Capítulo III - Da recuperação judicial
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Capítulo 3
DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL
Seção I
Disposições Gerais
Art. 47. A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação
da situação de crise econômico-nanceira do devedor, a m de permitir
a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos
interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa,
sua função social e o estímulo à atividade econômica.
56. CONCEITOS DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL
Segundo o eminente advogado e professor Sérgio Campinho,
“a recuperação judicial, segundo perl que lhe reservou o ordenamento, apresen-
ta-se como um somatório de providências de ordem econômico-nanceiras, eco-
nômico-produtivas, organizacionais e jurídicas, por meio das quais a capacidade
produtiva de uma empresa possa, da melhor forma, ser reestruturada e aproveita-
da, alcançando uma rentabilidade autossustentável, superando, com isso, a situa-
ção de crise econômico-nanceira em que se encontra seu titular – o empresário
–, permitindo a manutenção da fonte produtora, do emprego e a composição dos
Econômico. Sob a ótica processual, a medida se implementa por meio de uma
ação judicial, de iniciativa do devedor, com o escopo de viabilizar a superação de
sua situação de crise. Mas dita pretensão somente pode ser exercida até a declara-
ção de sua falência (artigo 48, I).” (CAMPINHO, 2010, p. 10)
Para outro também eminente jurisconsulto e professor, Jorge Lobo,
“recuperação judicial é o instituto jurídico, fundado na ética da solidariedade,
que visa sanear o estado de crise econômico-nanceira do empresário e da socie-
dade empresária com a nalidade de preservar os negócios sociais e estimular a
atividade empresarial, garantir a continuidade do emprego e fomentar o trabalho
humano, assegurar a satisfação, ainda que parcial e em diferentes condições, dos
direitos e interesses dos credores e impulsionar a economia creditícia, median-
te a apresentação, nos autos da ação de recuperação judicial, de um plano de
reestruturação e reerguimento, o qual, aprovado pelos credores, expressa ou ta-
citamente, e homologado pelo juízo, implica novação dos créditos anteriores ao
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REINALDO LIMIRO DA SILVA
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ajuizamento da demanda e obriga a todos os credores a ela sujeitos, inclusive os
ausentes, os dissidentes e os que se abstiveram de participar das deliberações da
assembleia-geral.” (LOBO, 2010, p. 171-172)
Não é um conceito, mas uma profunda e abalizada opinião sobre os ns deste
instituto da recuperação judicial, segundo o mestre Manoel Justino Bezerra Filho,
ao armar que
“a recuperação judicial destina-se às empresas que estejam em situação de crise
econômico-nanceira, com possibilidade, porém, de superação; pois aquelas em
tal estado, mas em crise de natureza insuperável, devem ter sua falência decreta-
da, até para que não se tornem elemento de perturbação do bom andamento das
relações econômicas do mercado. Tal tentativa de recuperação prende-se, como
já lembrado acima, ao valor social da empresa em funcionamento, que deve ser
preservado não só pelo incremento da produção, como, principalmente, pela
manutenção do emprego, elemento de paz social.” (BEZERRA FILHO, 2011, p.
133-134).
Ao comentar o item “121. A recuperação judicial”, em sua obra já citada, o
grande doutrinador José da Silva Pacheco, a nosso ver, conceitua o instituto, ao
dizer que a:
“Recuperação (do latim recuperatio) é o ato ou efeito de recuperar, reconquistar,
restaurar, renovar, revigorar, restabelecer o estado anterior, voltar ao estado nor-
mal. Quando o devedor, que atende aos requisitos do artigo 48, requer ao juiz do
local do seu principal estabelecimento o deferimento do processamento de sua
recuperação judicial por um dos meios apontados no artigo 50, deve demonstrar
as causas de sua situação patrimonial as razões da crise econômico-nanceira
que o envolve, a sua viabilidade econômica, e apresentar plano para restabelecer
a normalidade de sua empresa. Tem-se, aí, a recuperação judicial, como processo
perante o juiz competente, do local do principal estabelecimento do devedor.”
