Capítulo 5 - Sanções do incumprimento

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Capítulo 5
SANÇÕES DO INCUMPRIMENTO
Diante da vultosa quantidade de transações feita pela internet, notadamente
através de contratos de adesão, é mister avaliar se todas as transações pactuadas ob-
servaram os deveres de informação e, principalmente, se partiram de uma estrutura
de interesse proporcional1 e razoável.
Tendo em conta o reiterado descumprimento de tais deveres, o presente capí-
tulo visa tratar da questão na perspectiva do direito comparado luso-brasileiro, em
uma vertente intertextual, com a f‌inalidade de demonstrar quais institutos podem
eventualmente ser usados e aproveitados em cada país com vistas a tutelar o consu-
midor e sancionar, se necessário, o fornecedor.
Nesse contexto, além de abordar o arcabouço normativo dos dois países, a análise
não se restringirá à categoria judicial, avançando pelos mecanismos administrativos,
civis e morais aplicáveis às infrações inerentes à relação de consumo.
5.1 SANÇÕES LEGAIS
5.1.1 Portugal
As sanções legais pela infringência ao dever de informação estão dispostas
no DL 7/2004 e DL 24/2014. Em linhas gerais, o ordenamento estabelece prin-
cipalmente a sanção contraordenacional (artigo 31, 1, b e 2, b) quando há des-
cumprimento do dever de informação. Nada obstante, há regras específ‌icas para
determinados casos.
A primeira delas, refere-se ao caso em que o fornecedor não cumpre com o de-
ver pré-contratual de informar ao consumidor acerca dos encargos suplementares
(valores que podem ser devidos para custos de transporte da mercadoria) ou quais
os elementos que compõem os custos da mercadoria de forma pormenorizada (pre-
ço total do bem ou serviço, incluindo taxas e impostos, modo de cálculo do preço;
custos totais por período de faturação; o preço total equivalente à totalidade dos
encargos mensais ou de outra periodicidade, dentre outras), f‌icando o consumidor
desobrigado a pagar tais custos2.
1. Sobre o tema, conf‌ira: PERLINGIERI, Pietro. Metodo, categorie, sistema nel diritto del commercio elet-
tronico. Commercio elettronico e categorie civilistiche. Milano: Giuffrè Editore, 2002, p. 9 e ss.
2. Vide DL 24/2014, artigo 4º, n. 1, alíneas d, e, f, g, h, l e n. 4.
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DIREITO À INFORMAÇÃO: REPERCUSSÕES NO DIREITO DO CONSUMIDOR • João Pedro Leite Barros
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Para mais, outro ponto refere-se aos custos de envio de mercadoria, uma vez
exercido o direito de arrependimento pelo consumidor. A regra geral é que a res-
ponsabilidade dos custos f‌ica a cargo do consumidor, exceto se o fornecedor acordar
em suportá-lo ou na situação em que o consumidor não tenha sido previamente
informado de que teria o dever de pagar os custos da devolução. Ou seja, se não o
foi devidamente informado de que suportaria os custos de eventual devolução, o
consumidor não deverá arcá-lo3.
De mais a mais, outra regra específ‌ica, talvez a mais louvável do diploma, foi
imbricar os deveres pré-contratuais de informação com o instituto do direito de
arrependimento.
Na legislação portuguesa, como já mencionado, o prazo é 14 dias4 para o exer-
cício deste direito5. Assim, no momento da contratação, deve o fornecedor de bens
disponibilizar o formulário de livre resolução para que o consumidor possa exercer
o direito subjetivo que possui.
Outro ponto que merece destaque novamente refere-se à contagem do início
do prazo6, caso o consumidor não tenha sido esclarecido corretamente do direito de
livre resolução. Simples: se o fornecedor de bens não cumprir o dever de informação
pré-contratual, a sanção é a extensão do prazo para o exercício do direito de livre
resolução para 12 meses7 a contar da data do termo inicial (via de regra8 é o dia em
que consumidor recebe a encomenda e adquire a posse dos bens, em caso de contrato
de compra e venda). Se informações forem supridas9, o consumidor disporá de 14
dias para resolver o contrato a partir da data de recepção dessa informação.
Outrossim, foram arbitradas diversas coimas10 para caso de infringência aos
deveres pré-contratuais de informação. Nesse sentido, a não disponibilização das
3. Cf.: PORTUGAL. Tribunal da Relação de Porto. Acórdão 4257/13.9TBMTS.P1. Relator: Carlos Gil. 27 de
abril de 2015.
4. No diploma anterior, a previsão era de 30 dias, norma que pontualmente excepciona o caráter protetivo do
DL 24/2014. Aqui, Pedro Romano Martinez tece crítica sobre a discrepância legislativa, uma vez que a Lei
de Defesa do Consumidor, também aplicável ao caso, em seu artigo 8º, n. 4, dispõe que o prazo é de 7 dias.
Cf.: MARTINEZ, Pedro Romano. Da Cessação do Contrato. 3. ed. Coimbra: Almedina, 2015, p. 267-270.
5. Note que o DL 24/2014 excepciona os bens e serviços que não estão sujeitos ao direito de arrependimento,
consoante o artigo 17 in f‌ine.
