Capítulo 3 - Conexão entre o dever de informação pré-contratual e o direito de arrependimento

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Capítulo 3
CONEXÃO ENTRE O DEVER DE
INFORMAÇÃO PRÉ-CONTRATUAL
E O DIREITO DE ARREPENDIMENTO
O desaf‌ino da relação jurídica consumerista passa, necessariamente, pela abis-
sal diferença de informação por seus atores: fornecedores, que conhecem os bens
e serviços disponíveis no mercado, e os consumidores, vulneráveis por def‌inição,
muitas vezes com dif‌iculdade de avaliar a informação proposta, em cotejo com os
demais produtos do mercado1.
O pujante desequilíbrio no poder econômico2 entre fornecedor e consumidor
pode ser minimizado pela informação transparente e verossímil emitida pelo for-
necedor e, sobretudo, por mecanismos que permitam a ref‌lexão do consumidor,
promovendo um mercado de consumo mais ef‌iciente e harmonioso.
Por isso, a liberdade de adquirir um produto ou serviço advém, em contratos
eletrônicos, necessariamente da possibilidade de ref‌lexão do consumidor. Concreta-
mente, a carência da informação transmitida muitas vezes nesse tipo de contratação
vem acompanhada do déf‌icit de ref‌lexão, sendo necessária a intervenção estatal
nesse tipo de contratação.
Se, em uma medida, a internet trouxe benefícios de propagação e penetração
na vida do consumidor, como comodidade de contratar sem sair de casa, por outro,
a diminuição do tempo da maturação3 da vontade de contratar, através de um click,
levou o consumidor a comprar de forma instintiva e desnecessária.
No presente capítulo será aprofundado quais os efeitos que o direito de arrepen-
dimento, obrigação fulcral inserida nos deveres de informação pré-contratual em
contrato de adesão eletrônico, podem irradiar dentro da própria relação de consumo.
Ou seja, apontar em que medida a ausência do dever pré-contratual de in-
formação relativa ao direito de arrependimento pode alterar a relação jurídica dos
1. Já tivemos oportunidade de nos manifestar sobre o tema, conf‌ira: BARROS, João Pedro Leite. O direito de
arrependimento nos contratos eletrônicos de consumo como forma de extinção das obrigações. Um estudo
de direito comparado luso-brasileiro. Estudos de direito do consumidor, n. 14, p. 113-183, Coimbra, 2008.
2. Sobre o tema, conf‌ira: WEATHERILL, Stephen. EU Consumer Law and Policy. United Kingdom: Edward
Elgar Publishing, 2005. p. 84 e ss.
3. Sobre o tema, conf‌ira: CORREIA, Miguel Pupo. Contratos à distância: uma fase na evolução da defesa do
consumidor na sociedade de informação? Estudos de Direito do Consumidor, n. 4, 2002, p. 170 e ss.
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DIREITO À INFORMAÇÃO: REPERCUSSÕES NO DIREITO DO CONSUMIDOR • João Pedro Leite Barros
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contratantes, permitindo eventual resolução do contrato, ou até mesmo ampliando
o prazo para o exercício do direito de arrependimento ao consumidor.
3.1 DEFINIÇÃO
O direito de arrependimento4 (legítimo, potestativo5, irrenunciável6 e in-
disponível) surgiu para responder essencialmente aos problemas colocados pelo
descompasso do regime geral da invalidade dos vícios da vontade, especialmente
da coação e erro.
Mais que isso: foi elaborado para permitir que o consumidor tomasse uma
decisão arrazoada sobre o contrato, como contraponto à utilização de técnicas de
contratação agressivas por parte do fornecedor; corrigir as assimetrias de informa-
ção resultantes da distância face ao bem ou serviço e ao prof‌issional e, por f‌im, para
proteger os demais concorrentes e o próprio mercado.7
Em termos conceituais, o direito de arrependimento é def‌inido como todas as
hipóteses em que a lei concede ao consumidor a faculdade de, em prazo determinado
e sem contrapartida (inindenizável8), se desvincular de um contrato por meio de
declaração unilateral e desmotivada.9
Nesse sentido, o direito de arrependimento não é decorrente de uma norma
geral aplicável a todos os contratos de consumo. Ao revés, a sua existência tem com
fonte contratual (decorrente de disposição em contratos) ou legal (decorrente de
lei), essa última espécie será o nosso objeto de estudo nesse capítulo.
Outrossim, a doutrina pontua a f‌luidez na def‌inição (direito de retração, direito
de arrependimento, direito à livre resolução, direito de ref‌lexão etc.), mas que, ao
f‌im e ao cabo, traduzem similar propósito: o adquirente se arrepende da decisão de
contratar que já havia tomado, já depois de ter emitido a declaração de vontade.10
Nos contratos à distância, máxime aqueles celebrados pela internet, o direito
de arrependimento também tem origem na impossibilidade de o consumidor não
4. Alusão histórica feita em: CARVALHO, Jorge Morais. Manual de Direito de Consumo. Coimbra: Almedina,
2019, p. 237 e ss.
5. Convergem com referido entendimento: TARTUCE, Flávio; NEVES, Daniel Amorim Assumpcão. Manual
de Direito do Consumidor. 9. ed. São Paulo: Método, 2020, p. 295 e ss..; CARVALHO, Jorge Morais. Manual
de Direito de Consumo. Coimbra: Almedina, 2019, p. 183 e ss.
