Capítulo 4 - Qualificação do incumprimento do dever de informação

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Capítulo 4
QUALIFICAÇÃO DO INCUMPRIMENTO
DO DEVER DE INFORMAÇÃO
O comércio eletrônico induz a uma organização técnica complexa, desde infra-
estrutura logística na entrega dos produtos ou serviços, ou até mesmo a acessibilidade
do consumidor para eventuais dúvidas ou reclamação.
Além disso, se o fornecedor tiver a intenção de abarcar o comércio eletrônico
transnacional, deve partir da premissa de que os consumidores e suas respectivas
preferências são diferentes entre si, especialmente pelo aspecto cultural.
Nesse ponto, a logística propriamente dita precisa ser realmente estudada, sob
pena do fornecedor repassar eventuais custos adicionais ao consumidor. Isso porque,
muitas vezes, taxas aduaneiras são acrescidas a depender de cada país, assim como
é necessário atentar-se à legalidade e licenças necessárias para entrada dos produtos
e execução dos serviços.
Ademais, o método de pagamento é uma questão tão relevante quanto as demais,
tendo em vista as inúmeras vezes que o consumidor tem que arcar com variações
cambiais não previstas nas transações comerciais internacionais. Por outro prisma,
a facilidade que o consumidor tem para o pagamento é consubstanciada nas tran-
sações em cartão de crédito, débito, boletos bancários, moedas virtuais, o que torna
o comércio eletrônico atraente.
Feito esse preâmbulo, é importante distinguir as duas situações mais recorrentes
em sede de incumprimento do dever de informação na contratação eletrônica de
consumo: a) a culpa in contrahendo, com enfoque especial à violação das regras da
boa-fé, notadamente dos deveres de informação pré-contratual; b) cumprimento de-
feituoso do contrato, quando há algum vício ou defeito existente na própria prestação.
Com efeito, são incontáveis os problemas2 existentes no comércio eletrônico de
consumo, sejam eles decorrentes do incumprimento dos deveres de informação na
fase pré-contratual ou até mesmo no próprio cumprimento defeituoso do contrato,
a título exemplif‌icativo: a) atraso excessivo na entrega do produto ou demora no
início da prestação do serviço; b) entrega do produto com vícios em decorrência do
transporte; c) problemas com a forma de pagamento; d) dif‌iculdades e ausência de
2. Por outro lado, cumpre ressaltar as facilidades que o consumidor tem em compra online, desde a f‌lexibili-
dade, comodidade e rapidez de compra.
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DIREITO À INFORMAÇÃO: REPERCUSSÕES NO DIREITO DO CONSUMIDOR • João Pedro Leite Barros
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informação para o exercício do direito de arrependimento (como já mencionado); e)
publicidade enganosa ou abusiva de bens ou serviços; f) cláusulas abusivas mitigando
o direito do consumidor de ajuizar demandas judiciais ou negando eventual direito
de indenização; g) informações superf‌iciais sobre o produto ou serviço contratado;
h) omissão de elementos básicos de contratação do fornecedor, como endereço
físico, CNPJ, telefone; i) ausência dos termos de garantia do produto e a proteção
dos dados pessoais do consumidor.
Sobre o último ponto, a insegurança3 é um dos maiores receios na compra online,
uma vez que há o risco do uso fraudulento dos dados do consumidor (número do
cartão de crédito, endereço, dados pessoais etc.) e eventual falta de conf‌idencialidade
entre as empresas.
Repisa-se que a necessária proteção do consumidor decorre da própria impos-
sibilidade de negociação4 das cláusulas contratuais, reforçando que o consumidor
deve poder armazenar e reproduzir a posteriori5 os termos contratuais e cláusulas
gerais entabuladas em sede de contratação.
Por conseguinte, tendo em vista questões metodológicas, trataremos a seguir
dos dois institutos e, em sequência, das diversas situações concretas de consumo
inseridas contexto, seja nas situações de culpa in contrahendo ou nos casos de cum-
primento defeituoso do contrato, priorizando nesse último, os casos de contratos
de compra e venda de bens de consumo, por conta de sua relevância e magnitude
nas relações de consumo.
De início, limitemo-nos à culpa in contrahendo.
A. CULPA IN CONTRAHENDO
4.1 CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES ACERCA DA RESPONSABILIDADE PRÉ-
CONTRATUAL
A questão referente à responsabilidade pelas informações transmitidas pelo
fornecedor ao consumidor na fase pré-contratual é um dos pontos centrais de nossa
pesquisa, notadamente por ocorrerem inúmeras situações que podem causar danos
nas negociações preliminares de consumo.