6. Aqui jaez a importância do momento em que o contrato é celebrado, já que inf‌luencia na contagem do
prazo para o exercício do direito de arrependimento.
7. A primeira impressão do diploma é que o prazo de 12 meses seria aplicado tão somente se observasse a
omissão da informação da existência do direito de arrependimento, e não a qualquer outra informação
pré-contratual ausente. Essa última, teria somente sanção contraordenacional, o que levaria a concluir que
o novo ordenamento, nesse ponto, não albergou a defesa do consumidor de forma correta. Contudo, os
Professores entendem que o prazo deve ser alargado também para qualquer tipo de omissão de informação
pré-contratual. Cf.: FALCÃO, Davi; FALCÃO, Marta. Análise crítica do Decreto-lei 24/2014, de 14-02,
relativo aos contratos celebrados à distância e fora do estabelecimento comercial. Revista jurídica Data
Vênia, ano 4, n. 5, 2016, p. 11 e 12.
8. Cf.: na íntegra DL 24/2014, artigo 10.
9. Cf.: DL 24/2014, artigo 10, n. 3.
10. O vocábulo equivalente no português do Brasil é “multa”.
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CAPíTulO 5 • SANÇÕES DO INCumPRImENTO
informações previstas11 pelos fornecedores de serviço aos destinatários constitui
uma contraordenação punível com coima entre 2 500,00 EUR a 50 000,00 EUR,
agravada em um terço dos limites máximo e mínimo se o ilícito for praticado por
uma pessoa coletiva, consoante DL 7/2004.
Por sua vez, na dicção legal do DL 24/2004, as infrações pré-contratuais co-
metidas por pessoa singular constituem contraordenações expostas pelo artigo 4º,
puníveis com coima entre 400,00 EUR e 2 000,00 EUR. Salienta-se que a tentativa e
a negligência são também puníveis, sendo os limites mínimos e máximos da coima
aplicável reduzidos à metade, bem como é possível a aplicação de sanção acessória
de perda de objetos.
A aparente contradição das normas, no tocante aos diferentes valores da coi-
ma, pode ser descortinada pela percepção já presente no DL 7/200412, ao entender
que aquele diploma não exclui a aplicação da legislação vigente compatível e não
prejudica o nível de proteção dos consumidores.
Assim, na dúvida em qual diploma aplicar, entendemos que deve ser impelida
a coima mais favorável à proteção do consumidor. Isto é, aquela de maior monta,
que satisfará o intuito preventivo e punitivo da sanção, coibindo novas posturas
atentatórias do fornecedor.
No instante em que o dever pré-contratual não é satisfeito, o consumidor não
completa sua vontade, exteriorizada através da emissão de sua declaração. Assim,
pode o adquirente socorrer-se das regras gerais do Direito Civil13, anulando14 o
contrato com base em erro ou até mesmo exigindo indenização15 ao fornecedor por
responsabilidade pré-contratual.
11. Regulada no DL 7/2004, nos artigos 10, 13 e 21 e 28, n. 1.
12. Cf.: DL 7/2004, artigo 3º, n. 5. Mesma ideia traduzida no preâmbulo do DL 24/2014, ao entender que deve
se manter, dentro do possível, soluções que se traduzem num elevado nível de proteção dos consumidores.
13. Vide CARVALHO, Jorge Morais. Comércio eletrônico e proteção dos consumidores. Themis-Revista da
Faculdade de Direito da UNL, v. II, n. 13, p. 58. 2006.
14. Nada mais é que uma reação contra o emprego de cláusulas abusivas. Cf.: COSTA, Mário Júlio de Almeida.
Direito das obrigações. 8. ed. Coimbra: Almedina, 2000, p. 244 e ss. Na jurisprudência, conf‌ira: PORTUGAL.
Tribunal da Relação de Lisboa. Acórdão do Processo 1536/2008-1. Relator: Rui Vouga. 08 de julho de 2008.
Explica o magistrado que “os limites do dever pré-contratual de “informação tendem a coincidir com os
fundamentos da anulabilidade (por erro vicio da vontade ou dolo), ou seja, viola o dever de informação
aquele que fornece informações inexatas, que foram essenciais para a celebração do contrato ou omite
informações, que se tivessem na esfera de conhecimento da contraparte, este não teria celebrado o contrato
ou pelo menos não o teria celebrado nos termos em que o fez”.
15. Cf.: artigo 8, n. 5, da Lei de Defesa do Consumidor, verbis: 5 – O fornecedor de bens ou o prestador de ser-
viços que viole o dever de informar responde pelos danos que causar ao consumidor, sendo solidariamente
responsáveis os demais intervenientes na cadeia da produção à distribuição que hajam igualmente violado
o dever de informação. Além disso, não custa lembrar que a regra especial para o caso de incumprimento
do dever de informação sobre as consequências do não pagamento do preço do bem ou serviço, qual seja: a
responsabilidade do fornecedor de bens ou prestador de serviços custeio das despesas processuais devidas
pela cobrança do crédito, consoante artigo 8, n. 7, da Lei de Defesa do Consumidor.
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