(PACHECO, 2006, p. 111)
Extraordinários os conceitos e pontos de vista emitidos pelos ilustres juristas
acima citados, grandes doutores deste e de outros temas, pois em poucas pala-
vras nos trazem com profundidade para a nossa compreensão as suas percepções
técnicas sobre esse instituto da recuperação judicial. Mas, fugindo um pouco do
tecnicismo e partindo para a prática, nos sensibilizou profundamente um funda-
mento do instituto da recuperação que, muito mais do que técnico, é humano;
muito mais do que privado, é público e social; que, ao invés de ser considerado só
localmente, deve ser universal.
Jorge Lobo o mencionou no seu conceito acima transcrito – “a ética da soli-
dariedade”. Mas foi além, ao armar que não só a recuperação judicial, mas toda
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“ao fundar-se na ética da solidariedade, engajou-se no movimento universal, se-
gundo o qual, nos nossos dias, no país e no resto do mundo, os conitos privados,
de cunho exclusivamente patrimonial, entre devedores e credores, no âmbito do
Direito Concursal, se estendem e abarcam interesses gerais e coletivos, interesses
públicos e sociais, que devem ser considerados, pelo devedor, quando ajuíza a
ação de recuperação judicial e elabora o plano de reerguimento, e, pelos credores,
quando votam na assembleia-geral.” (LOBO, 2010, p. 179-180)
Esse fundamento dito por Jorge Lobo – a ética da solidariedade –, que toma-
mos a liberdade de dizer que, antes mesmo de ser uma base de cunho teórico para
sustentar os ns perseguidos pelo instituto da recuperação judicial, é humano,
porque se assim não o for – e isso ser tem que ser parte inseparável de cada cre-
dor e cada devedor participantes no processo –, não teremos as considerações no
efeito pretendido e aduzido pelo mestre Jorge Lobo em suas palavras nais acima
transcritas, “que devem ser considerados, pelo devedor, quando ajuíza a ação
de recuperação judicial e elabora o plano de reerguimento, e, pelos credores,
quando votam na assembleia-geral”. (grifos nossos).
Esse humanismo, diríamos, pela abrangência explicitada por Jorge Lobo, é
universal, e isto ca muito patente na sua abordagem quando comenta no item “7.
Fundamento: a ética da solidariedade”
“Nos ‘procedimentos de sacrifício’, a lógica de mercado, apanágio do sistema ca-
pitalista e da teoria da maximização dos lucros, deve ceder diante da ética da so-
lidariedade, sobretudo quando se trata de uma lei de ordem pública, como sói ser
a que disciplina a ação de recuperação judicial, que objetiva preservar a empresa,
pois ela tem uma função social a cumprir, manter os postos de trabalho, porquanto
o desemprego atenta contra a dignidade, e garantir o recebimento dos créditos,
visto que o crédito é o combustível da atividade econômica e do progresso social.
(LOBO, 2010, p. 179)
Na sua linha de raciocínio, Jorge Lobo atenta que, para se alcançar o múltiplo
escopo acima
“e para atender aos interesses das partes envolvidas e harmonizar os direitos de
cada um equanimemente, ao invés de confronto entre o devedor e seus credores,
impõe-se a cooperação; ao invés do litígio, a conciliação; ao invés da apologia
dos direitos pessoais, a luta para a realização dos ns comuns; ao invés da defesa
egoísta e intransigente dos interesses individuais, a busca de soluções solidárias e
equitativas, que causem menor sacrifício a todos, dentro da perspectiva de que se
deve priorizar a composição dos interesses conitantes, raramente convergentes
se não houver, de parte a parte, a compreensão e a sensibilidade do que é absolu-
tamente indispensável: salvar a empresa em crise, que demonstre ser econômica
e nanceiramente viável, com a nalidade precípua de mantê-la empregadora de
mão-de-obra, produtora e distribuidora de bens e serviços, criadora de riquezas
e prosperidade, geradora de impostos e, por igual, ao mesmo tempo, respeitar os
direitos e interesses dos credores.” (LOBO, 2010, p. 179)
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