Importa reconhecer de início, que antes da própria conclusão em si do contrato,
há normalmente a fase de discussões – conhecida na doutrina de negociações pre-
3. Cf.: VILLANUEVA, Julian; INIESTA, Francisco. Factores Inhibidores en la Adopción de Internet como
Canal de Compra. Revista Economía Industrial, n. 340, 2001, p. 93 e ss.
4. Sobre o tema, conf‌ira: PEREIRA, Alexandre Libório Dias. A Protecção do Consumidor no Quadro da
Directiva sobre o Comércio Electrónico. Dir.– EDC, n. 2, 2000, p. 118.
5. Conf‌ira: Art. 10, n. 3, da Directiva 2000/31/CE.
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CAPíTulO 4 • QuAlIFICAÇÃO DO INCumPRImENTO DO DEVER DE INFORmAÇÃO
liminares, em que as partes buscam chegar a um denominador comum em termos,
discutindo as condições do negócio e a própria execução do contrato.
No caso das contratações por adesão de forma eletrônica, essas negociações
são prejudicadas. O que há, na verdade, é uma proposta efetiva, certa e determinada
do fornecedor ao consumidor e, para aceitá-la, deve concordar com as condições
ali expostas.
Dito isso, vale discorrer, antes de mais, sobre a evolução da responsabilidade
pré-contratual e como ela tem ref‌lexo imediato no nosso tema proposto.
Foi Jhering6, em 1861, o primeiro jurista a defender a ideia de que nos momen-
tos que precedem a conclusão do contrato constitui, entre as partes negociantes,
uma relação obrigacional integrada por deveres de conduta, cuja violação impõe
ao infrator o dever de reparar os danos causados à contraparte. Com efeito, caberia
ao responsável pela invalidade do contrato indenizar a contraparte pelo interesse
contratual negativo, permitindo ao prejudicado o retorno à situação em que se en-
contraria, caso não tivesse negociado e não houvesse um contrato nulo7.
A tese do jurista alemão não foi unanimidade. Com efeito, a crítica acadêmica8
ponderou no sentido de que, para fundamentar a responsabilidade contratual em
lapso temporal anterior à pactuação entre as partes, Jhering pretendia desvendar
um acordo de vontades por pura f‌icção9, uma vez que, se não há contrato, não há,
por decorrência, responsabilidade contratual.
Ademais, outra crítica pertinente refere-se à incompletude da tese, uma vez que
a construção dogmática do jurista seria limitada aos casos de ocorrência de dano
proveniente da invalidade do contrato celebrado entre as partes, não abarcando, por
consequência, as hipóteses de ruptura injustif‌icada das negociações, tão potencial-
mente lesivas àquele que esperava justamente celebrar o contrato.
Nesse contexto, no espaço latino, competiu ao professor italiano Faggela10 am-
pliar os horizontes traçados por Ihering, no sentido de ser possível a responsabilização
das partes no período pré-contratual, ou seja, a assunção voluntária de negociações
pré-contratuais torna-se-ia a fonte verdadeira dos deveres pré-contratuais.
6. Os Professores Henri Mazeaud, Léon Mazeaud e André Tunc pontuaram da seguinte forma: “Jhering fue
el primero que examinó a fondo el problema. Partiendo del derecho romano, llegó a la conclusión de la
responsabilidad contractual”. Cf.: MAZEAUD, Henri; MAZEAUD, Léon; TUNC, André. Tratado teórico y
práctico de la responsabilidad civil delictual y contractual. Buenos Aires: Ediciones Jurídicas Europa-América,
1957, p. 166 e ss.
7. Sobre o tema, conf‌ira: CORDEIRO, Antônio Menezes. Tratado de Direito Civil II. Parte geral. Coimbra:
Almedina, 2014, p. 489 e ss.
8. Cf.: DEPERON, Mariana Pazianotto. Responsabilidade civil pela ruptura ilegítima das tratativas. Curitiba:
Juruá, 2009, p. 27 e ss.
9. Cf.: MAZEAUD, Henri; MAZEAUD, Léon; TUNC, André. Tratado teórico y práctico de la responsabilidad
civil delictual y contractual. Buenos Aires: Ediciones Jurídicas Europa-América, 1957, p. 166 e ss.
10. FAGGELLA, Gabriele. Dei periodi precontrattuali e della lora vera ed esatta costruzione scientif‌ica. Studi
giuridici in onore di Carlo Fadda. Napoli: [s.n.], v. III, 1906, p. 271 e ss.
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