Estado e Constituição pela Universidade de Brasília (UnB). Graduado em
Direito pela Universidade Federal do Piauí (UFPI). E-mail: nunescnt@gmail.com
Resumo
O controle de constitucionalidade é pressuposto da ideia de Estado
Constitucional de Direito, mas a sua atribuição ao Poder Judiciário
como lugar primordial enfrenta ressalvas relacionadas à exigência
democrática. O modelo de revisão judicial, inclusive pela forma de
investidura dos membros dos tribunais, influencia o discurso de
justificação, que, por sua vez, ecoa na postura dos magistrados.
Propõe-se no artigo uma análise crítica do modelo de controle de
constitucionalidade, a partir da realidade latinoamericana, indicando
seus caminhos e seus desafios.
Palavras-chave: Constitucionalismo. Democracia. Direitos
fundamentais. Controle de constitucionalidade. Dificuldade
contramajoritária.
Abstract
The judicial review is a presupposition of the idea of a Constitutional
State, but its allocation to the Judiciary Power faces caveats related to
the democratic demand. The judiciary revision model, including the
relation to the way its members are invested, influences the
justification speech, which, thereafter, echoes in the magistrates
posture. The paper proposes a critical analysis of the constitutionality
control model, from the Latin-American reality, indicating its ways and
its challenges.
Keywords: Constitutionalism. Democracy. Fundamental rights.
Judicial review. Counter-majoritarian difficulty.
ENEIDA DESIREE SALGADO/ JOSÉ NUNES DE CERQUEIRA NETO
115
Rev. direitos fundam. democ., v. 19, n. 19, p. 114-130, jan./jun. 2016.
1 INTRODUÇÃO
Parece que o século XXI, ao menos no Brasil, é o século dos juízes. Após a
promulgação da Constituição de 1988, de pronto o Ministério Público surge como o
grande interlocutor da sociedade, com um conjunto de competências garantidas
constitucionalmente e uma atuação protagonista, principalmente na tutela coletiva de
direitos, que passa a marcar o direito constitucional pátrio. Já na virada do século,
entretanto, depois de um forte discurso pela efetividade das normas constitucionais, os
magistrados entram em cena, com apelos por uma postura ativista, em face da
(ontológica) crise do Poder Legislativo.
A atuação do Poder Judiciário é prevista na Constituição, inclusive em relação
ao controle de constitucionalidade. A adoção do modelo difuso, de inspiração
estadunidense, com a primeira Constituição republicana, vai lentamente cedendo
espaço à concentração do controle, ensaiada com a Emenda nº 16/65, marcada pela
Constituição de 1988 e fortemente intensificada pela prática jurisprudencial do
Supremo Tribunal Federal e refletida pela Emenda nº 45/2004. O que não parece ter
assento constitucional é o forte ativismo constitucional, por vezes francamente
contrário à própria Constituição. Resta traçar os limites entre o que se impõe aos
magistrados e o que excede.
1
A questão fundamental da teoria constitucional envolve os limites
constitucionais às decisões democráticas e, desse modo, o papel da jurisdição
constitucional em relação ao princípio democrático. Por revisão judicial entende-se a
atividade pela qual os juízes analisam a validade das normas. Supremacia judicial
refere-se à noção de que os juízes teriam a última palavra na interpretação
constitucional, e de que suas decisões determinariam o próprio significado da
Constituição (KRAMER, 2001, p. 06). Muitos juristas encaram a revisão judicial com
naturalidade, mas este certamente não é o entendimento de todos.2 É notadamente no
contexto de supremacia judicial que a prática de revisão judicial enfrenta seus mais
sérios questionamentos, sobretudo pela “dificuldade contramajoritária”3 que se atribui
ao tribunal, que acaba exercendo na prática um verdadeiro “amending power”
1 Como afirma Gustavo Zagrebelsky (2008, p. 11): “la función del Tribunal es política, pero al mismo
tiempo no pertenece a la política; resulta esencial en nuestro modo de entender la democracia, pero al
mismo tiempo no deriva de la democracia”.
2 Uma das principais críticas está em WALDRON (1999). Seu principal ponto é de que numa sociedade
democrática os profundos desacordos sobre direitos devem ser resolvidos na arena legislativa, e não no
tribunal.
3 A expressão é de BICKEL (1962).

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT