Capítulo 1 - Princípios gerais sobre o dever de informação

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Capítulo 1
PRINCÍPIOS GERAIS SOBRE
O DEVER DE INFORMAÇÃO
1.1 DEFINIÇÃO
Dever jurídico2 é a imposição do sistema de normas a uma determinada conduta
do indivíduo, na medida em que arbitra uma sanção ao comportamento contrário.
Por seu turno, o direito subjetivo3 à informação surge como consequência da obri-
gação legal que o fornecedor tem de informar o consumidor, resguardado a qualquer
tempo o seu exercício.
Sob essas premissas, dever de informação é conceituado4 simplif‌icadamente
como transmissão de fatos de forma objetiva, quer verse ela sobre pessoas, coisas ou
qualquer relação. Em outras palavras: o dever de informar consiste na imposição,
às partes, da obrigação de disponibilizar toda e qualquer informação atinente ao
negócio que as une.
Sobre o caráter real da informação, a Professora Elsa Dias de Oliveira5 explica que a
preocupação do legislador não se restringiu a proporcionar ao consumidor informações
sobre os elementos cruciais dos bens ou serviços, mas visou garantir que pudesse con-
tratar com conhecimento efetivo do contrato e dos direitos e deveres que lhe coubessem.
Em que pese o entendimento minoritário inglês6 no sentido de que não há ne-
nhum dever geral de informar entre as partes, fato é que a proteção pela informação
2. Vide LARENZ, Karl. Metodologia da ciência do direito. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2005, p.
102 e ss.
3. Sobre o tema, conf‌ira: CALDAS, Luis Miguel Simão da Silva. Direito à informação no âmbito do direito
do consumo. Revista Julgar, Coimbra Ed., 21, 2013, p. 203 e ss.; LIZ, Jorge Pegado. “Algumas ref‌lexões a
propósito do direito dos consumidores à informação”, Liber Amicorum Mário Frota, Coimbra, Almedi-
na, 2012, p. 33 e ss. Conf‌ira também: PORTUGAL. Tribunal da Relação de Lisboa. Acórdão do processo.
6067/2006-6. Relator Granja da Fonseca. Lisboa, 21 de setembro de 2006. Para aprofundamento, vide
notas de rodapé 423,424 e 425.
4. Cf.: MONTEIRO, Jorge Ferreira Sinde, Responsabilidade por conselhos, recomendações ou informações,
Coimbra: Almedina, 1989, p. 14 e ss.
5. OLIVEIRA, 2012, p. 75. Sobre o tema, conf‌ira os julgados: PORTUGAL. Supremo Tribunal de Justiça.
Acórdão do processo n3501/06.3TVLSB.L1.S1. Relator: Lopes do Rego. Lisboa, 04 de agosto de 2010;
PORTUGAL. Supremo Tribunal de Justiça. Acórdão do processo 738/12.0TBCVL.C1.S1. Relatora: Maria
dos Prazeres Beleza. Lisboa, 26 de fevereiro de 2015.
6. Vide: MONTEIRO, Jorge Ferreira Sinde. Responsabilidade por conselhos, recomendações ou informações.
Coimbra: Almedina, 1989, p. 154.
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DIREITO À INFORMAÇÃO: REPERCUSSÕES NO DIREITO DO CONSUMIDOR • João Pedro Leite Barros
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e seus consectários se tornou realidade na última década, em especial na área do
consumidor.
Explico. A falsa sensação de segurança econômica e a facilidade de crédito7
mobilizou os consumidores a adquirirem mais produtos8 no mercado e, com isso,
muitos fornecedores se aproveitaram da situação para visar tão somente o lucro9.
Assim, foi no comércio eletrônico que se concentrou a maior expansão econômica
entre os países, sobretudo por permitir que o cidadão acessasse o sítio eletrônico em
qualquer lugar e tempo e pudesse pactuar com o fornecedor quando bem entendesse.
Nesse contexto, a informação do produto ou serviço passou de mero coadju-
vante na compra e venda de mercadorias a protagonista, tornando-se o elemento
principal. Contudo, àquela época, a proteção do consumidor não foi acompanhada
no mesmo compasso pela doutrina portuguesa10, uma vez que o adquirente virtual se
subsumia às regras gerais do contrato de consumo e não despendia atenção especial.
Por outro lado, ao passo em que o consumo cresceu, também desencadeou, em
similar proporção, a necessidade de tutelar a parte vulnerável11, em especial, quanto
aos deveres de informação dos produtos e serviços que a ela eram ofertados.
A bem dizer, a proteção do consumidor virtual ganhou espaço nas legislações
recentes em face do próprio modus operandi peculiar12 do contrato eletrônico, já que
esta espécie contratual fragiliza a posição do consumidor no sentido de seu poder
negocial ser diminuto (ausência física do consumidor), deixando-o em posição
mais vulnerável, especialmente no que diz respeito à insegurança na circulação das
informações pessoais e dados de cartão de crédito para que se concretize a transação.
7. Vide comentários de VASCONCELOS, Pedro Pais de. O abuso do abuso do direito: um estudo de direito
civil. Revista do Centro de Estudos Judiciários, n. 1, 2015, p. 41.
8. Na economia consumista, os produtos surgem, e só então se buscam aplicações para eles. Cf.: BAUMAN,
Zygmunt. A ética é possível num mundo de consumidores? Trad. Alexandre Werneck. Rio de Janeiro: Zahar,
2013, p. 351.
