Capítulo I

AutorLuiz Carlos Forghieri Guimarães
Ocupação do AutorDoutorando em Ciências Jurídicas pela UNLP; Mestre em Direito Constitucional pela UNIBAN/SP, autor de várias obras e artigos jurídicos
Páginas19-109
Capítulo I
1 – Origem da teoria jurídica dos direitos fundamentais
O positivismo Kelseniano e o pós-positivismo
Ensina-nos a doutrina:
“Logo após a Segunda Guerra Mundial, os juristas europeus, es-
pecialmente os alemães, passaram por uma profunda crise de iden-
tidade, típica de qualquer fase de transição. O nazismo foi como um
banho de água fria para o positivismo kelseniano, que até então era
aceito sem reservas pelos juristas de maior prestígio. Seria ingenui-
dade e talvez até mesmo má-fé pensar que Kelsen foi o mentor in-
telectual das leis nazistas. Longe disso. Kelsen era um democrata e
ele próprio foi perseguido pelo regime de Hitler. Porém, não há como
negar que sua teoria pura forneceu embasamento jurídico para tentar
justicar as atrocidades praticadas contra judeus e outras minorias.
Anal, o formalismo da teoria pura não dá margem à discussão em
torno do conteúdo da norma. Se a norma (dito melhor, a regra jurí-
dica) fosse válida, deveria ser aplicada sem questionamentos. E foi
precisamente essa a linha da defesa utilizada pelos generais de Hitler
durante o julgamento de Nuremberg, segundo os seus advogados,
eles estavam apenas cumprindo a lei e, portanto, não poderiam ser
responsabilizados por eventuais crimes contra a humanidade. Foi
diante desse ‘desencantamento’ em torno da teoria pura que os juris-
tas alemães desenvolveram uma nova corrente juslosóca que está
sendo chamada de ‘pós-positivismo’: antes, com o positivismo kelse-
niano, tudo girava em torno da norma, e a norma era tudo; agora, com
o pós-positivismo, a norma cede espaço aos valores e aos princípios,
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Luiz Carlos Forghieri Guimarães
que se converteram ‘em pedestal normativo sobre o qual assenta
todo o edifício jurídico dos novos sistemas constitucionais’, tornando
‘a teoria dos princípios hoje o coração das Constituições’. Percebeu-
se que, se não houver na norma um forte conteúdo humanitário, o
direito pode servir para legalizar o mal. A mesma tinta utilizada para
escrever a declaração de direitos do homem pode ser utilizada para
escrever as leis do nazismo. ‘O papel aceita tudo, como bem diz o
Professor Luís Roberto Barroso’. ‘Tudo levaria a crer que o despres-
tígio da norma – ou melhor, do normativismo positivista-formalista –
faria renascer as doutrinas baseadas no direito natural: se o direito
positivo não é (ou não foi) suciente para garantir o justo e evitar a
banalização e a legalização do mal, invocar-se-ia o direito natural.
Mas não foi assim na verdade, o que houve foi uma releitura ou refor-
mulação do direito positivo clássico. Em vez de se pensar um direito
acima do direito estatal (direito natural), trouxeram-se os valores, es-
pecialmente o valor da dignidade da pessoa humana, para dentro do
direito positivo, colocando-o no topo da hierarquia normativa. E como
o valor dignidade é a matéria-prima dos direitos fundamentais, foi
sendo (ou melhor, está sendo) construída dentro dessa corrente pós-
positivista, uma sólida teoria dos direitos fundamentais.’”1
Ademais, no que se refere ao pós-positivismo, é sempre bom invo-
car o mestre carioca Luís Roberto Barroso2, que assevera:
“O pós-positivismo é a designação provisória e genérica de um
ideário difuso, no qual se incluem a denição das relações entre va-
lores, princípios e regras, aspectos da chamada nova hermenêutica
constitucional, e a teoria dos direitos fundamentais, edicada sobre o
fundamento da dignidade humana. A valorização dos princípios, sua
incorporação explícita ou implícita, pelos textos constitucionais e o re-
conhecimento pela ordem jurídica de sua normatividade fazem parte
desse ambiente de reaproximação entre o direito e a ética.”
Pode-se sintetizar que antes, com o positivismo kelseniano, tudo gi-
rava em torno da regra, e a regra era tudo, agora, com o pós-positivismo,
a norma jurídica é composta de regras e princípios em que a norma
jurídica cede espaço aos valores e aos princípios num ambiente de rea-
proximação entre o direito e a ética, “apesar do desalento de alguns que
1 Retirado de .
George Marmelstein Lima é juiz federal em Fortaleza e professor de Direito Constitucional.
2 O Direito Constitucional e a efetividade de suas normas, p. 291.
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Direitos Fundamentais e Relações Desiguais nos Contratos Bancários
ainda insistem em não validar, ou ainda, validar de forma distorcida essa
evolução do Direito que veio para car”.
2 – Conceito e signicado de direitos fundamentais
Direitos fundamentais são direitos essenciais à vida. Têm como base
um rol de direitos existenciais para a manutenção do indivíduo com dig-
nidade, v.g., moradia, educação, saúde, liberdade, igualdade etc.
O objetivo dos direitos fundamentais é o de conceder aos indivíduos
uma posição jurídica de direito subjetivo, direito a algo, e, por outro lado,
limitar a liberdade de atuação dos órgãos do Estado e dos particulares.
Os direitos fundamentais foram concedidos primeiramente como ins-
trumentos de proteção dos indivíduos contra opressão estatal. O particu-
lar era o titular dos direitos e o Estado o sujeito passivo, em outro dizer,
é a chamada ecácia vertical dos direitos fundamentais.
Com a evolução da sociedade e do Direito, hodiernamente, os valo-
res contidos nos direitos fundamentais passaram a irradiar-se também
nas relações jurídicas entre particulares, uma vez que os detentores de
poder social e econômico são capazes de causar danos aos princípios
constitucionais e podem impor ônus ou obrigação tanto ou até mais do
que o Estado. Designam-se essas relações de ecácia horizontal dos
direitos fundamentais.
O adjetivo fundamental tem uma signicação especial ao se agrupar
(conectar) com o substantivo direito, uindo daí a locução adjetivada di-
reitos fundamentais que particularizam certos direitos. Em outro falar, em
presença de direitos fundamentais os bens que são objetos de proteção
privam de uma virtude especial: eles são bens considerados sumamente
valiosos, isto é, são bens essenciais, vitais, indispensáveis, enm, é a
posição jurídica subjetiva da qual se entende que não é possível alguém
prescindir. Além disso, são tão importantes os direitos fundamentais na
Constituição de 1988 que o constituinte colocou-os antes das normas
sobre a organização do Estado.3
3 SARMENTO, Daniel. Direitos fundamentais e relações privadas, p. 109. “A própria estru-
tura interna da Constituição, que, diversamente do que ocorria na ordem constitucional
pretérita, pôs os direitos fundamentais na parte inicial do texto magno, antes das normas
sobre a organização do Estado, revela bem a importância sem precedentes conferida a
tais direitos, que passam a desfrutar de indisputável primazia axiológica no novo regime”.

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