6. Vide artigo 11, n. 7 e 29 do DL 24/2014. No Brasil, segue o mesmo entendimento o Professor Carlos Roberto
Gonçalves. Cf.: GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: contratos e atos unilaterais. 16. ed.
São Paulo: Saraiva, 2019, p. 198 e ss.
7. Cf.: CARVALHO, Jorge Morais. Manual de Direito de Consumo. Coimbra: Almedina, 2019, p. 185 e ss.
8. Não cabe nenhuma punição ao consumidor. Vide artigo 11, n. 7 do DL 24/2014.
9. Mesmo que o bem lhe agrade, o consumidor pode resolver o contrato se concluir que determinada cláusula
é desajustada de seu interesse. Cf.: MARTINEZ, Pedro Romano. Da Cessação do Contrato. 3. ed. Coimbra:
Almedina, 2015, p. 270.
10. Cf.: OLIVEIRA, Elsa Dias. A protecção dos consumidores nos contratos celebrados através da Internet: contributo
para uma análise numa perspectiva material e internacional privatista. Coimbra: Almedina, 2002, p. 99.
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CAPíTulO 3 • DEVER DE INFORmAÇÃO PRÉ-CONTRATuAl E DIREITO DE ARREPENDImENTO
poder verif‌icar as qualidades da mercadoria adquirida nem tampouco de analisar as
características dos serviços antes de ter decidido por sua contratação.
Finalmente, apesar de mitigar a força obrigatória dos contratos, o que não
deixa de ser uma ingerência na autonomia privada11, o direito de arrependimento
serve para contrapor a força econômica dominante e opressora do fornecedor12 em
detrimento da vulnerabilidade13 e hipossuf‌iciência do consumidor.14
3.2 PORTUGAL
3.2.1 Regime jurídico do direito de arrependimento
A doutrina ainda não é unânime quanto à def‌inição de um regime jurídico ao
direito de arrependimento. No entanto, para aprofundar sobre o tema, vale a pena
recordar as características do direito de arrependimento para isolar, uma por uma,
as espécies de extinção das obrigações que não se amoldariam e, por f‌im, aquelas
que mais se aproximariam de sua natureza jurídica.
São características pacíf‌icas e aceitas pela doutrina15 sobre o direito de arre-
pendimento: a) direito discricionário, independente de qualquer justif‌icação para
produzir efeitos (únicos pressupostos são atinentes ao prazo e modo de exercício);
11. Cf.: ALMEIDA, Carlos Ferreira de. Direito do consumo. Coimbra: Almedina, 2005, p. 114.
12. A noção de fornecedor não passou por mudanças signif‌icativas em Portugal. A Lei de Defesa do Consumidor
24/96 def‌ine como pessoa que exercesse, com caráter prof‌issional e independente, uma atividade econômica
que visasse a obtenção de benefícios. À semelhança do ordenamento português, no Brasil, a caracterização
é conferida pelo artigo 3º do Código de Defesa do Consumidor, ao dispor que fornecedor é toda pessoa
física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados,
que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação,
exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços. Vide entendimento
de: TARTUCE, Flávio; NEVES, Daniel Amorim Assumpcão. Manual de Direito do Consumidor. 9. ed. São
Paulo: Método, 2020, p. 66 e ss.
13. Sobre o desequilíbrio institucional entre os contraentes, Cf.: ALMEIDA, Carlos Ferreira de. Contratos I.
5. ed. Coimbra: Almedina, 2015, p. 199 e ss. Nesse ponto, se comparado ao revogado DL n. 143/2001
(artigo 6º, n. 2, b), o regime atual é menos favorável ao consumidor, uma vez que ele tinha anteriormente a
possibilidade de se arrepender até ao início da execução do contrato de prestação de serviço e, no diploma
atual, o prazo inicia-se a partir do momento da celebração do contrato.
14. A def‌inição hodierna de consumidor é fruto do DL 24/2014, o qual preceitua ser pessoa singular que atue
com f‌ins que não se integrem no âmbito da sua atividade comercial, industrial, artesanal ou prof‌issional.
No Brasil, é conceituado pelo Código de Defesa do Consumidor (CDC) brasileiro, artigo 2º: “Consumidor é
toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário f‌inal. Salienta-se
que, no Brasil, ao estatuir que pessoa jurídica pode e deve ser considerada consumidora, tão somente sendo
relevante se a mesma é destinatária f‌inal do produto ou serviço”. Nesse sentido, conf‌ira o desenvolvimento
tema em: LIZ, Jorge Pegado. Conf‌litos de consumo: uma perspectiva comunitária de defesa dos consumidores.
Lisboa: Centro Informação Jacques Delors, 1998 (Prémio Jacques Delors), p. 124.
15. Nesse sentido: CORREIA, Miguel Pupo. Contratos à distância: uma fase na evolução da defesa do consumidor
na sociedade de informação? Estudos de Direito do Consumidor, n. 4, 2002, p. 175 REBELO, Fernanda Neves.
O direito de livre resolução no quadro geral do regime jurídico da proteção do consumidor. Universidade
de Coimbra (Org.). Nos 20 anos do Código das sociedades comerciais: homenagem aos profs. Doutores A.
Ferrer Correia, Orlando de Carvalho e Vasco Lobo Xavier. Coimbra: Coimbra Ed., v. II, 2007, p. 611 e ss.
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