9. Conf‌ira em: FREIRE, Paula Vaz. Sociedade de Risco e Direito do Consumidor. In: LOPEZ, Teresa Ancona
et al. (Org.). Sociedade de Risco e Direito Privado. São Paulo: Atlas, 2013, p. 375-379. Ademais, a conduta
acentuada dos fornecedores é facilmente visualizada nos contratos eletrônicos com consumidores, objeto
deste estudo, especialmente porque o consumidor, em regra, vincula-se a contratos que são celebrados
automaticamente, sem liberdade para alterar as cláusulas ali expostas.
10. O fato de ser comércio eletrônico não benef‌iciaria nem tampouco prejudicaria o consumidor. Cf.: OLI-
VEIRA, Elsa Dias. A proteção dos consumidores nos contratos celebrados através da internet: contributo para
uma análise numa perspectiva material e internacional privatista. Coimbra: Almedina, 2012, p. 58.
11. O discurso do presidente norte-americano John Kennedy é considerado o marco histórico da proteção do
consumidor. Cf.: SILVA, João Calvão da. A publicidade na formação do contrato. Comemorações dos 35
anos do Código Civil e dos 25 anos da reforma de 1977. Coimbra: Coimbra Ed., 2006, v. 2, p. 696. Conf‌ira
também: MONTEIRO, António Pinto. Do Direito do Consumo ao Código do Consumidor. Estudos de
Direito do Consumidor, n. 1, Coimbra, 1999, p. 201 e ss.
12. Vide DL 7.962 de 2013 que regulamenta a Lei 8.078, de 11 de setembro de 1990, para dispor sobre a con-
tratação no comércio eletrônico. Ademais, o excesso de publicidade eletrônica, muitas vezes agressiva para
com o consumidor induz ao consumo, impossibilitando o adquirente de ter o discernimento necessário
para avaliar se o produto é realmente aquele que deseja. Cf.: CARVALHO, Jorge Morais. Manual de Direito
do Consumo. 3. ed. Coimbra: Almedina, 2019, p. 148 e ss.
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CAPíTulO 1 • PRINCíPIOS GERAIS SOBRE O DEVER DE INFORmAÇÃO
Com efeito, como se verá, reiteradas vezes as informações propagadas ao con-
sumidor são demasiadamente extensas e, embora sejam verdadeiras, o confundem
na compreensão dos elementos cruciais do contrato.
O professor Dário Moura Vicente13 já trazia elementos da presente crise moderna
de informação quando explanou que a descodif‌icação do direito privado tem levado
à adoção de Directivas europeias descoordenadas entre si, sem ter o legislador preo-
cupação valorativa dessas. Com o advento da sociedade de informação14, surgiram
múltiplas demandas jurídicas, muitas delas ainda sem solução.
Se, por um lado, a máxima amplitude informacional dos regulamentos exige
um dever geral de informação15 completa, verdadeira, atual, clara, objetiva e lícita,
abordando os seus pormenores, por outro, os diplomas legais16 não se preocuparam
com o fenômeno recente do excesso de informação.
Incongruências à parte, fato é que a superproteção legislativa ao consumidor,
por vezes, acarreta prejuízos para esse. Informações que, em excesso, acabam por
traduzir em desinformação.
1.2 DIREITO À INFORMAÇÃO COMO UM DIREITO FUNDAMENTAL
A informação, per si, tem um valor público e democrático17, uma vez que permite
transparência e difusão do poder, sendo simultaneamente uma ferramenta ef‌iciente
de controle de decisões.
O direito à informação tem esteio no próprio regime democrático, sendo de-
corrente do princípio da liberdade de expressão e informação em todas as manifes-
tações. Antes mesmo das relações contratuais privadas, o direito a ser informado
corresponde ao direito da coletividade18 em obter informações, com acesso livre.
Para mais: o direito à informação supera a noção de liberdade de expressão19,
uma vez que tende a conciliar os interesses de quem informa e de quem recebe a
informação, garantindo igualmente o direito de ser informado.
13. Conf‌ira VICENTE, Dário Moura. Culpa na formação dos contratos. Comemorações dos 35 anos do Código
Civil e dos 25 anos da reforma de 1977. Coimbra: Coimbra Ed., 2006, v. 3, p. 278. Vide também VICENTE,
Dário Moura. Tendências da Codif‌icação do Direito Civil no século XXI: Algumas Ref‌lexões. In: LOPEZ,
Teresa Ancona et al. (Coord.). Sociedade de Risco e Direito Privado. São Paulo: Atlas, 2013, p. 701-717.
14. Vide: VICENTE, Dário Moura. A informação como objeto de direitos. Revista de Direito Intelectual, Coimbra,
n. 1, 2014, p. 116.
15. Conf‌ira artigo 7, n. 1, do Código dos Valores Mobiliários, 304-A, n. 2, e artigo 8, n. 1, da lei de defesa do
consumidor.
16. Vide: lei de defesa do consumidor, cláusulas gerais, DL 24/2014.
17. Vide conceito bem explicitado por: BARLOW, John Perry. A Declaration of the Independence of Cyberspace.
EFF Eletronic Frontier Foundation, 1996, p. 735 e ss. Disponível em: https://www.eff.org/cyberspace-inde-
pendence. Acesso em: 23 maio 2019.
18. Sobre o tema, conf‌ira: CARVALHO, Luis Gustavo Grandinetti Castanho de. Direito de informação e liberdade
de expressão. Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p. 144.
19. Sobre o tema, conf‌ira: DUHALDE, Eduardo Luis; ALÉN, Luis Hipólito. Teoría jurídico-política de la comu-
nicación. Buenos Aires: Editorial Universitária de Buenos Aires, 2001, p. 90 e ss.
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